O impacto da legislação sobre a competitividade das empresas é assunto que muito tem preocupado os empresários; o impacto empresarial sobre o Estado é tema recorrente do discurso dos políticos. Raramente se verifica um impacto positivo da legislação sobre as empresas, a indiferença é registada amiúde e muito frequentemente ficam os empresários atónitos com as medidas legislativas com que são agredidos. A fraude e evasão fiscais surgem constantemente no discurso político. Não é fácil o relacionamento entre quem paga impostos e quem os gasta. A fundamentação da opinião empresarial colhe-se com facilidade nos inúmeros inquéritos que as Associações, Federações, Confederações e órgãos de comunicação divulgam, com maior ou menor credibilidade conforme a seriedade que a generalidade do público lhes reconhece e as fichas técnicas induzem, num processo que transforma elementos privados em informação pública; a fundamentação do discurso político deve residir em elementos não disponíveis ao público, num processo que transforma elementos públicos em informação privativa dos governantes. Dentre a informação pública disponível, constatamos anualmente um número crescente de declarações de IRC entregues e, dentre todas, um número também crescente com resultados positivos, ou seja, tributáveis. Constatamos que na década que acaba em 2001, a matéria tributável em IRC cresceu cerca de três vezes e meia, que a matéria colectável quase triplicou no mesmo período mas que a colecta se ficou por valores baixos. A conclusão que liminarmente se pode tirar é a de que um dos males de que o Estado enferma é a incapacidade para cobrar impostos. A outra conclusão que podemos extrair é a de que a fundamentação do discurso político quanto à evasão fiscal em IRC deve ter acesso restrito pois nós não o compreendemos com base nos elementos públicos de que dispomos. Para além de não compreendermos com facilidade a razão pela qual estatísticas públicas possam ter apenas divulgação privativa, não abdicamos de raciocinar com base na informação de que dispomos. Se o Estado se quer fazer entender, então divulgue a informação de que parece dispor. Paralelamente a este aparente sigilo sobre matérias do mais elevado interesse da República, o Estado dá honras de primeira série do Diário da República à gestão da caça no território continental e à gestão pública da coisa privada como é o caso dos curricula dos cursos ministrados nos estabelecimentos privados de ensino superior, nomeadamente cursos bi-etápicos de música. Dos 296 diplomas publicados em Julho de 2003 na série de honra do jornal oficial, 43,2 por cento estão relacionados com a gestão da caça, quase 11 por cento respeitam a interferências governativas nos curricula do ensino superior (que posteriormente ficam sujeitos ao reconhecimento ou rejeição por parte das Ordens profissionais) e um pouco mais de 5 por cento correspondem a rectificações de diplomas anteriormente publicados com erros e que, portanto, eram falsos. Ou seja, menos de 41 por cento da legislação publicada naquele mês pôde receber o adjectivo de relevante e de putativamente verdadeira. Quase se diria que o cidadão é formal e abundantemente informado sobre assuntos que podemos apelidar de menores para a vida da nação e, em compensação, pouco pode saber sobre matérias de irrecusável relevância para a República. E se quanto aos conteúdos por aqui ficamos, parece também oportuno perguntarmo-nos algumas coisas quanto à forma. Numa época como a actual em que a Europa vibra com a chamada Estratégia de Lisboa para a sociedade de informação e em que ninguém pode invocar em sua defesa o desconhecimento da lei, temos que comprar essa informação que somos obrigados a conhecer em vez de dela dispormos gratuitamente como deveria ser com tudo o que é obrigatório. E se comprarmos tudo, ficamos na posse de uma infinidade de assuntos que não nos dizem minimamente respeito e cujo destino será irremediavelmente a reciclagem do papel de suporte a tanta inutilidade. E, para além do mais, papel importado. Manda a tradição que o Estado disponha dos seus próprios meios de comunicação e disso é exemplo o actual Diário da República que já se chamou Diário de Lisboa e Diário do Governo. Enfim, reminiscências dos séculos XIX e XX. Mas a pergunta parece oportuna: fará hoje sentido uma publicação deste género? Antes que surja a resposta, ocorre outra pergunta: fará hoje sentido um suporte institucional tão caro como a Imprensa Nacional a que no tempo do Professor Marcello Caetano se juntou a Casa da Moeda? Creio que a resposta aflora facilmente à mente de cada um dos que pagamos impostos: não faz sentido que no século XXI o Estado sedeado em Lisboa comunique com os seus cidadãos ignorando a estratégia para a sociedade da informação a que deu nome recorrendo a processos tecnológicos inspirados ainda em Gutemberg; não faz sentido que se insista em tecnologias arcaicas só para dar cabimento laboral a quem já devia ter sido reformado ou profissionalmente reciclado; não faz sentido que se tenha que reger por regras empresariais quem devia disponibilizar um produto gratuito, como essa da legislação de conhecimento público obrigatório. Não faz sentido que tanto assunto público seja assim gerido sem uma grande noção de Estado. Lisboa, Janeiro de 2004 Publicado em 23 de Janeiro de 2004 O Independente Economia, Opinião
Temos por costume em Janeiro formular votos por aquilo que mais gostaríamos que sucedesse no ano que começa e costumamos mesmo assumir algum optimismo em circunstâncias de menor euforia. Mas isso não obsta contudo a que não continuemos a desejar que certas coisas ocorram, sobretudo quando as consideramos estruturais e, portanto, condicionadoras de um sempre desejado progresso na qualidade de vida da nação. É, pois, na precaridade circunstancial induzida por ambiente sisudo que formulo votos para que em 2004 possamos contar com alguns factores que parecem muito importantes: Que em 2004 haja revisão constitucional e que - se ao contrário da lógica - a Lei Fundamental mantiver disposições de índole económica, o conceito de competitividade passe a ter estatuto constitucional; Que a economia portuguesa se consiga tornar mais independente face ao Estado, que este consiga equilibrar as suas contas e que passe a pagar atempadamente aos fornecedores; Que 2004 seja o ano da desburocratização da vida dos portugueses singulares e colectivos, nomeadamente pela significativa redução dos actos com imperiosa intervenção notarial; Que seja sustida a concorrência desleal praticada na Europa por produtos oriundos de países com claros défices democráticos, sociais e ambientais; Que a educação e formação média dos portugueses se possa passar a comparar com os índices homólogos das nações mais evoluídas, nomeadamente as do norte da Europa; Que a normalização contabilística na UE avance resolutamente para um Plano Oficial de Contas Europeu de modo a que se possa passar a dispor de um único método europeu de cálculo da matéria tributável a nível do IRC de forma a que em vez da actual distorção da concorrência passe a haver uma verdadeira concorrência fiscal; Que os agricultores portugueses possam passar a dispor de Bolsas de Mercadorias como única forma de ultrapassarem o tradicional estrangulamento comercial; Que os exportadores portugueses possam contar com uma política pública de crédito aos clientes estrangeiros cujo rating inspire a confiança das praças financeiras internacionais; Que a Indústria europeia passe em matéria de ecologia a ficar apenas obrigada às melhores técnicas economicamente disponíveis em vez de se manter a actual política das melhores técnicas disponíveis, cegas à economicidade dos sistemas; Que o impacto legislativo sobre a competitividade das empresas portuguesas passe a ser positivo em vez de neutro ou negativo; Que o Investimento público português se passe a pautar também por critérios de rentabilidade e abandone as tradicionais paixões dos governantes; Que a concorrência inter-universitária passe a ser uma realidade em Portugal sem que as Universidades públicas pratiquem propinas em regime de dumping à custa da generalidade dos cidadãos, mesmo daqueles que têm que pagar propinas normais a Universidades privadas; Que os órgãos de comunicação deixem de amedrontar os leitores e a conjuntura económica deixe de ser classificada como crise e passe a ser considerada como adaptação às novas realidades internacionais impostas pela globalização; Que, fazendo prevalecer os laços históricos e linguísticos, possamos passar a contar com uma política de imigração que valorize Portugal em vez de acicatar a xenofobia. Eis os votos que formulo. Será pedir muito ou apenas o mínimo para que não percamos a carruagem da frente do comboio europeu? É só um passo em frente. Lisboa, Janeiro de 2004
Dezembro é um mês tão bom como qualquer outro para se fazer alguma meditação sobre os assuntos que mais nos impressionaram nos 12 meses anteriores. Assim, à guisa de notas soltas, eis o que levo deste ano de 2003. Ainda não foi este ano que enterrámos o PEC do nosso descontentamento o qual, numa época de mera sobrevivência empresarial, se propõe cobrar impostos sobre lucros putativos e que por isso mesmo não passa de uma infâmia. 2003 não foi o ano da desburocratização da vida portuguesa mantendo-se a validade semestral das certidões do Registo Civil, nomeadamente das de óbito. Em compensação, privatizaram-se os Notários lucrativos e mantiveram-se públicos os economicamente inviáveis num processo de privatização dos lucros e de nacionalização dos prejuízos. Já vi soluções mais brilhantes para protecção do bem público. Porque variaram os preços em 3,4 por cento (média dos últimos 12 meses) até Novembro? Desde Fevereiro de 2001 que não se verificava variação tão baixa (3,3) e em 2002 ela foi de 3,6. Assim como a deflação não se justifica satisfatoriamente pela valorização cambial, também a subida dos preços não se fica a dever à ganância dos agentes económicos, a qual não resiste à transparência dos mercados. E 2003 pode muito bem com este baixo índice ter configurado, afinal, uma situação de estagflação uma vez que não deve ter havido crescimento global e os preços, mesmo assim, subiram. Tememos que os factores inflacionistas que tradicionalmente se fazem sentir na economia portuguesa ainda não tenham sido domados não nos permitindo uma variação de preços igual à dos nossos parceiros europeus. Esperemos que 2004 nos traga as reformas estruturais necessárias à salvaguarda da nossa competitividade. Quando, numa época dita de crise, o Estado diz reduzir o Investimento, está claramente a contrariar a política keynesiana do reforço das despesas de investimento mas atentemos bem do que estamos a tratar: entre 1993 e 2002, o Investimento privado foi sistematicamente responsável por parcelas superiores a 73 por cento do Investimento total tendo com frequência ultrapassado a barreira dos 80 por cento, ou seja, estamos sempre a referir-nos a uma fatia que estruturalmente não representa mais do que 20 por cento do Investimento total. Será então essa relativamente pequena parcela a responsável por tantos males da nossa Economia? Creio que o problema pode ser efectivamente grave para quem tenha o Estado como principal ou único cliente mas isso deveria contribuir para o desenvolvimento de um motor de busca de novos mercados dentro e fora do país no âmbito de um processo de diversificação de clientela e de internacionalização activa, o qual, não resultando, transforma certamente a realidade num processo de internacionalização passiva e consequente perda de centros nacionais de decisão. Já quanto à contenção das despesas públicas correntes e redução do funcionalismo público pela via da aposentação, esse é um sofisma pois o Estado limita-se a transferir responsabilidades em vez de as cortar pura e simplesmente. O desemprego é um ónus público e, portanto, não será solução conveniente para o objectivo em causa. A menos que se seguissem políticas inovadoras de desvinculação da função pública do género de o Estado ficar durante um ou dois anos a pagar meio ordenado a quem voluntariamente arranjasse emprego cá fora e passasse a contribuir de forma mensurável para o PIB e para a Segurança Social como qualquer vulgar contribuinte, não se vê como possam ser substancialmente reduzidos os encargos com Pessoal. É claro que só se prontificariam a sair aqueles que sabem fazer alguma coisa de jeito e permaneceriam ao serviço do Estado todos aqueles que não cabem nas empresas, nomeadamente por falta de habilitações convenientes. Surgiriam por certo situações complicadas mas não faltaria muito para que se tornasse evidente a razão da Ministra das Finanças quando afirma que parte substancial do Estado serve apenas para servir o próprio Estado num verdadeiro processo de hélice em cavitação. Na época festiva em que nos encontramos e neste dealbar de um novo ano, desejo que 2004 seja melhor que 2003 e é com muito gosto que desejo a todos muitas felicidades. Não deixo, no entanto, de recordar as palavras do Padre António Vieira no seu famoso Sermão dos Bons Anos proferido na capela real perante o próprio Rei e toda a Corte em Dezembro de 1642: Não dá os bons anos quem só os deseja, senão quem os faz seguros. Aguardemos, pois, que seja o Governo a desejar-nos com alguma sinceridade as boas Festas e um feliz ano novo. Lisboa, Dezembro de 2003
A notícia de que o endividamento das famílias portuguesas atingiu os 110 por cento do rendimento disponível foi uma das mais alarmistas que os nossos órgãos da comunicação recentemente divulgaram, fundamentados no Relatório Trimestral de Setembro de 2003 do Banco de Portugal, divulgado no passado dia 18 de Novembro. O comum dos leitores conclui de imediato que os portugueses gastam mensalmente mais 10 por cento do que aquilo que recebem de ordenado e que caminham nesse acelerado ritmo para a bancarrota; ao fim de um ano o Subsídio de Natal seria suficiente para pagar apenas 80 por cento da dívida e o ano novo começaria hipotecado. A surpresa é uma arma da guerra de audiências que não concorre no sentido de seriamente informar e, tanto quanto a independência permita, formar. É que se de facto sucedesse como os incautos concluem da alarmante notícia, o descalabro seria completo e não faltariam muitas semanas para a eventual ocorrência de alguma ruptura social; é constatável que tal não é a hipótese mais plausível na nossa sociedade e, como tal, tentemos explicar o que os desprevenidos não tiveram tempo de mentalmente acautelar. Constatamos que uma das maiores fatias do endividamento das famílias portuguesas tem a ver com o crédito à habitação (cerca de 90 por cento do crédito emitido em 2002 pelo sistema bancário aos Particulares) e qualquer mortal sabe que a dívida não se vence toda de uma só vez: as prestações de amortização do empréstimo contraído são mensais e a própria habitação é um activo que por si próprio pode responder pela dívida. O problema com que os particulares se podem e devem preocupar é com este serviço da dívida e não com a dívida em si mesma considerada no globo. Se Deus nos der vida e saúde, temos ou não tempo para pagar a totalidade do empréstimo? Temos ou não rendimentos mensais que nos permitam almoçar e jantar e, para além disso, irmos pagando capital e juros ao banco? Esta é que tem que ser a preocupação das pessoas. E as preocupações de quem emite crédito têm que ser do género: este fulano tem à sua frente uma esperança de vida que lhe permita pagar-nos o que nos fica a dever ou teremos que lhe ir buscar a casa à viúva e aos filhos?; este cliente tem rendimentos estáveis que lhe permitam servir mensalmente a dívida para connosco na medida dos juros e, de preferência, com alguma amortização de capital? A relação deve ser, pois, estabelecida entre o rendimento (anual ou mensal) das famílias e o serviço da dívida (anual ou mensal). A gestão orçamental familiar ditará até que ponto os compromissos se podem acumular de modo a que vá restando algum ordenado no fim do mês em vez de passar a restar algum pedaço de mês no fim do ordenado. Todos nos recordamos que em Portugal o crédito a Particulares subiu em flecha quando as taxas de juro baixaram também em flecha em resultado de uma política pública que apontava precisamente no sentido da redução das taxas de juro e de intermediação bancária; a concorrência interbancária encarregou-se do fomento do recurso ao crédito em que passou a avultar o financiamento de habitação própria ( Portugal tem hoje uma das taxas europeias mais elevadas de habitação própria já entrando pela segunda casa, a de férias ) e de bens de consumo duradouros tais como electrodomésticos e automóveis. Um problema daqui resultante tem a ver com a rigidez da oferta genuinamente nacional e este aumento da procura acabou por se traduzir numa clamorosa explosão do défice comercial de Portugal, com dificuldades globais de financiamento interno e acrescida necessidade de endividamento externo do próprio sistema bancário. Se este processo continuasse indefinidamente, certo seria que se agravariam os problemas relativos à salvaguarda dos centros de decisão nacional e eis, assim, de certo modo explicada a necessidade de alguma redução do consumo nacional ou, pelo menos, do ritmo de crescimento desse consumo. É, pois, conveniente para a balança comercial nacional que se pratique alguma contenção no consumo mas não podemos deixar de chamar a atenção para o facto de que as técnicas clínicas antipiréticas podem ser de tal modo eficazes que o paciente deixe de ter febre e, até deixe de ter qualquer temperatura, ou seja, morra. Não é essa a terapêutica aconselhável para o nosso paciente Portugal em que tomara às Administrações Públicas disporem da capacidade de financiamento que os Particulares efectivamente têm. É que o verdadeiro terror diurno de Portugal é o consumo público; o consumo privado só provoca terrores nocturnos. Lisboa, Novembro de 2003, Henrique Salles da Fonseca
Aquando da inauguração do Observatório de Greenwich, da medição da velocidade da luz e da descoberta do espermatozóide, na única Universidade portuguesa então existente, era proibido dissecar cadáveres para se ter a certeza de não esquartejar a alma.
Nessa mesma instituição, os Lentes eram sistematicamente recrutados dentre os licenciados pela própria Universidade como garantia da homogeneidade doutrinária definida pela Ordem de Santa Cruz.
Passados uns séculos, constatamos que o modelo das nossas Universidades públicas continua a pautar-se por princípios que obstam claramente ao progresso das ideias.
Como o Professor Paulo Ferreira da Universidade do Texas, em Austin, explica num comentário há poucos meses publicado na Brotéria, a hierarquização estabelece-se pelo critério das vagas e não pelo do mérito científico-pedagógico. Diz ele, com uma certa ironia, que um professor associado laureado com o Prémio Nobel pode ter que esperar eternamente para ver efectuada a sua promoção a professor catedrático pois em Portugal a progressão na carreira docente é controlada pelo número de vagas disponíveis e não por critérios de mérito próprio.
Se a este método somarmos a tabelização salarial, o estímulo individual é diluído e se a tudo acrescentarmos a política endogâmica de recrutamentos já antigamente praticada pela Ordem de Santa Cruz, então o arejamento de ideias é impossível e, pelo contrário, a inovação corre o risco de rejeição passando por heresia.
Diz o mesmo Professor que este modelo é responsável pelo estado obsoleto em que a Universidade pública portuguesa se encontra, dificultando-lhe a competição internacional e impedindo-a de ter um papel de inovação com qualquer impacto no crescimento económico de Portugal.
Mais: o problema está perfeitamente identificado no sistema e não nas pessoas; caso contrário, não haveria tanto talento português revelado no estrangeiro.
Caricaturando, o crescimento português faz-se apesar da Universidade e cada Professor português que se distingue no estrangeiro é um atestado de menoridade ao sistema universitário público nacional.
Com a entrada em funcionamento das Universidades privadas, o cenário global foi substancialmente alterado e o monopólio público irremediavelmente quebrado mas convenhamos que as diferenças não têm sido tantas que se possa notar já uma modificação abissal do panorama.
A começar pelo sistema de licenciamento que não impediu o tão temido «gato-por-lebre» e a acabar pelo controle corporativo dos reconhecimentos das licenciaturas. Ou um, ou outro; os dois, não fazem sentido.
Se as iniciativas universitárias privadas portuguesas reconhecidamente padecem de capito diminutia, então compreende-se que tenham que passar por um crivo que obste à possibilidade de subverterem a intelectualidade nacional mas a partir do momento em que lhes é dado alvará, não há mais razões para que as licenciaturas sejam de novo postas em causa pelas Ordens; contrariamente, se as Ordens é que dão o reconhecimento das licenciaturas, então não faz sentido que as iniciativas universitárias privadas não sejam de livre estabelecimento.
Tudo isto poderia ter alguma lógica se fossem estes os parâmetros em jogo mas parece assim não ser e que tudo se faz daquele modo condicional para salvaguarda do estatuto da Universidade pública portuguesa que não quer ver a concorrência bater-lhe à porta. Ou seja, tudo tem que ser feito para que tudo continue na mesma. Arrisca-se o desenvolvimento intelectual, técnico e económico de Portugal mas garantem-se as cátedras tão confortavelmente conquistadas por antiguidade e algum mérito próprio. E quanto mais não seja, a oferta de ensino a baixo custo é um trunfo com que os privados não podem concorrer. Eis um status a defender, incompatível com alterações ao sistema tradicional de financiamento das Universidades do Estado. Que ministrem cursos inúteis é questão menor; o que interessa é que os alunos fazem um curso barato e depois até podem ir para o desemprego.
Quando, a pretexto da contenção da Despesa Pública Corrente, o Governo envereda por uma política de aproximação progressiva das propinas públicas às homólogas privadas, está a quebrar um dos maiores trunfos inibidores da concorrência inter universitária e isso pode pôr em causa a manutenção deste verdadeiro peso pesado que é a actual estrutura universitária pública, que ao longo dos séculos tem moldado as elites portuguesas. E como nas comparações internacionais continuamos claramente distantes dos nossos parceiros, concluamos que a inércia deste peso tem alguma ou muita responsabilidade nas dificuldades do nosso arranque para o progresso das ideias, da técnica e da economia.
Por estas épocas do ano, eis-nos a todos, os economistas políticos, debruçados sobre as Grandes Opções do Plano e sobre o Orçamento do Estado. Estes, os nomes que damos em Portugal aos documentos que prefiguram as políticas económica e orçamental públicas para o ano seguinte e convenhamos que é uma época tão boa como outra qualquer para examinarmos matérias estruturais da vida portuguesa em vez de nos debruçarmos sobre questões circunstanciais, essas sim, tão escalpelizadas por conjunturialistas. Uma das questões mais referidas nesta Proposta de Lei para 2004 tem a ver com o investimento público a que na tradição administrativa portuguesa se chama PIDDAC - Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central e eis que cai o Carmo e a Trindade quando é anunciada uma redução desta fatia do Orçamento do Estado para 2004 em comparação com a orçamentada para 2003. É da tradição portuguesa que a percentagem da Formação Bruta de Capital Fixo vulgo, o Investimento sobre o PIB seja claramente superior à percentagem homóloga nos demais Estados membro da UE e é precisamente sobre essa disparidade que muitos de nós somos levados a colocar a questão do porquê dessa ineficácia do investimento nacional. Como é possível que a tão elevados níveis relativos de investimento possam corresponder tão baixos níveis de progresso relativo ? Eis a questão para a qual não pode haver outra resposta que não a da falta de qualidade do Investimento global feito em Portugal relativamente a outros que investem menos que nós. Mas o Investimento português à semelhança do que sucede no resto do mundo é público e é privado. Admitindo que o nosso investimento privado oficialmente conhecido seja tão esclarecido como o de qualquer outro país do primeiro mundo, então há que para ele admitir uma taxa de insucesso sensivelmente igual às homólogas estrangeiras. Assim sendo, o défice da eficácia do Investimento global em Portugal recai essencialmente sobre a fracção pública, a tal a que em Portugal se chama PIDDAC. Perguntemo-nos, pois: como é feito o estudo da remuneração dos capitais públicos investidos? Que peso assumem nas decisões de investimento a concretização das paixões dos governantes e algum lucro dos executantes ou a satisfação das reais necessidades de Portugal? A resposta é-nos claramente dada pela relação que existe entre o Investimento e o crescimento do PIB: o Investimento global português não tem níveis médios de rentabilidade que se possam considerar satisfatórios quando comparados com os verificados nos nossos principais parceiros, nomeadamente europeus e tudo nos leva a concluir que se torna imprescindível a substituição da quantidade pela qualidade do investimento público Bem, se assim for, então ainda bem que o Orçamento do Estado para 2004 põe algum travão àquilo a que poderíamos chamar de esbanjamento público. Lisboa, Outubro de 2003
Desde Janeiro de 1999 que o Forum para a Competitividade analisa regularmente o impacto que a legislação produzida em cada mês exerce sobre a competitividade das empresas portuguesas e valerá bem a pena gastarmos algumas linhas para obtermos uma ideia sobre o bem e o mal que o legislador exerce sobre as empresas. Assim, o trabalho descrito culmina na publicação de um Barómetro cuja gradação vai da nota 1 correspondente a muito negativo para a competitividade das empresas portuguesas até à nota 5 que corresponde a muito positivo, passando logicamente pelo 2 negativo, pelo 3 neutro e pelo 4 positivo. Todos os meses é assinalada a legislação considerada relevante para o objectivo do Barómetro e, dentre ela, seleccionado um máximo de 5 diplomas. Feito o resumo imparcial de cada diploma seleccionado é o conjunto submetido à notação de um Painel de 37 Personalidades convidadas o Observatório da Competitividade que dá a referida notação a cada diploma em 4 perspectivas consideradas essenciais: - impacto sobre a competitividade das empresas; - impacto sobre a eficiência da Administração Pública; - impacto sobre o esforço financeiro do Estado; - impacto sobre as condições gerais de competitividade da Economia. Ficam deste modo abarcadas as perspectivas da empresa propriamente dita, da máquina administrativa do Estado com que as empresas tanto têm que lidar, com a perspectivação de maior ou menor carga fiscal, com o interesse económico no seu conjunto nacional. Foi necessário um grande poder de síntese para se enquadrar tanta perspectiva num simples modelo de expedito cálculo matemático. Das 37 Personalidades que compõem o Observatório, 28 têm altas funções empresariais, 6 são Professores universitários, 1 é Quadro Superior de uma estrutura associativa empresarial, 1 é alto responsável sindical e 1 está suspenso pois é membro do Governo. Dos 216 diplomas analisados e notados entre Janeiro de 1999 e Março de 2003, não houve qualquer um que obtivesse a classificação de muito positivo e apenas 2 foram considerados positivos. Quanto aos demais, há a referir a classificação de neutro para cerca de 64%, de negativo para cerca de 7% e de muito negativo para 28%. A Deliberação em Janeiro de 1999 de atribuição do estatuto de cliente não vinculado de energia eléctrica pela Entidade Reguladora do Sector Eléctrico foi o normativo que melhor nota alcançou ( 4,11 ) e o Decreto Lei que em Abril de 2002 definiu os valores limite das emissões para a atmosfera foi o pior classificado ( 1,25 ). Numa apreciação mensal, há que chamar a atenção para o facto de o Barómetro medir não só a qualidade mas também a quantidade da legislação pelo que as notas mensais são penalizadas quando não se consegue seleccionar um número conveniente de diplomas; 5 é o número considerado conveniente pelo modelo em vigor. Assim, nas quatro dezenas de meses de Governos do Eng.º Guterres que analisámos (Janeiro de 1999 a Abril de 2002), a média obtida foi de 2,36 e nos primeiros nove meses da responsabilidade de Durão Barroso que já analisámos, a média foi de 3,03. Junho de 2002 foi claramente o mês da transição governativa no que respeita às publicações em Diário da República não tendo nós detectado qualquer diploma relevante ficando aquele mês com a nota zero mas não entrando, claro está, nas médias de qualquer Governo. Visto o panorama numa perspectiva global, foram melhor classificados os diplomas relacionados com a informatização das relações com o Estado e de simplificação de processos no âmbito dos registos e notariado e penalizados aqueles que acarretaram maior carga administrativa e burocrática. Resta ainda uma nota que me parece relevante e que tem a ver com o tipo de legislação que vem sendo ultimamente publicada de revisão e criação de novos enquadramentos legais importantes para as empresas. Dá a ideia de que o cenário legal está a ser aperfeiçoado para permitir um melhor desenvolvimento empresarial quando a Economia descolar do marasmo em que se encontra. Resta saber se a asfixia tributária se não sobreporá a este novo enquadramento legal. Lisboa, Outubro de 2003 Publicado em 17 de Outubro de 2003
Nos princípios do séc. XX, foram medidas na atmosfera de Lisboa sete ondas sucessivas de calor e passados dias soube-se que o vulcão Krakatoa havia explodido; não faz agora muitos anos, o Pinatubo explodiu numa erupção avassaladora e as alterações atmosféricas foram significativas, nomeadamente com a presença de enormes quantidades de CFC's e de danos importantes no buraco do ozono sobre a Antártida. Passados os momentos de crise, a normalidade refez-se: as temperaturas regressaram estruturalmente à situação anterior, os CFC's baixaram, o buraco do ozono reduziu-se para as dimensões habituais. Assim se infere que esta normalização só é possível porque a Terra está num processo de arrefecimento. Se estivesse a aquecer, as situações de aquecimento pontual acumular-se-iam e não haveria a relativamente rápida recuperação que se tem medido. Resultarão alterações climáticas, sem dúvida, mas se se fizer a dessazonalização à semelhança do procedimento habitual com as séries estatísticas afectadas pela sazonalidade os mais perenes registos meteorológicos parece apontarem no sentido de algum arrefecimento do hemisfério norte e de uma estabilidade das temperaturas no do sul. Eis a tese defendida por um francês, engenheiro, militante ecologista da Bulle Bleu, assessor do ex-ministro francês do Ambiente Brice Lalonde. Chama-se Yves Lenoir e escreveu um pequeno livro intitulado A verdade sobre o efeito estufa dossier de uma manipulação planetária onde, nomeadamente, refere a marginalidade com que o dióxido de carbono influencia o dito efeito na atmosfera. Não perfilhando a teoria da conspiração, devemos, contudo, meditar na possibilidade de estarmos colectivamente a insistir em falácias e a desviarmo-nos para actuações como estas a que nos têm obrigado as políticas ambientais baseadas no conceito instituído pela ONU de que o efeito estufa resulta das emissões de dióxido de carbono provocadas pelas actividades humanas e, especificamente, pelas indústrias. As nossas dúvidas aumentam quando recordamos o famoso vulcanólogo Haroun Tazieff que também foi Ministro do Ambiente em França e que sobre os actuais temores não hesitou em dizer que On trompe le public. Começam a ser muitas as dúvidas sobre a qualidade do modelo climático instituído e talvez seja oportuno perguntarmo-nos sobre a veracidade das afirmações que fundamentam as políticas em vigor. Em Ciência, a dúvida deve ser sistemática mas quando ouvimos os ambientalistas só deparamos com certezas absolutas; perante as dúvidas acima, mais valera alguma humildade. A transposição dos temores instituídos pela ONU para a prática política europeia traduziu-se na Directiva da prevenção e controle integrados da poluição que leva as empresas a ter que comprar os equipamentos mais modernos que existam de combate ao impacto ambiental oficial naquilo a que se convencionou chamar de as melhores técnicas disponíveis. Estas, são permanentemente definidas por um grupo de cientistas sedeado em Sevilha que se dedica à tarefa de ditar a moda. Sem querer fazer humor, temos que admitir a possibilidade de a moda ficar ultrapassada logo após a última empresa europeia ter adquirido um determinado equipamento e toda a indústria ter que passar a deitar fora o equipamento recém-adquirido para passar a comprar um outro mais moderno. O grupo sevilhano não terá recebido mandato para analisar os novos equipamentos na perspectiva económica e muito menos para investigar se a Indústria está ou não em condições de gastar mais dinheiro com a renovação. Nesta perspectiva, o conceito de substituição dos equipamentos deveria ter sido o das melhores técnicas economicamente disponíveis mas a questão deve mesmo ir mais longe pois temos que ter a certeza de que não estamos a deitar dinheiro pela janela em equipamentos inúteis para a resolução de problemas inexistentes. Oxalá que tudo não passe de um engano de Lenoir e de Tazieff . . . Setembro de 2003
Nos anos 60 do século passado, o já então famoso economista liberal americano Milton Friedman foi fazer uma série de conferências em várias Universidades indianas e explicou como seria mais interessante para a Índia deixar de fabricar aço e passar a importá-lo dos Estados Unidos. A História não registou se havia avião no próprio dia da conferência em que desenvolveu tal raciocínio ou se só no dia seguinte mas ficou perfeitamente registada a total animosidade com que os nacionalistas indianos acolheram a tese aventada e a pressa com que o palestrante teve que sair do país. Proferir tais afirmações num país que pouco antes tivera que recorrer à violação das leis económicas e comerciais que lhe eram impostas pela potência administrante, a Inglaterra, não resultou de insanidade mas sim de grande coragem. É evidente que Friedman tinha razão técnica mas também é claro que lhe faltou por completo o sentido político. E, àquele nível, um economista não é apenas um técnico, é forçosamente um político. Falhou, portanto. Por se tratar de uma experiência não experimentada, nunca saberemos como teria sido a evolução económica da Índia se tivesse seguido uma política liberal como a preconizada por Friedman mas o que sabemos hoje é que aquele país conseguiu várias façanhas notáveis, nomeadamente a autonomia alimentar, a construção de uma fileira de tecnologia informática com elevada expressão mundial sobretudo no software, pôr satélites científicos no espaço e consolidar a maior rede de caminhos-de-ferro mundial. Para quem poucas décadas antes estava proibido de fiar o algodão que produzia, é notável. De notar que, neste percurso, pouco ou nada se ouviu falar do FMI. Pela mesma época, a Argentina também aplicava políticas não liberais seguindo a via peronista, nomeadamente com a instalação de indústrias para substituição sistemática de importações e a Primeira-dama gerindo o Orçamento Social Nacional como se se tratasse do orçamento doméstico da Casa Rosada. Quando Perón saiu pela primeira vez da Presidência a Argentina estava falida e mesmo assim ainda voltou a ser eleito para morrer no Poder; ainda hoje a Argentina sofre as consequências de tantas medidas nefastas e o FMI tem que lhe estar sempre a acudir. Do continente africano, o que consta é o acumular das dívidas e um interminável coro de pedidos de perdão tanto de juros como de capital. É conhecida a falta de transparência de tantos regimes políticos africanos com os Presidentes a confundirem inocente ou deliberadamente as funções de Estado com as de proprietários e lidando com os dinheiros públicos como se se tratasse de liquidez pessoal. Em todos os casos de insucesso, o que se ouve é blasfemar contra o FMI, essa instituição tão representativa dos chamados interesses do Norte, em vez de se analisarem as causas que conduziram a tais insucessos, por exemplo do cariz das acima referidas. O regime é corrupto? Não tem crédito! Ponto final, não há discussão. O regime é sério mas houve erros de política? Muito bem, vamos discutir as novas políticas e tratar dos novos créditos. Não haverá, contudo, uma fórmula única para todos os casos de insucesso e sendo desejável que não ocorram novas histórias ao estilo da de Friedman na Índia, também não tem qualquer moralidade estar a perdoar juros e capital a regimes políticos que não fazem sentido na perspectiva da nossa civilização, a tal tão má mas que é a que dá os tais créditos tão ambicionados; se querem o nosso escasso dinheiro têm que se comportar de acordo com as nossas regras. Mas se este sancionamento pelo FMI é imprescindível como garante da legitimidade política dos regimes, da sanidade das Administrações e das políticas económicas aplicadas, não é menos importante que, em complemento, os Estados do Norte correspondam às legítimas necessidades de desenvolvimento dos do Sul emitindo crédito para que estes se possam aprovisionar dos equipamentos que não produzem. Faz todo o sentido que exista uma política de financiamento do cliente estrangeiro devidamente credenciado, seja ele público ou privado, do Norte, do Leste ou do Sul pois cada vez mais esse é um factor de competitividade que não depende da vontade das empresas exportadoras e apenas da vontade política dos Governos. Do nosso, por exemplo. Lisboa, Setembro de 2003 Henrique Salles da Fonseca
Fazer a comparação internacional da competitividade é, por vezes, um exercício penoso para quem tanto gosta do seu país e o vê frequentemente ficar do lado perdedor da competição. Mas para que haja verdadeira competição, torna-se necessário que todos os concorrentes disponham à partida das mesmas condições competitivas e é precisamente isso que não se verifica com Portugal em relação aos demais Estados Membro da UE. Basta pensarmos nas condições climáticas para vermos claramente a desvantagem agrícola que temos face ao norte da Europa: em Portugal chove anualmente quase tanto como no norte de França com a diferença de que por cá chove tudo de uma só vez, de enxurrada, enquanto lá vai chovendo ao longo de todo o ano de modo conveniente à produção agrícola. Mas em Espanha e Itália não será como em Portugal? É claro que sim e, por vezes, ainda mais extremadamente. Então como se explica a miséria agrícola portuguesa face ao esplendor agrícola espanhol e à pujante agro-indústria italiana? A diferença é obra do homem e nada tem a ver com as condições climáticas de cada região: é que tanto Espanha como Itália há muito que adoptaram os instrumentos de mercado que Portugal insiste em ignorar, os preços futuros. Sim, faz agora 860 anos que os agricultores portugueses começam por produzir e só depois é que procuram mercado e preço. Como se trata habitualmente de produtos perecíveis, a pressa exerce-se a favor do comprador que acaba por pagar o preço que muito bem entende uma vez que o produtor ou recebe esse preço ou vê a produção apodrecer. Do mal, o menos: mais vale ter um prejuízo parcial do que uma perda total. Os preços são deste modo definidos pela procura e não pela habitual lei de mercado, ou seja, pela conjugação da procura e da oferta. A descapitalização agrícola assume hoje em Portugal uma dimensão alarmante e até já vemos compradores entrarem pelos pomares para colher a fruta que os agricultores não apanham por não conseguirem financiar os custos dessa mesma apanha. Trata-se de uma situação opaca por oposição à desejada transparência dos mercados. Diz-se que um mercado é transparente quando todos os potenciais vendedores e compradores do produto em causa podem influenciar o preço e este é conhecido de todos os eventuais interessados, situados em qualquer lugar; não estando assegurada a transparência, admite-se que o mercado esteja manipulado. As Bolsas são o melhor instrumento até hoje inventado como garante da transparência dos mercados. As mais conhecidas entre nós são as de Valores em que se transaccionam nomeadamente acções e obrigações mas há outras, as de Mercadorias, onde se transaccionam produtos, por exemplo matérias prima, produtos agrícolas, etc. Estas bolsas são, sobretudo, de futuros e o raciocínio base é, sensivelmente o seguinte: dentro de 6 meses um agricultor poderá colher um determinado número de toneladas de aveia ou dispor de alguns bezerros devidamente engordados; vai à bolsa ver quanto valerão as toneladas de cereal ou de carne naquele prazo futuro e, se o preço lhe interessar, faz a sementeira ou a engorda; caso contrário opta por outra produção. Eis como as empresas agrícolas são geridas nos países evoluídos. Na ausência deste tipo de bolsas em Portugal, o nosso agricultor não pode gerir, tem que se submeter ao que os potenciais clientes - intermediários, grandes retalhistas, etc. - lhe queiram pagar. É hoje totalmente indiscutível que o agricultor português sabe produzir e que o que lhe falta é capacidade de entrada no mercado com voz activa. O problema da agricultura portuguesa não é, pois, de cariz agrícola mas sim comercial. A insistência política é, contudo, nas vertentes da produção que apenas trazem mais do mesmo em função de parâmetros imaginados para os outros Estados Membro que dispõem de instrumentos de mercado inexistentes em Portugal. Claro que os Grémios corporativos não funcionavam (nem se esperava que o fizessem) ao abrigo das leis do mercado e as cooperativas que lhes sucederam politizaram-se e faliram umas, do objecto social que apregoavam "de compra e venda" ficaram-se outras pela intermediação de alguns factores de produção como baldes, vassouras, pesticidas, etc.; os "mercados de origem" agrupam as produções facilitando apenas a vida aos compradores que assim deixam de ter que se deslocar a vários locais em busca dos produtos; os "mercados abastecedores" são um óptimo local para as estruturas comerciais - estrangeiras, nomeadamente - colocarem os seus produtos junto dos retalhistas portugueses. Tudo parece feito de propósito para descapitalizar a agricultura portuguesa. Entretanto, salvo algumas excepções lideradas pela indústria agro-alimentar que necessita de se aprovisionar convenientemente, do que é efectivamente necessário definição de preços futuros - ninguém trata. Com os agradecimentos dos intermediários, aguardemos todos pela continuação da descapitalização da agricultura portuguesa e consequente abandono das terras, ou seja, de uma importante parcela da nossa Economia e mesmo da nossa soberania (agricultores espanhóis a comprarem terras na zona do Alqueva). Não é impunemente que reconhecemos o nosso atraso quando nos comparamos internacionalmente. Publicado em 5 de Setembro de 2003 O Independente Economia, Opinião