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A bem da Nação

Crónica de Lisboa – 5

O meu fascínio pela Índia e por tudo que lhe respeite fez com que nestas férias que agora terminaram lesse dois livros que me encantaram. O primeiro chama-se “Jesuítas e Inquisidores em Goa: a cristandade insular (1540-1682)” e é a adaptação ao comércio da tese de doutoramento da professora brasileira Célia Tavares; o segundo chama-se “Diário da Índia: 1993-1997” e é da autoria do embaixador português Marcello Duarte Mathias. Em estilos completamente diferentes e tratando de épocas tão distantes como as referidas nos respectivos títulos, dão-nos, contudo, uma ideia muito semelhante: a de que a Índia é eterna e de que o mundo gira à sua volta. Se do primeiro livro extraí muita informação da maior utilidade para a minha próxima aventura literária, já do segundo fiz uma leitura mais aligeirada porquanto o próprio estilo do autor a isso mesmo convida. E é a este que hoje me refiro. Ao Embaixador de Portugal residente em Nova Delhi compete também a representação do país no Nepal, no Bangladesh e no Sri Lanka pelo que é natural que visite regularmente aqueles países onde não reside. A representação simultânea em vários países pode não ser tarefa fácil sobretudo se entre esses vários Estados houver algum conflito de interesses mas a sabedoria diplomática lá vai limando os escolhos e alertando para que esses conflitos nada têm a ver connosco, país longínquo e hoje sem quaisquer veleidades hegemónicas na região. Temos, isso sim, um compromisso de carácter histórico perante populações que abandonámos e que, apesar de tudo, persistem na manutenção de valores que lhes incutimos em épocas remotas. A tal ponto que, por volta de 1995, numa visita que o embaixador Mathias fez ao Sri Lanka, uma velhinha que vendia roupas e lençóis no caminho para o forte português de Santa Cruz ali bem perto do farol, a sul de Colombo, o interpelou dizendo-lhe: “Fique o Senhor sabendo que nós, aqui no Sri Lanka, somos todos portugueses!”. Lisboa, Setembro de 2004 Henrique Salles da Fonseca Publicado em Panjim, Goa, no "Lusofonia-Goa", em Outubro de 2004

CRÓNICA DE LISBOA - – 4

Rabindranath Takhur...

Tagore.jpg  ... Tagore, por corruptela britânica

 

O confronto de civilizações a que estamos a assistir entre islâmicos e cristãos e entre islâmicos e hindus recomenda que tomemos consciência do que nos distingue para que possamos encontrar motivos de entendimento.

 

Quando a mente não teme

Quando a mente não teme

e a cabeça se mantém erguida

Quando o conhecimento é livre

Quando o mundo não foi quebrado em fragmentos

por mesquinhos muros domésticos

Quando as palavras brotam das profundezas da verdade

Quando o incansável lutador estende os braços rumo à perfeição

Quando a clara corrente da razão

não perdeu o sentido contra a triste areia deserta da condição morta

Quando tu fazes avançar a mente

rumo a horizontes cada vez mais amplos do pensamento e da acção

rumo àquele céu de liberdade,

meu Pai, deixa o meu país acordar.

 

Poderei não ter dado a este poema uma forma que o classifique como uma obra prima da literatura em língua portuguesa mas eu peço aos leitores que abdiquem do tosco feitio que produzi com um mínimo de liberdade interpretativa e observem atentamente o conteúdo desta definição da dignidade humana, da abnegação, da heroicidade, do comovente louvor a uma Nação.

 

Há valores por que vale a pena lutar e creio que reuniremos a unanimidade entre as civilizações superiores ao afirmarmos que a dignidade humana é sagrada.

 

Na civilização cristã, a dignidade humana deriva da convicção de que o homem é obra de Deus e que por essa razão tem uma génese divina. Em 1784, Immanuel Kant pedia ao homem que se libertasse da confortável menoridade em que caíra ao deixar que os tutores o conduzissem sem fazer qualquer esforço na escolha de opções racionais e que assumisse a dignidade do ser pensante.

 

Qualquer cristão reconhece no poema acima um hino à dignidade e, contudo, ele foi escrito no original por um bengali de espírito superior. Os ingleses deturparam-lhe o nome pois ele era da família Takhur e ficou para a História com o nome de Rabindranath Tagore.

 

Lisboa, Junho de 2004

 

Palácio Samode (2008).JPG

Henrique Salles da Fonseca

 

Publicado em Panjim, Goa, no “Lusofonia-Goa” na edição de Agosto de 2004

CRÓNICA DE LISBOA – 3




Existe na língua portuguesa uma regra que anda muito esquecida desde que entraram em funções em Estrasburgo ou Bruxelas os tradutores oficiais do Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Trata-se daquela que diz que no plural das palavras compostas só o primeiro termo é colocado no plural e o seguinte se mantém no singular. Por exemplo, em português correcto, o plural de “Estado membro” é “Estados membro”, o de “máquina ferramenta” é “máquinas ferramenta”, um “primeiro ministro” e dois “primeiros ministro” e assim por aí a diante. Claro que há excepções e essas resultam de particularidades do próprio singular da expressão. Quando a um “apara lápis” quero juntar outro, fico com dois “apara lápis”; o mesmo se diga de “saca rolhas” que mantém a forma plural em relação ao singular porque um dos termos da palavra composta na forma singular já se encontra no plural.

A confusão dos tradutores advém do facto de terem inicialmente sido recrutados dentre qualquer profissão de nível universitário mas não especificamente dentre quem pudesse provar que sabia o que ia fazer, ou seja, traduzir para português os textos legais cuja redacção inicial fora em francês. É que se os tradutores soubessem o que andavam a fazer, também saberiam que essa regra não existe em francês em que no plural das palavras compostas todos os membros passam ao plural: “états membres” como plural de “état membre”, “matières premières” para o de “matière première”, etc. Curiosamente, em inglês existe uma regra parecida com a portuguesa: one “raw matherial”, two “raw matherials”; one “member State”, two “member States”, one "prime minister", two "prime ministers"; one “machine tool”, two “machine tools”.

Claro que nós, os portugueses que não somos tradutores oficiais e vivemos num clima relativamente benigno e declaradamente temperado, temos um espírito de humor mais agudo do que quem tenha que ganhar a vida com missão tão enfadonha como essa de traduzir os conceitos que outros inventaram e, ainda para cúmulo, vivendo num Inverno quase permanente. Então, quando um ex-primeiro




ministro português se referiu às “matérias primas”, logo houve quem recordasse a confusão que se estabeleceu enquanto Michelangelo pintava a vaticana Capela
Sistina em que alguém, referindo-se às “obras primas” do Mestre, logo teve que esclarecer se não estava a confundir-se com as primas do mestre de obras. A História registou por omissão que o Papa Júlio II não teve que intervir para esclarecer a confusão e, mais importante ainda, não assinou nenhum Breve que proibisse os portugueses de possuírem as suas próprias regras gramaticais.

Lisboa, Maio de 2004


Henrique Salles da Fonseca

Publicado em Panjim, Goa, no “Lusofonia-Goa” em Junho de 2004

Conversa fiada – 3ª parte


Resumo da 2ª parte: Kant e al-Wahhab foram contemporâneos e apontaram caminhos totalmente opostos para as respectivas civilizações com os europeus a seguirem o iluminismo e os islâmicos a praticarem o obscurantismo; os fundamentos do radicalismo islâmico são historicamente anteriores à problemática do petróleo; a guerra no Iraque é uma consequência da filosofia islâmica e um erro da pontaria americana; os actuais preços inflacionados do petróleo são especulativos, destinam-se a pagar as despesas da guerra no Iraque e nada têm a ver com aumentos da procura.



Jornalista: - Acho que desta vez vamos falar menos dos árabes . . .
Economista: - Muito bem, falaremos doutras coisas mas chamo a atenção para o facto de haver inúmeras questões da maior relevância que estão dependentes da política energética e, essa, está quase monopolizada pelo petróleo. Apesar de tudo, os árabes continuam a ter uma importância de primeira grandeza no mundo energético. Mas, está bem, deixemos os árabes em paz; assim eles o façam também connosco . . .
Jornalista: - Acredita na possibilidade de Portugal vir a produzir energia nuclear?
Economista: - Acredito e desejo!
Jornalista: - Não teme as consequências ambientais?
Economista: - O que tinha a temer já temi.
Jornalista: - Pode explicar?
Economista: - A poluição espanhola da central atómica de Sayago vem direitinha ao Douro e nós andamos à procura de pretextos para não construir barragens hidroeléctricas por causa duns bonecos quaisquer que já deviam ter sido trasladados para outro lugar à moda de Abu Simbel. Temos o pior dos dois mundos: poluição atómica causada pelo nosso incómodo vizinho estrangeiro e ecologistas militantes nacionais disfarçados de historiadores que nos têm impedido de recorrer a um dos raros recursos energéticos de que dispomos. E como ser ecologista está na moda, nada do que esses cavalheiros digam pode ser contrariado sem que corra grande alarido a favor dos passarinhos que tanto nidificam ali como noutro lado qualquer.
Jornalista: - Mas acha que a barragem de Foz Côa deve ser construída?
Economista: - Sim, acho que a barragem de Foz Côa deve ser construída imediatamente mas também aceito que os bonecos trogloditas sejam trasladados para um museu a criar na região, uns metros mais alto.
Jornalista: - E a albufeira não vai provocar estragos significativos na fauna e na flora?
Economista: - A capacidade regenerativa da Natureza é muito maior do que a apregoada e se houver preparação e ajuda para uma aceleração dessa recuperação, então tanto melhor. Eu sou dos que pensam que essas obras – as pontes, as barragens, etc. – têm um impacto ambiental ultrapassável e a missão inultrapassável de servir o homem.
Jornalista: - Mas há danos irremediáveis.
Economista: - Como por exemplo?
Jornalista: - A extinção de espécies.
Economista: - Para além das figuras trogloditas, haverá no vale do Côa alguma espécie única?
Jornalista: - Não sou especialista na matéria para poder informar . . .
Economista: - Eu também não sou especialista nesse género de assuntos mas nunca ouvi falar que houvesse por ali algum gafanhoto especial.
Jornalista: - Está claramente a desprezar a ecologia . . .
Economista: - A ecologia não é desprezável; os exageros dos ecologistas é que o são quando põem em pé de igualdade o interesse do homem e o das espécies animais, muitas delas migrantes.
Jornalista: - Mas se não fossem esses ecologistas, também nunca se teria combatido o buraco do ozono . . .
Economista: - Ah! sim, o tal que aumenta e diminui a toda a hora sem que alguém explique as reduções. Já reparou que só encontraram explicação para o aumento do buraco? E as reduções? O que é que se passava há 300 ou 400 anos? E há 50? Eu acredito que não há antiguidade de registos das dimensões do buraco suficientes para se poder fazer história e começar a relacionar factos. Temo que tudo não passe de meros palpites com força de lei mas sem quaisquer argumentos probatórios a favor ou contra as práticas humanas, nomeadamente as de índole industrial. Nunca me esqueço de Haroun Tazieff – que foi Ministro do Ambiente em França e se notabilizou na vulcanologia – que sobre esse buraco dizia “on trompe le public”.
Jornalista: - Em que sentido?
Economista: - No sentido de que o hemisfério Norte esteve até há pouco tempo num processo de arrefecimento global.
Jornalista: - O contrário do que se diz?
Economista: - Exacto, o contrário do que se diz. Nada melhor do que ler um livrinho muito fácil de consultar que se chama “A verdade sobre o efeito estufa” que foi escrito por um ecologista francês de nomeada chamado Yves Lenoir que nos primeiros Governos de François Miterrand foi Adjunto do então Ministro do Ambiente Brice Lalonde.
Jornalista: - Para concluir que . . .
Economista: - . . . a história está muito mal contada.
Jornalista: - Mas então, o que propõe?
Economista: - Proponho três coisas muito simples: 1ª - Aos ecologistas que estudem, estudem, estudem e criem uma Ciência credível; 2ª - Aos políticos que reconheçam à Indústria o direito de se defender do ambiente que a rodeia; 3ª - A todos, que não sobrevalorizem os gafanhotos em relação aos homens.
Jornalista: - A Indústria defender-se do ambiente que a rodeia?
Economista: - Claro, é um direito básico e que não consta dos manuais em vigor.
Jornalista: - Pode explicar?
Economista: - Sim, posso, apesar de já o ter feito em vários lugares. É mais um.
Jornalista: - Desculpe o pedido de repetição.
Economista: - Nunca é demais repetir que a Indústria é uma actividade humana. Duvida?
Jornalista: - Não, claro que não.
Economista: - Hoje, todos sabemos que a Terra é uma nave espacial a que estamos “agarrados” sem alternativa pragmática e não podemos sujar indiscriminadamente a nave que habitamos sob pena de nos afogarmos no lixo que produzimos. Tudo isto já é axiomático e não vale a pena discutir. Mas a Indústria é constituída por pessoas e tem como objectivo a satisfação de necessidades humanas nas suas legítimas ambições de conforto pelo que é fundamental que trabalhemos da forma mais limpa que for técnica e economicamente possível. Deste género de preocupações resulta directamente o conceito da reciclagem.
Jornalista: - Os 3 R’s: reduzir, reciclar, reutilizar.
Economista: - A reutilização é um erro flagrante mas já lá vamos daqui a bocado. Estava eu a dizer que há uma consciencialização progressiva para a necessidade de preservarmos o Ambiente e é louvável que já tenhamos alcançado esse nível de preocupações. Mas não podemos esquecer o perigo de sacrificarmos tudo e todos à higiene asséptica e de tanto querermos viver num ambiente tão impecavelmente limpo, acabarmos por não poder fazer seja o que for e ficarmos com as necessidades humanas de conforto por satisfazer. Os tais trogloditas do vale do Côa viviam num ambiente muito puro. É isso que desejamos para nós? Eu, não!
Jornalista: - Sim, creio que será unânime a rejeição de um estilo de vida desse primarismo.
Economista: - Então, temos que combater essa militância ecologista contra a Indústria e parar com os exageros que a lei actual consagra.
Jornalista: - Como por exemplo?
Economista: - Sabe que uma empresa industrial pode ser obrigada à deslocalização para não incomodar as pessoas que vivem à sua volta?
Jornalista: - Sim, sei.
Economista: - Mas essas pessoas vivem à volta da fábrica porque eles próprios ou os seus antepassados lá trabalham ou trabalharam e não se queixaram quando construíram as casas bem junto do local de trabalho. Portanto, a iniciativa da implantação foi da fábrica mas agora é ela que tem que zarpar para que quem a seguiu possa ficar longe. E o processo há-de repetir-se indefinidamente nos novos locais para que as fábricas forem e assim sucessivamente. Andam a brincar com a Indústria, não andam? É por isso que eu acho que as fábricas devem poder ter uma palavra a dizer sobre as urbanizações que se planeie para as suas redondezas. Já parece o caso do novo aeroporto de Ota. Mas acho mais coisas . . .
Jornalista: - Como por exemplo?
Economista: - Que as empresas não devem ser obrigadas a comprar o último grito dos equipamentos ditos de combate à poluição se eles tiverem custos excessivos.
Jornalista: - Mas não é assim?
Economista: - Não, a legislação é cega para a questão económica e isso é completamente imperdoável. Assim, quando o último industrial comprar um certo protector ambiental, logo os fabricantes desses equipamentos hão-de dizer que agora já há um mais moderno e o circuito é retomado de modo a todos terem que deitar fora o que haviam comprado e passarem a comprar os novos protectores.
Jornalista: - Mas isso é um sem-fim . . .
Economista: - Eu prefiro chamar-lhe uma vergonha para o legislador.
Jornalista: - Então como é que se devia fazer?
Economista: - Legislar no sentido de que a Indústria é obrigada a equipar-se com protectores ambientais da melhor técnica disponível a custos económicos.
Jornalista: - E quem é que deve definir o que é o melhor a preços razoáveis?
Economista: - Já existe o grupo de especialistas europeus nessa matéria e está sedeado em Sevilha. Não sei se são grandes especialistas pois a ecologia ainda tem muita credibilidade para provar. É o chamado “grupo das sevilhanas”.
Jornalista: - Concorda que façamos agora um pequeno intervalo?
Economista: - Concordo mas em vez do café habitual, aproveito para ouvir um flamenco.

Lisboa, Outubro de 2004.

Henrique Salles da Fonseca

Uma notícia por dia - 22 de Outubro

"Jornal de Notícias"

Medidas para combater dependência face ao petróleo serão apresentadas em Novembro


OGoverno ponderou a hipótese de recorrer à energia nuclear como forma de reduzir a dependência do país face ao petróleo. No entanto, o Executivo acabou por recuar e a medida não consta do relatório ontem apresentado ao Conselho de Ministros pelo ministro das Actividades Económicas, composto por uma série de iniciativas que visam justamente reduzir a dependência da economia face àquela matéria-prima.

Ao que o JN apurou, em cima da mesa esteve ainda a possibilidade de ser relançado o projecto da barragem de Foz Côa para aumentar a produção hidroeléctrica, mas o facto de a zona estar parcialmente "na alçada" da UNESCO por causa das gravuras rupestres, assim como a possibilidade de vir a ser construída a barragem do Sabor, levaram a que também esta hipótese não tenha sido incluída no documento final.

O relatório, discutido ontem pelo Governo e que dará origem a uma resolução a ser aprovada nas próximas semanas e conhecida até ao final de Novembro, aponta como metas, até 2010, a redução em 20% do peso do petróleo no balanço energético nacional (de 62 para 42%), a quebra em 20% da intensidade energética do Produto Interno Bruto, assim como a diminuição em 15% da factura energética (que rondou os quatro mil milhões de euros em 2003).

O documento, cuja elaboração foi coordenada por Álvaro Barreto, mas que contou com contributos dos titulares das Cidades, Agricultura, Obras Públicas, Ambiente e Ciência, retoma várias propostas da Política Energética do anterior Governo.

Esse documento, baseado numa resolução do Conselho de Ministros, elencava uma série de propostas assente em três objectivos essenciais: segurança do abastecimento nacional, fomento do desenvolvimento sustentável e promoção da competitividade da economia.

Entre as 40 medidas previstas, reafirmava-se a necessidade de diversificar as fontes energéticas e de aproveitar os recursos endógenos, de forma a alcançar o objectivo de, até 2010, produzir 39% da electricidade com base em energias renováveis. O documento apostava ainda no avanço da liberalização dos combustíveis, do gás natural e electricidade.

O JN tentou, sem sucesso, questionar o Ministério das Actividades Económicas sobre as opções equacionadas e as previstas no relatório de Álvaro Barreto.

Uma notícia por dia - 21 de Outubro

"Diário de Notícias"

Galp paga 30 milhões pela BP Enérctica

A Galpenergia anunciou ontem que assumiu o controlo da BP Enérctica, filial do Grupo BP de venda e distribuição de combustíveis ao domicílio em Espanha. A aquisição, que implicou um investimento de 30 milhões de euros, necessitou da autorização do Tribunal da Defesa da Concorrência.

O negócio, que abrange 100% das acções da BP Enérctica, prevê a integração dos 130 empregados da distribuidora de energia nos quadros da Galp, que passa a ter mais de mil trabalhadores em Espanha.

Já detentora de uma rede de 235 estações de serviço no país vizinho, a Galp «aumenta assim em 45% a sua presença no mercado espanhol, com um volume de vendas de 1812 mil milhões de toneladas de derivados petrolíferos», afirma o comunicado da empresa.

A compra da BP Enérctica e a sua inserção na carteira de negócios da Galp Empresas permitirá subir de 9% para 11% a quota no segmento. «Só as vendas de gasóleos da Galp Empresas em Espanha vão ultrapassar em 2005 o volume destes produtos comercializados pela Galp em território português», acrescenta o documento.


Conversa fiada – 2ª parte




Resumo da 1ª parte: “Conversa fiada” porque vem com o fio das notícias e de acontecimentos que podem não ter sido notícia; nem só as evoluções de médio e longo prazos são importantes pois as variações sazonais também o podem ser para uma sociedade; os Estados europeus vão-se dissolver na letra da lei; o referendo europeu deve ser único à escala europeia com todos os cidadãos a votarem directamente para um único resultado global sem ponderação para cada Estado; os franceses têm toda a legitimidade para se pronunciarem sobre a adesão turca; a Turquia tem que esperar muito para reunir as condições necessárias à adesão; actualmente, as sociedades islâmicas não possuem condições para terem uma democracia à nossa imagem e semelhança e necessitam de regimes autocratas, laicos e de inspiração castrense.



Jornalista – Depois deste intervalo, continua a pensar como no final da conversa anterior no que respeita à democraticidade das sociedades islâmicas?

Economista – Bem vê: eu não disse o que disse porque estava cansado ou a precisar de um café; eu acho exactamente aquilo que disse e não me parece de mais repetir aqui o que já afirmei noutros locais sobre as grandes diferenças comportamentais entre nós, os ocidentais e os islâmicos.

Jornalista – E quais são?

Economista – Várias e muito importantes. Mas hoje eu não quero perder a oportunidade de deixar algumas mensagens que me parecem importantes.

Jornalista – Óptimo! Pode começar por onde quiser.

Economista – O relacionamento entre as duas maiores civilizações mediterrânicas, a guerra do Iraque, a invasão espanhola de Portugal, o caso de Olivença.

Jornalista – Vamos equiparar Bagdad e Olivença?

Economista – Se quiser . . .

Jornalista – Como é que havemos de o fazer?

Economista – Fazendo uma leitura integrada de ocorrências aparentemente desconexas.

Jornalista – Ah! Isso pode ser interessante, quanto mais não seja numa perspectiva académica . . .

Economista – Muito bem: a abordagem académica fica facilitada se nos referirmos a filósofos e teólogos.

Jornalista – Quais?

Economista – Emmanuel Kant, al-Wahhab e al-Banna

Jornalista – Bem: Kant é conhecido mas quem são esses dois com nomes árabes?

Economista – Já lhe digo mas, primeiro, quero recordar-lhe uma ideia de Kant que ele expressava por volta de 1780 na sua cidade de Königsberg, na Prússia Oriental, a propósito do iluminismo e que era sensivelmente a de que “o homem só alcança a felicidade pela exploração de novas ideias”. E não há dúvida de que foi assim que a nossa civilização arrancou para um progresso como nunca a Humanidade antes vira.

Jornalista – Realmente, não me parece que seja esse o cenário dos árabes.

Economista – E não lhe parece muito bem porque foi por aquela mesma época que o teólogo islâmico al-Wahhab, vivendo na península arábica, disse qualquer coisa parecida com “a minha é a última interpretação do Corão e quem ousar novas interpretações – mesmo pela simples tradução – é de imediato condenado à morte”.

Jornalista – Então o mundo árabe parou aí?

Economista – O mundo árabe, não sei; o islamismo sunita, sim; o xiismo continua a evoluir e nós no Ocidente andamos muito confundidos com o radicalismo de uns e outros.

Jornalista – Quem é mais radical?

Economista – Entre uns e outros venha alguém que escolha mas recordo-lhe que um dos conflitos mais acesos entre eles é o do estatuto da mulher. Ambos têm a certeza de que a mulher é um ser inferior mas lá pelo meio há uns tradicionalistas (sunitas) que vão ao ponto de afirmar que a mulher não tem alma . . . E matam-se uns aos outros por causa de coisas desse género . . .

Jornalista – Mas agora já não se matam só uns aos outros; já nos matam a nós.

Economista – Pois é precisamente aí que entra o outro que se chamava al-Banna e que viveu há relativamente pouco tempo: nasceu no Egipto em 1906 e foi assassinado em 1949. Esse fundamentalista (sunita) dizia coisas “simpáticas” do género:”É da natureza do Islão dominar, não ser dominado, impor a sua lei a todas as nações e fazer alastrar o seu poder ao planeta inteiro”. Mas se as coisas se ficassem por um proselitismo deste género, ainda poderíamos ir convivendo com ele mas o pior é quando ele afirma que “O punhal, o veneno e o revólver são as armas do Islão contra os seus inimigos”. E quem são os inimigos? Todos os que não forem islâmicos. Como vê, estamos é pega com essa rapaziada.

Jornalista – Bem à pega, pelos vistos. E acha que é esse tipo de ideias que faz com que eles andem por aí a fazer terrorismo ou será por causa da guerra no Iraque?

Economista – A guerra no Iraque é uma consequência; a causa está na filosofia.

Jornalista – Mas concorda com a guerra no Iraque?

Economista – Acho que o Presidente Bush II errou a pontaria mas duvido que pudesse fazer coisas diferentes das que vem fazendo.

Jornalista – Como assim? Mentindo?

Economista – Não tenho acesso às informações dos Serviços Secretos e, portanto, não jogo com o baralho todo.

Jornalista – Não joga com o baralho todo?

Economista – No sentido específico em que não disponho de mais informação do que a que é divulgada pelos órgãos de comunicação; não no sentido da frase idiomática. Mas repare que, eventualmente, tanto o Presidente Bush II como o Primeiro-ministro inglês podem ter sido enganados pelos respectivos Serviços Secretos. Se Bush e Blair fossem os autores da mentira, não acredito que não tivessem preparado uma fuga do género de fazerem aparecer as tais armas de destruição maciça. E não foi isso que sucedeu: eles devem ter sido apanhados a mentir com base em informações erradas que lhes foram dadas e não tiveram qualquer hipótese de arranjar uma saída airosa.

Jornalista – Mas que saída airosa?

Economista – A continuação da mentira que tivessem começado fazendo aparecer as tais armas que não havia maneira de aparecerem. Mas repare que tudo isto são meras especulações por quem não tem acesso a informações mais classificadas do que as que aparecem nos jornais todos os dias.

Jornalista – Mas, então, qual foi o erro de pontaria?

Economista – A origem do terrorismo parece estar no Paquistão e no Sudão, conforme Bernard Henri Levy que investigou a morte do jornalista americano Daniel Pearl. Mas nesses sítios não há petróleo . . .

Jornalista – Então, volto a perguntar: qual foi o erro de pontaria?

Economista – O caldo entornou-se quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait e mexeu nos interesses americanos que lá estavam instalados. Aí, foi a primeira guerra do Golfo. Reposta a situação no Kuwait e dois Presidentes americanos mais tarde, eis o 11 de Setembro em Nova Iorque a justificar uma retaliação violenta. Mas no Paquistão está Musharraf a apertar com os fundamentalistas e a fazer o papel do Ocidente enquanto o Sudão está envolvido numa guerra de secessão que infalivelmente o vai dividir em dois Estados: um árabe e outro negro. Não vale a pena estar agora a mexer mais nessa panela que há-de implodir por si própria com as piores consequências para os árabes e com os negros a receberem a simpatia internacional. Portanto, restavam as jazidas de petróleo do Iraque e foi aí que se arranjou um bode expiatório.

Jornalista – E acha justo?

Economista – Mas no meio disto tudo onde é que está a justiça? No ataque às torres gémeas do World Trade Center? Em Atocha?

Jornalista – Então onde é que vamos parar?

Economista – Não faço ideia mas insisto em que o Iraque foi um erro de pontaria porque, pelos vistos, não terá nada a ver com armas de destruição maciça, o terrorismo internacional parece ter outras sedes mais importantes e derrubou-se um fulano temido pelos cleros sunita e xiita que agora estão soltos para levarem por diante a filosofia de al-Wahhab e al-Banna. Agora vai haver mais um país a regressar ao obscurantismo medieval, mais um potencial alfobre do terrorismo contra os inimigos do Islão. O alvo falhou muito e é a um cenário muito mau que corremos o risco de ir parar.

Jornalista – Mas ficou o petróleo . . .

Economista – . . . a 54 dólares o barril.

Jornalista – E nesse aspecto, onde vamos parar?

Economista – Julgo que o barril do petróleo só baixará depois de cessarem os custos com a guerra no Iraque. E nessa altura não sei se não aparecerá outro pretexto qualquer para manter as cotações em níveis elevados. É claro que estas cotações que os jornais referem são “spot” e são relativamente poucos os aprovisionamentos que se fazem nessa base. A maior parte dos negócios faz-se com cotações muito inferiores, negociadas em futuros. Ou seja, com base em cotações negociadas há tempos a trás, antes destes valores que aparecem agora nas manchetes. Mas o que sucede é que os “spots” actuais vão de certeza influenciar os futuros e, portanto, é uma questão de tempo para que cheguemos à verdadeira tensão inflacionista. Os aumentos de preços actuais são uma antecipação desses aumentos futuros.

Jornalista – Aumentam agora para não aumentarem tudo duma vez só?

Economista – Não sei, mas temo que aumentem agora e aumentem depois não “em vez de” mas “em cima de”.

Jornalista – Não o vejo muito optimista.

Economista – O optimismo tem laivos de parvoíce. Apetece-me tomar um chá de menta que é para me ir habituando aos costumes árabes . . . Mas não vou para a assoteia ver o luar.

Jornalista – Muito bem, vamos fazer um intervalo.

Lisboa, Outubro de 2004

Henrique Salles da Fonseca

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