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A bem da Nação

O ABISMO

O abismo que separou Davos de Porto Alegre encheu em 2003 as manchetes dos jornais colocando os ricos reunidos na Suiça como os grandes culpados da pobreza dos que se encontraram no Brasil. A essência da mensagem transmitida consistiu em colocar o mal do lado dos ricos e o bem do lado dos pobres. De um modo igualmente simplista, assentaram os órgãos de comunicação que os ricos querem a globalização e os pobres são contra ela. Em conformidade com esta voz corrente, a pobreza é virtuosa e toda a riqueza é alcançada pela exploração dos pobres. Mais: afirma-se que os ricos o são cada vez mais e que a pobreza está em expansão. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2003, o planeta continua a ser dividido em três mundos: o 1º é constituído pelos países da OCDE; o 2º pelos da Europa Central e do Leste e pela Rússia (ex-bloco soviético); o 3º é eufemisticamente chamado de “Países em Desenvolvimento” e nele se arrumam a África Subsariana, a Ásia do Sul, a América Latina e Caraíbas, a Ásia Oriental e Pacífico, os Países Árabes e um grupo geograficamente não homogéneo chamado Países menos Desenvolvidos (PmD) que apresenta algumas sobreposições relativamente a outros grupos. Para simplificação de raciocínios, admitamos esta macro-divisão como regra mas mantenhamos em reserva mental algumas excepções evidentes para confirmação daquele critério global (1). Entre 1975 e 2001, a população mundial cresceu 51% tendo mais que duplicado na África Subsariana e nos Países Árabes e tido crescimentos superiores a 70% na Ásia do Sul e no tal grupo dos PmD’s; no leste europeu e Rússia o crescimento ficou-se pelos 11% e na OCDE em 23%. Assim foi que neste quarto de século o terceiro mundo ganhou forte posição relativa passando de cerca de 70% para quase 76% da população mundial, o antigo bloco soviético regrediu de 9 para 6% e a OCDE de quase 22 para menos de 18% e, apesar disso, as populações com rendimentos elevados e médios cresceram cerca de 66% e as categorias de desenvolvimento humano elevado e médio cresceram quase 79%. Isto não invalidou que o número absoluto de pessoas com baixos rendimentos e baixo índice de desenvolvimento humano não tivesse crescido pois naquelas zonas do globo o crescimento demográfico foi especialmente elevado. Se verificarmos nesses países a substancial redução na taxa de mortalidade das crianças com menos de 5 anos, o crescimento evidente da percentagem de partos assistidos por profissionais de saúde, a efectividade das vacinações, o desenvolvimento dos sistemas de abastecimento de água, o crescimento da taxa de alfabetização feminina, então podemos dizer que há mais gente a viver mal porque se morre muito menos nas idades juvenis e se vive até mais tarde. Mas porque todo este inequívoco progresso se destina a atenuar os dramas inerentes a modos de vida muito primitivos, fácil é compreender que o verdadeiro desenvolvimento ainda não tenha começado a produzir efeitos. E aqui aparecem as tais excepções que há pouco pedi para mantermos em memória: a Índia e o Brasil já têm situações de grande desenvolvimento que se podem equiparar ao que de melhor existe no chamado primeiro mundo e dirigem-se em passo largo para a resolução dos problemas que os afectam. E se o fazem é porque identificaram esses mesmos problemas, os discutiram e lhes apontaram soluções. Mas para isso, foi necessário identificá-los e discuti-los. A identificação dos problemas é feita pelo estudo e isso faz-se à custa da educação; a discussão dos problemas pode ser feita através dos órgãos de comunicação; a apresentação de soluções é missão dos partidos políticos. Para que tudo isto seja possível, é necessário que as políticas perenes de educação tenham tempo para produzir resultados, é necessário que a imprensa seja mesmo livre, é necessário que haja partidos políticos com soluções alternativas e é necessário que as populações sejam chamadas regularmente a votar nessas várias hipóteses. Tanto a Índia como o Brasil necessitaram de tempo para que as Universidades produzissem elites pensantes e produtivas e ao longo desse percurso tiveram problemas políticos graves (2). Basta referirmos os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definidos pela ONU para concluirmos do primarismo em que o combate à pobreza mundial ainda se encontra: 1- erradicar a pobreza extrema e a fome; 2- alcançar o ensino primário universal; 3- promover a igualdade de género e dar poder às mulheres; 4- reduzir a mortalidade das crianças; 5- melhorar a saúde materna; 6- combater o HIV/SIDA, malária e outras doenças; 7- assegurar a sustentabilidade ambiental: terra e ar; água e saneamento; 8- promover uma parceria mundial para o desenvolvimento: sustentabilidade da dívida; oportunidades de trabalho, acesso aos medicamentos e às novas tecnologias. E apesar de todo este primarismo, entre 1990 e 2000, os Países em Desenvolvimento tiveram um progresso de 43% no PIB por unidade de energia utilizada e tiveram uma redução de 28% no serviço da dívida total medida em percentagem das exportações de bens e serviços. Isto não obsta a que não seja necessário rever as super-nacionalistas e super-protegidas políticas agrícolas americana e europeia para se fazer a vontade ao 3º mundo no sentido de uma maior globalização, a tal que se diz ser apenas da vontade dos ricos. Em conclusão, o abismo é bem mais ténue do que nos querem fazer crer e a propaganda que dele se faz tem graves incongruências. // Lisboa, Maio de 2004 // Henrique Salles da Fonseca // (1)- Já deixou de fazer sentido incluir no 2º Mundo países como a República Checa, Hungria, Polónia, Eslováquia e Eslovénia; o Brasil já devia participar na OCDE. // (2)- A Índia, com a eternização do Partido do Congresso no poder, teve faltas sucessivas de imaginação; o Brasil, com os Generais de Kissinger, suspendeu então do seu léxico a palavra imaginação. // Publicado na edição de Julho/Agosto de 2004 da revista “Economia Pura”

FÉRIAS

VACATIO de 29 de Julho a 2 de Setembro Se quiserem entretanto contactar comigo, experimentem a telepatia ou, de preferência, o telemóvel + 351.964.030.227. Abraços, Henrique Salles da Fonseca

Diálogos platónicos – 8ª parte

Resumo da 7ª parte: A democracia integra os antagónicos, mesmo os não democratas; o espectro político português com assento parlamentar é maioritariamente democrático, tem raízes marxistas na sua maioria e só o CDS-PP não tem qualquer relação com Marx; no plano económico, as grandes clivagens entre os vários partidos resultam do conceito da propriedade dos meios de produção mas isso provoca diferenças significativas em muitas outras perspectivas. Discípulo: - Estávamos a falar da gestão privada dos hospitais públicos como eventual solução para os inúmeros problemas do Sistema Nacional de Saúde. Mestre: - Se nos hospitais públicos se fizer uma gestão devidamente controlada como em qualquer actividade privada, é natural que alguns dos problemas mais visíveis do SNS se resolvam ou, pelo menos, diminuam e nesse âmbito incluo a produtividade e os custos gerais. Mas isso é apenas um detalhe que nada muda na concepção geral da política de saúde. É claro que o aumento da produtividade pode reduzir as filas de espera para cirurgia, é claro que poderá morrer menos gente por não ter ficado tanto tempo à espera duma operação, é claro que os consumíveis passarão a ser mais controlados, etc. Mas as opções de política não são essas, têm a ver com a concepção do próprio SNS e aí é que a discussão se devia fazer . . . Discípulo: - Mas não foi já feita? Mestre: - De um modo geral, foi feita quando o Ministro António Arnaut implementou o SNS mas de então para cá só se fizeram apreciações pela rama do género dessa da gestão hospitalar. No essencial não se voltou praticamente a mexer e entretanto já passaram mais de 20 anos que acumularam muita experiência, o que já proporcionava uma boa reflexão global por todos os partidos. Discípulo: - Mas os governos têm entretanto tido cores diferentes. Porque é que não mudam o sistema? Mestre: - Porque devem achar que está tudo muito bem e que não é necessário fazer mexidas de fundo. Discípulo: - Mas e não é? Mestre: - Sim, creio que sim. O que eu acho importante é assentarmos num ponto que eu creio fundamental e que é o de que todas as pessoas têm que ter um sistema de protecção na doença. Se é público ou privado, caro ou barato, se permite hospitalizações standard ou de luxo, isso são questões que só a cada um deveria dizer respeito. O sistema público deveria ser o mínimo admissível mas não imperioso; quem quisesse outros, pois que os adoptasse. Mas também há questões a debater como sejam a da personalidade de quem faz o pagamento dos tratamentos e a do prestador dos cuidados de saúde. Está hoje tudo misturado e prevalece a convicção de que ninguém controla ninguém ou que esse controlo é insuficiente. Numa auditoria feita em 1996 a dois hospitais públicos sensivelmente com as mesmas valências e apoiando dois grupos populacionais com características equiparáveis, mas um com gestão pública e o outro com gestão privada, concluiu-se que os pacientes saídos vivos do hospital com gestão privada ficavam mais baratos ao SNS cerca de 114 Contos do que os homólogos do outro hospital. Nesse ano saíram vivos dos hospitais portugueses cerca de 800 mil pacientes. Se admitíssemos a extrapolação, a poupança poderia ter sido de cerca de 91,2 milhões de Contos, o que teria tido um real significado a nível do Orçamento do Estado. E atenção: nada disto é doutrina, tudo isto não passa de mera gestão. Discípulo: - Mas, então, porque é que não se avança nesse sentido? Mestre: - Está-se a avançar e duma só vez foram feitas modificações significativas nos estatutos de 30 hospitais. Brevemente começarão a aparecer os números. Mas creio que temos assuntos mais amplos para abordar . . . Discípulo: - Como por exemplo? Mestre: - Como por exemplo essa realidade de que as despesas do SNS fazem parte e que se traduz num fardo de tal modo insuportável que eu julgo que já fez com que três primeiros-ministro abandonassem funções antes do fim dos respectivos mandatos. Refiro-me a essa enormidade avassaladora da Nação que se chama Despesa Pública. Discípulo: - Mas quem é que abandonou funções? Mestre: - O Professor Cavaco Silva, o Eng. Guterres e agora o Dr. Durão Barroso. Discípulo: - Mas cada um apresentou razões diferentes para a respectiva saída. Mestre: - Claro que sim. Mas eu acredito que todos eles se convenceram a partir de certa altura que o país é ingovernável, desistiram de o tentar arrumar e agarraram nos primeiros pretextos que lhes apareceram para declararem que saíam. Discípulo: - Mas porque é que o país é ingovernável? Mestre: - Eu não vou ao ponto de dizer que o país é ingovernável. Eu tenho esperança de que seja mais correcto dizer que o país está ingovernável. Acredito que seja possível arrumar a casa sem que tenha que ocorrer alguma solução de continuidade no regime. Discípulo: - A esse ponto? Mestre: - Mas é claro que a esse ponto! Quando três primeiros-ministro sucessivos se demitem depois de terem sido legitimamente eleitos para um mandato que não cumpriram até final, isso pode querer significar que não existem condições de governabilidade e um país que não se deixa governar é porque está muito doente e as terapêuticas ministradas no seio do regime não estarão a produzir os efeitos que restabeleçam a governabilidade. Se o regime claudica, então é ele próprio que fica em causa. E seria uma pena que a nossa democracia se impedisse de aplicar as terapêuticas de que o país necessita. Discípulo: - Mas que terapêuticas são essas? Mestre: - O Dr. Pina Moura fez as contas e explica-as com muita clareza. É muito importante que nos consciencializemos de que no actual quadro legislativo, qualquer Ministro das Finanças tem uma margem de gestão que não passa dos 4% da Despesa Pública. Desde a Lei das Finanças Locais à Lei de Programação Militar, ao Serviço Nacional de Saúde, às Despesas com o funcionalismo e não sei mais que outras responsabilidades assumidas pela República, as receitas estarão – ou estavam, na época em que o Dr. Pina Moura fez os cálculos – de facto consignadas em cerca de 96%. E se formos a ver quanto esbanjamento por aí deve andar como aquele que há pouco calculámos na gestão hospitalar, então não podemos deixar de temer o pior se não repensarmos muita coisa que consideramos eterna. Discípulo: - Como por exemplo? Mestre: - Por exemplo, o despesismo autárquico conjugado com o sistema de cobrança de impostos pela Administração Central, a rigidez da legislação laboral e a inconstitucionalidade dos despedimentos de funcionários públicos, o império burocrata de que os Notários são uma das facetas mais evidentes, o anquilosamento e domínio das Universidades públicas, a ineficácia do sistema judicial, tudo conjugado com a insistência pública em dificultar a actividade produtiva, o sistema de financiamento dos partidos políticos, a alienação futebolística . . . Discípulo: - Mas o que é que o futebol tem a ver com os partidos políticos? Mestre: - Eu não sei qual a relação que existe mas estou em crer que na Polícia Judiciária já vai havendo quem esteja desconfiado de coisas especiais. Discípulo: - Mas isso são casos de Polícia, não são casos normais. E de casos normais? Mestre: - No âmbito dos casos normais, creio haver quem só sossegue quando o país for uma placa única de cimento. E isso não pode suceder. A febre das urbanizações – maioritariamente de muito má qualidade – tem que ser substituída pela política de recuperação do parque imobiliário existente. Mas tudo isto são escorrências circunstanciais, nada disto faz doutrina. O mais triste será que tudo possa ser posto em causa por estes “nadas” que todos somados fazem com que Portugal esteja ingovernável. E se o pior suceder, os algozes vão sacudir a água do capote e atirar as culpas para cima de outros, eventualmente inocentes mas com menor capacidade de manipulação política. Discípulo: - Acha então que as Autarquias têm que ser disciplinadas? Mestre: - Sim, creio que essa é uma das tarefas mais árduas a cumprir. Discípulo: - Pode apontar como? Mestre: - Querem gastar dinheiro, cobrem impostos e submetam-se ao veredicto popular. A Lei das Finanças Locais tem que ser virada do avesso: tem que deixar de ser o Terreiro do Paço a arcar com o odioso e os autarcas a passarem por bonzinhos. Discípulo: - E quem é que tem que alterar essa Lei? Mestre: - É uma Lei e, portanto, quem tem que a alterar é a Assembleia da República Discípulo: - E acha que a Assembleia da República o consegue fazer? Mestre: - Se, em democracia, a Assembleia da República não tem força para fazer o necessário, então eu pergunto-me quem é que tem mais poder político que o Parlamento? O grave estará em que aquela não seja uma questão que mereça a atenção parlamentar ou que, até, seja considerada uma Lei correcta que não carece de alterações. Se assim for, o país continuará ingovernável. Discípulo: - Isso leva-nos à descentralização mas terá que ficar para depois do intervalo. Lisboa, Julho de 2004 Henrique Salles da Fonseca A 9ª parte será publicada em Setembro de 2004.

Diálogos platónicos – 7ª parte

Resumo da 6ª parte: Devem cessar de imediato os benefícios fiscais encapotados à prática do dumping interno; na agricultura, era preferível poder produzir do que receber subsídios para estar parado; para Portugal, o interesse da Presidência da CE por Durão Barroso será apenas marginal; na acepção ocidental, o comunismo não é democrático. Discípulo: - Íamos começar a falar sobre o leque português das opções políticas. Mestre: - Português e europeu, “grosso modo”. Discípulo: - Estava a dizer que os comunistas não são democráticos . . . Mestre: - Estava a dizer isso e confirmo. Quem é comunista não é democrático; quem é democrático não é comunista. Essa incompatibilidade tem a ver com a teoria marxista da ditadura do proletariado. Não está em causa o modo de tomada de decisões dentro de um determinado grupo social onde a democracia pode ou não funcionar. Se na tomada de decisões não estiverem envolvidos todos os grupos sociais, então a democracia não existe. Havendo o domínio de um grupo sobre os outros, estamos a tratar de uma ditadura e não de uma democracia. Portanto, ou se é democrata ou se é comunista. A ambivalência é incompatível. Discípulo: - Então porque é que a democracia engloba os não democratas? Mestre: - Porque se o não fizesse deixava de ser democracia e passava a ser uma ditadura de uns quantos que se incluíam contra outros que eram excluídos. Discípulo: - Então a democracia devia incluir os fascistas. Mestre: - Se o não fizer, não é democracia. Discípulo: - Então, para si, no leque político português, quem é democrata? Mestre: - Referindo-me a quem tem representação parlamentar, os partidos democráticos são o PS, o PPD/PSD e o CDS-PP que são adversários entre si. Discípulo: - E os outros? Mestre: - Não são democráticos. Discípulo: - O Bloco de Esquerda e o PCP não pertencem à democracia? Mestre: - É claro que pertencem à democracia como qualquer partido da direita não democrática que pudesse existir. Discípulo: - O Integralismo Lusitano? Mestre: - Sei lá. Talvez esse ou outro qualquer. Mas isso são tudo pesadelos que exigem à democracia que se aprimore de modo a que essas tentações totalitárias não passem de minoritárias e que nem cheguem a ter expressão suficiente na sociedade para que possam sonhar em chegar ao Parlamento. É que se, por ironia do destino e para desgraça nacional, no Parlamento passasse a haver uma franja esquerda não democrática como a actual e outra de direita que também quisesse manipular a opinião de todos, então a confusão seria grande e o regime correria perigo. Discípulo: - Mas temos conseguido afastar esses perigos e a maioria absoluta é democrática. Mestre: - Felizmente essa é a realidade e creio que os eleitores portugueses dispõem hoje de um leque suficientemente variado de opções para que não seja necessário inventar mais partidos. Discípulo: - Então, como classifica essa variedade? Mestre: - Classifico-a com uma certa cautela na separação dos matizes. Discípulo: - Matizes? Mestre: - Sim, a maioria absoluta do nosso Parlamento tem origem filosófica marxista. Discípulo: - Como assim? Mestre: -O único partido que actualmente tem assento parlamentar e não tem qualquer origem filosófica marxista é o CDS-PP. Todos os outros, desde o Bloco de Esquerda ao PPD/PSD, são descendentes de Marx. Discípulo: - Pode explicar? Mestre: - Claro que posso e agradeço que não tenha dito “Pode-se explicar”. A corrente dominante nasceu no século XIX com Karl Marx que, na sequência da Revolução Industrial Inglesa, escreveu uma série de livros sobre a reorganização das relações laborais e do que resultou a reunião em 1872, na Haia, da I Internacional Socialista. A depuração começou logo aqui com a expulsão dos anarquistas, representados por Mikhaïl Bakunin. Mas em 1869 já havia sido constituído por três discípulos de Marx – Lasalle, Liebknecht e Bebel – o Partido Social-democrata dos Trabalhadores da Alemanha. A II Internacional Socialista reuniu em Paris no ano de 1889 mas não teve consensos suficientes e surgiram fracturas significativas entre as três correntes que se tinham reunido: os comunistas, os socialistas e os social-democratas. A III Internacional Socialista foi apenas comunista e reuniu em 1919 em Moscovo; a partir daí, os comunistas ficaram isolados mas ainda tiveram tempo de expulsar os trotskistas. Em 1923 constituiu-se a Internacional Trabalhista e Socialista; em 1951 reuniu em Frankfurt a IV Internacional Socialista em que se juntaram todos os que tinham origem marxista mas não pertenciam a nenhuma das facções entretanto autonomizadas. Discípulo: - E o que distingue essas correntes que se antagonizam tanto? Mestre: - No meio disto tudo há infantilidades tremendas do género do “tira-te tu para me pôr eu”. E tudo não passaria de antagonismos ridículos se por sua causa não tivessem morrido milhares e milhares de pessoas. A rivalidade entre Stalin e Trotsky foi meramente pessoal e os argumentos de que se fala não passam de simples tentativas de racionalização de atitudes canibalescas. Diz-se que Trotsky pretendia que a revolução comunista alastrasse de imediato a todo o mundo mas que Stalin queria uma primeira fase de consolidação da revolução na União Soviética; diz-se que Trotsky considerava o estalinismo um autêntico capitalismo de Estado servido por uma classe dirigente dispondo de inúmeros privilégios não extensíveis à classe operária. O método de organização do Estado Soviético e a oportunidade da abrangência da revolução não fazem doutrina. Entre Trotsky e Stalin não havia diferenças doutrinárias: eram comunistas e nada mais. As rivalidades resultaram apenas de a União Soviética ser pequena para duas pessoas que queriam desempenhar a mesma função. Trotsky conseguiu fugir para o México mas Stalin mandou matá-lo e fez dele um herói que ainda hoje tem seguidores. Discípulo: - Mas na perspectiva da doutrina económica, o que distingue os vários partidos com assento na Assembleia da República? Mestre: - Muito sinteticamente: o comunismo do PCP não autoriza a existência de propriedade privada, tudo é propriedade comum, ou seja, do Estado; no socialismo do PS, a propriedade dos meios de produção é pública; na social-democracia do PPD/PSD, a propriedade dos meios de produção pode ser privada mas submetida a uma forte carga fiscal. O Bloco de Esquerda não é um partido mas, como o próprio nome indica, um bloco pelo que lá dentro há várias perspectivas que não são exactamente iguais. No entanto, como são todos comunistas, não devem pactuar muito com a propriedade privada. Discípulo: - E o CDS-PP? Mestre: - A Democracia Cristã pretende que todos tenham de seu e não distingue a propriedade dos meios de produção da dos outros bens. O capitalismo popular, em que um mar de gente é accionista das grandes empresas com capital disperso em bolsa, é um modo de que a Democracia Cristã se serve para promover o bem-estar de uma parte significativa da população. Discípulo: - E é só isso que distingue os Partidos? Mestre: - Acha pouco? Há mais coisas, claro. Mas em síntese, é isto o essencial. Daqui resultam posicionamentos completamente diferentes, por exemplo, na esfera sindical, nas políticas de rendimentos e preços, nas de redistribuição do rendimento, na fiscalidade, etc. Tudo consequências de uma divisão inicial de perspectivas em relação à propriedade. Discípulo: - E nas outras políticas? Na Saúde, na Educação, etc.? Mestre: - Todos os partidos com assento parlamentar – e os outros, creio que também – se pronunciam sobre essas matérias numa base filosoficamente congruente e em que tudo tem a ver com a questão inicial. Desde os comunistas que entendem que o Estado deve fazer tudo até aos outros cada vez mais distantes em que cada um vai pedindo cada vez menos ao Estado. Discípulo: - Onde se enquadra a gestão privada dos hospitais? Mestre: - É uma solução que não põe em causa o Sistema Nacional de Saúde que é uma construção socialista. É apenas uma questão de gestão com o objectivo de melhorar a utilização dos recursos, de evitar aquilo a que eufemísticamente chamo desperdícios. Discípulo: - Que género de desperdícios? Mestre: - Falta de produtividade e filas de espera a perder vidas. Em segundo plano, desperdícios materiais por falta de controlo empresarial. Discípulo: - Mas acha que esta solução da gestão privada dos hospitais é suficiente para corrigir tanta coisa que se diz estar errada? Mestre: - Creio que é necessária mas duvido que seja suficiente Discípulo: - Quer explicar? Mestre: - Sim, quero mas teremos que fazer aqui um breve intervalo. Lisboa, Julho de 2004 Henrique Salles da Fonseca A 8ª parte será publicada brevemente.

Diálogos platónicos – 6ª parte



Resumo da 5ª parte: O iberismo fará Portugal desaparecer como país soberano; o nosso modelo europeísta de desenvolvimento só se poderá fazer à custa dos baixos preços mas devemos explorar os Fundos Comunitários destinados aos 10 novos Estados-membro; pela via da fiscalidade, os Estados-membro da UE são poderosos instrumentos de distorção da concorrência dentro daquilo a que ironicamente chamam o mercado único.

Discípulo: - Estávamos a falar da moralidade da concorrência.
Mestre: - Correcto. Estávamos a falar dos desvios da concorrência provocados directamente pelos Estados pela via de uma fiscalidade não harmonizada, pela inexistência de um POC europeu, pela diversidade nos métodos de cálculo da matéria tributável relativamente ao IRC. Admito que o IRS possa continuar a ser calculado de modos diferentes.
Discípulo: - Mas há outros desvios à concorrência . . .
Mestre: - Sim, há os que são provocados pelas empresas com a conivência dos Estados e que passam às malhas das Autoridades da Concorrência em cada Estado-membro.
Discípulo: - Como assim?
Mestre: - Uma empresa de um qualquer Estado-membro, de um qualquer sector económico que adquiriu dimensão significativa, detecta a existência noutro Estado-membro de uma homóloga mais pequena que se encontra à venda. Compra-a, faz-lhe as adaptações necessárias e convenientes e lança uma política de preços num autêntico processo de “dumping” interno, impossível de acompanhar pelos directos concorrentes que não têm uma casa-mãe a quem endossar os prejuízos e a quem pedir a adução de mais capitais próprios. Entram em dificuldades e acabam por fechar, por se entregar nas mãos de quem queira entrar na guerra suicida de preços ou então deixam-se comprar por quem lhes moveu a guerra inicial. Entretanto, esse comprador consolidou na casa-mãe os prejuízos que suportou nas suas empresas periféricas e abateu-os logicamente no IRC. Eis como os Estados-membro ajudam à distorção da concorrência: aceitam esses prejuízos como sendo uma coisa normal quando, de facto, são um modo de aniquilamento de concorrentes. Trata-se de subsídios públicos encapotados. Eis, pois, mais uma grande imoralidade a que há que pôr cobro rapidamente, com risco de que Marx se farte de rir no túmulo que os londrinos lhe conservam.
Discípulo: - E como é que se evita uma coisa dessas?
Mestre: - O legislador europeu é perito na harmonização dos agrafadores, dos ”clips” e de outras miudezas mas também deve ser capaz de perder algum tempo com coisas realmente importantes. Mas achará ele esta matéria realmente importante?
Discípulo: - Porque não?
Mestre: - Porque irá claramente contra os interesses de quem ele considera o núcleo duro europeu, o pagador, de quem deve mandar.
Discípulo: - Não acha que está a revelar um certo complexo de inferioridade?
Mestre: - Não é um complexo, é um facto. De acordo com os critérios de desenvolvimento que internacionalmente assentámos como correctos, o sul europeu é, de um modo genérico, menos desenvolvido que o norte. E repare na excepção que é a Itália: ela até pertence ao G8 mas, se formos a ver bem, está lá por causa do seu norte e apesar do seu sul. Temos agora que saber se o norte europeu está ou não disponível para deixar o sul desenvolver-se ou se, pelo contrário, lhe sabe muito bem ter aqui uns quantos consumidores dos seus produtos industriais a tomar-lhes conta das praias em que eles passam férias . . . baratas.
Discípulo: - Parece-me que está com a mania da perseguição . . .
Mestre: - . . . a qual, conjugada com a depressão resultante do complexo de inferioridade, pode dar sintomas parecidos com os da esquizofrenia . . .
Discípulo: - Não era isso que eu queria significar.
Mestre: - Agradeço a gentileza de não me considerar louco quando digo estas coisas. Mas repare bem noutros casos: porque é que temos sérias restrições agrícolas, precisamente em algumas das produções para que as nossas condições maior vocação apresentam? Porque já há excesso de leite na Europa? Mas nós bebemos o que produzimos e poderíamos não ter que importar nada se nos deixassem produzir à vontade. Não! Temos que condicionar a nossa produção para continuarmos a importar os excessos dos outros. O mesmo se diga em relação a alguns cereais cujos excedentes franceses têm que ser escoados para cá. E os nossos agricultores são pagos para ficarem quietos! Kafka escreveu muito bem sobre este tipo de imbroglios. Eu nunca o entendi muito claramente mas também não fiz um grande esforço nesse sentido . . . Assim, a solidariedade europeia faz com que Portugal não possa produzir mais do que metade do que come mas, em compensação, quando nos queremos viabilizar na indústria têxtil, então aí abrem as portas da UE à China e as nossas fábricas encerram por incapacidade concorrencial com as condições infra-humanas do trabalho chinês.
Discípulo: - Então o que devemos fazer?
Mestre: - A primeira de todas as coisas que temos que fazer é tomarmos consciência de que andam a gozar connosco. A segunda é dizermos aos nossos governantes que sabemos que alguém anda a gozar connosco. A terceira é escolhermos os governantes que se proponham levantar em Bruxelas esse tipo de problemas.
Discípulo: - Mas agora, com Durão Barroso . . .
Mestre: - . . . vai ficar tudo na mesma porque o Presidente – se o quiser ser – tem que acolher a agenda que lhe seja “imposta” pelos grandes e ponto final na capacidade do Presidente “ressortissant portugais” gerir os assuntos em discussão. Poderá dar-lhes um tratamento particular, negociará unanimidades, maiorias e pouco mais mas não será ele a decidir sobre as grandes questões. E esta de que estávamos a tratar era nitidamente uma das maiores que se podem colocar no âmbito da coesão: os pequenos têm ou não direito à vida?
Discípulo: - Mas acha que não vamos ganhar nada com o facto de o Presidente da Comissão Europeia ser português?
Mestre: - É claro que alguma coisa havemos de ganhar e custa-me a crer que o Dr. Durão Barroso não dê luta feroz se vir que os interesses de Portugal vão alguma vez ser espezinhados. O que eu duvido é que ele possa fazer muito mais do que isso. É claro que se tivéssemos lá na presidência alguém que nos quisesse humilhar, então o caso seria muito mau mas como não é desses, então isso já ganhámos. Portanto, para concluir este caso que considero menor, eu digo que a presidência de Durão Barroso é à partida ganhadora para Portugal pelos males que certamente não deixará agravar. A questão maior é a de resolver os problemas do género dos de que já falámos.
Discípulo: - Então quem é que deve levantar esse tipo de questões?
Mestre: - Os Governos, claro.
Discípulo: - Mas e se os Governos o não fizerem?
Mestre: - Mas os Governos nunca o fizeram pelo que eu estou à espera que tudo continue na mesma.
Discípulo: - Mas porque é que nunca falaram desse tipo de assuntos?
Mestre: - Porque não identificam essas questões como problemas a resolver. Porque acham que é assim que as coisas devem acontecer. Porque não é politicamente correcto falar dessas coisas depois de terem andado anos e anos a prometer mundos e especialmente fundos e agora pareceria mal terem que vir dar a mão à palmatória reconhecendo que a solidariedade europeia é um embuste pois funciona apenas num sentido porque no inverso há a esmola para calar a boca do pobrezinho ingrato que não sabe o que diz.
Discípulo: - Então quando é que esse tipo de assuntos vai ser abordado?
Mestre: - Estou muito céptico quanto a isso pois não vejo em Portugal forças políticas democráticas que se preocupem com esse género de questões.
Discípulo: - Mas os comunistas falam dessas coisas.
Mestre: - Eu estava a referir-me a forças políticas democráticas . . .
Discípulo: - Então os comunistas não são democratas?
Mestre: - Os comunistas não são democratas. Onde assumem o poder, instalam a ditadura e até o fazem com a base teórica da ditadura do proletariado. Todos os outros são obrigados a passar à clandestinidade. O conceito comunista de democracia não tem absolutamente nada a ver com o nosso conceito ocidental. Para eles, a democracia só se verifica quando todas as pessoas são despojadas de toda a propriedade e se igualam na penúria. Para os comunistas, a democracia só se verifica nas inspecções militares quando todos os mancebos ficam nus em frente de um sargento que os mede em várias perspectivas para lhes calcular o tamanho da . . . farda . . .
Discípulo: - Creio que o leque das opções políticas pode servir para a conversa que havemos de continuar depois do intervalo que temos que fazer agora.

Lisboa, Julho de 2004

Henrique Salles da Fonseca


A 7ª parte será publicada brevemente

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