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A bem da Nação

J’EN AI ASSEZ

 

 

globalizacao.jpg

 

 

Farto que estou de ver os resultados do liberalismo friedmaniano[1], apetece-me invocar Friedrich List e dizer que a livre troca universal, entre todos os países do mundo, apenas será possível num estádio último do desenvolvimento.

 

 Os países só podem progredir se seguirem políticas que lhes sejam úteis, nunca políticas que lhes possam ser prejudiciais. A adopção prematura do comércio livre planetário confirma as vantagens que desse modelo alcançam os países industrializados mas os países em desenvolvimento deviam poder proteger as suas actividades nascentes até conseguirem recuperar do atraso relativo. Numa perspectiva em que coubesse a auto-defesa, não fazem sentido instituições como a Organização Mundial do Comércio e muito menos Cimeiras como as de Doha em que se pretende assegurar que todos os países se devem desarmar e deixar o comércio totalmente livre. “Eu – que sou rico – entrarei na tua casa com os meus produtos; tu – que és pobre – entrarás na minha, se conseguires”. A integração entre os EUA, o Canadá e a UE fazem todo o sentido constituindo uma Convenção Transatlântica de Comércio Livre mas o livre comércio entre os EUA e o México significa a anulação deste. Nos corredores da diplomacia internacional o México fica muito agradecido aos EUA porque estes o transformam na linha de montagem dos produtos industriais que ainda requerem mão-de-obra intensiva, desde que esta seja barata. Quando deixar de o ser, a linha de montagem muda-se para outro local mais barato e assim sucessivamente até chegar ao mais fundo buraco do mundo. Entretanto, o mexicano ficou desempregado e muito provavelmente sem nada mais saber fazer do que juntar as peças daquele produto que já não existe. E se um mínimo de providência existir, o Estado mexicano que suporte esse desemprego, que se endivide para pagar esses novos custos, que negoceie nos mercados internacionais de capitais o financiamento da despesa que lhe poderá talvez evitar a eminente ruptura social.


Assim é que ao liberalismo friedmaniano apenas interessam a livre circulação de mercadorias e de capitais mas não a da mão-de-obra. Nisso recebeu um inesperado apoio das conservadoras forças sindicais do mundo desenvolvido que também não admitem o livre estabelecimento de pessoas, não vá a imigração “furar” o status quo, as convenções colectivas de trabalho. Eis como no mundo desenvolvido os sindicatos se transformaram nas forças mais conservadoras, adversas a qualquer espécie de solidariedade para com os efectivamente necessitados oriundos do terceiro mundo, defensoras acérrimas dos vários “Espaço Schengen” e “Fortaleza Europeia” que existam por esse mundo fora.

 

E como deveremos nós, os Estados lusófonos, enquadrar um processo destes? Ficando-nos pela discussão da sintaxe e do hífen? Como poderemos compatibilizar Schengen e a CPLP? Eis algumas das questões que merecem reflexão num quadro bem diverso daquele que nos vem sendo permitido.

 

E a primeira pergunta que coloco é muito simples: haverá alguma alternativa plausível ao cenário em curso?

 

De resposta muito dúbia, parece mais fácil procurarmos um modelo próprio de desenvolvimento compatível com o que nos é servido do que estarmos a tentar mudar por nós próprios o rumo da História do mundo. Não temos hoje a importância relativa que tivemos no séc. XV mas também nunca tanto como hoje a decisão colectiva passa pelo somatório das decisões individuais.

 

E se não podemos discutir a História e o rumo que ela se prepara para tomar, entremos nesse barco e viabilizemo-nos dentro dele.

 

E é nessa tentativa de viabilização que as perguntas continuam. Com que massa cinzenta poderemos contribuir para o desenvolvimento desta aldeia global? Que teses académicas com inquestionável repercussão científica internacional são na origem escritas em português? No ranking mundial de Universidades, em que lugares se colocam as instituições da Lusofonia? Que estrangulamentos existem no mundo lusófono para que ainda hoje, séc. XXI adentro, continuemos sujeitos ao flagelo do analfabetismo? Que forças gravitam na actualidade em torno das nossas elites: centrífugas como antigamente ou finalmente centrípetas?

 

Se não dermos respostas a estas questões, então não teremos lugar na História e não mais haverá centro, periferia nem palavra digna de nota.

 

Eis que, assim, o modelo do futuro

 

  • passa pela transformação das elites em elementos agregadores das nossas sociedades não mais podendo constituir instrumentos da repulsa;
  • passa pelas Diásporas a servirem o engrandecimento dos Centros;
  • passa pela pluricidadania;
  • passa pela vulgarização da palavra.

 

E se as elites têm que passar a congregar o resto das gentes, teremos que banir os resquícios de corporativismo que ainda nos entorpecem a actualidade, v.g. as Ordens profissionais e seu imperial magistério, temos que promover rapidamente a concorrência inter-universitária dentro de cada país, no espaço lusófono e no mundo inteiro, temos que garantir uma claríssima elevação do nível médio cultural dos nossos povos e promover o analfabetismo adulto a “coisa” do passado.

 

E se as Diásporas devem passar a servir os Centros, isso significa que a emigração não mais deve continuar a ser uma tábua de salvação a que os deserdados se agarram avidamente, para passar a ser um instrumento de obtenção da dimensão empresarial que o mercado doméstico é incapaz de garantir.

 

E se a solidariedade não é palavra vã, então Portugal tem a obrigação histórica de promover um estatuto de acolhimento especial a todos aqueles povos que alguma vez governou por esse mundo além, tudo culminando num processo de plurinacionalidade lusófona, em clara fraternidade internacional.

 

E se “é a falar que a gente se entende”, então temos que fazer com que o Instituto Camões deixe de divulgar a nossa palavra apenas nas Academias e Universidades para passar a fazê-lo com as portas abertas directamente para a rua, que é onde os povos se cruzam.

 

Por tudo isto eu digo que o modelo vigente se esgotou.

Por tudo isto eu digo que não me preocupo mais com o “politicamente correcto”. Por tudo isto eu digo “j’en ai assez”.

 

Lisboa, Julho de 2007

 

Porto Santo-MAI15-B.jpg

Henrique Salles da Fonseca

 

[1] - De Milton Friedman

 

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