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A bem da Nação

D. Afonso de Portugal

A casa apalaçada em cuja esquina trabalhava o electricista empoleirado numa escada de alumínio era mais uma dentre a infinidade de exemplos que em Malta encontramos com arquitectura notável. Construídas em pedra maciça e sem vestígios de falsa cantaria, lembram-nos as construções militares que proliferam ao longo da costa para defesa dos assaltos turcos. Ocorre-nos mesmo a ideia de que se trata apenas da civilização de um estilo militar à guisa de disfarce e prudente cautela contra o inesperado.

 

E como a História se repete … cá estamos, nós os ocidentais, novamente a servir de alvo às investidas do Islão, em plena conformidade com as circunstâncias que ditaram a ida da Ordem de S. João de Jerusalém para Malta.

 

Continua, contudo, a incerteza sobre se a concessão de Malta à Ordem teve como objectivo a defesa do Ocidente cristão contra o Oriente islâmico ou se se pretendeu desse modo criar uma ponta de lança cristã contra o islamismo. Eventualmente ambas as doutrinas são verdadeiras conforme a época a que se refiram na certeza porém de que a ilha sempre serviu de «frontiera barbarorum». Assim, Malta foi cercada em 1565 pela armada otomana mas também o Grão-mestre D. António Manoel de Vilhena (1663-1736), português de Lisboa, não hesitou em fazer perseguir uns corsários que lhe incomodavam as cercanias e de ter mesmo ocupado Tripoli destroçando o porto de amarração desses energúmenos.

 

 Image:AntonioManuelVilhena.jpg 

D. António Manuel de Vilhena

 

Ainda hoje por ali nos sentimos nos limites do nosso razoável e essa sensação é profusamente infundida pelas estruturas de vigília e defesa ao longo de toda a costa, construções essas da responsabilidade da Ordem – entretanto rebaptizada de Malta – e mais concretamente de todos e cada um dos Grão-mestres que por ali quiseram deixar mais fausto que os seus antecessores. Mas esse fausto não se limita à arquitectura militar e civil: a pintura foi das artes mais beneficiadas e dói-nos o pescoço de tanto admirarmos quadros magníficos pendurados por tudo quanto é parede. Contudo, convém fazer uma ressalva relativamente a Caravaggio que chegou a Malta em fuga das tropelias que fizera na sua Itália natal. Esteve no país o tempo suficiente para pintar cinco quadros, para se meter em mais tropelias, para escandalizar Cavaleiros e gente comum, para ter que fugir novamente e para aparecer morto numa praia aos 39 anos de idade aparentando precoce velhice. O pudor impede repetir hoje o que então se disse dele …

 

Outra incerteza de que hoje se fala tem a ver com o significado das oito pontas da cruz que simboliza a Ordem: há quem diga que elas representam as oito “langues” em que se agrupavam os Cavaleiros; há quem defenda a doutrina de que se trata das oito virtudes (bem-aventuranças) do “Sermão da Montanha”. Creio que não pode haver grandes dúvidas quanto à opção pela segunda hipótese uma vez que ainda só havia 7 “langues” (nos tempos em que a Ordem estava em Jerusalém e em Rodes) e a cruz já tinha 8 pontas.

 

 Cruz da Ordem de Malta

 

As “langues” agrupavam-se como segue:

  1. Provença (dos Cavaleiros oriundos do Languedoc)
  2. França (dos de Languedoïl, norte do actual território francês a que correspondia um grupo de 4 línguas com origens teutónicas)
  3. Auvergne (dos da Bretanha)
  4. Castela e Portugal
  5. Aragão (incluindo também os Cavaleiros oriundos da Catalunha e de Navarra)
  6. Itália
  7. Alemanha (incluindo também os Cavaleiros oriundos da Escandinávia, da Polónia e da Boémia)
  8. Inglaterra e Irlanda

 

Assim se vê que o critério de agrupamento tinha sobretudo a ver com a língua e não tanto com a política. Mas a política ditava algumas condicionantes e a residência (Auberge) de Castela e Portugal ostenta na sua fachada imponente à entrada de Valetta (acolhe actualmente o Gabinete do Primeiro Ministro) as armas de Castela e as de Portugal. As armas de Castela situam-se à direita, o lugar de honra, ficando as armas de Portugal do lado esquerdo, o lado do coração, o da essência da alma. Todos ficaram satisfeitos.

 

 As armas de Portugal "in cuore"

 

E foi deste “Auberge” que saíram 4 dos 6 actualmente mais falados Grão-mestres da Ordem: os dois irmãos Cotoner, súbditos espanhóis da periferia Balear e os portugueses D. António Manoel de Vilhena (1722 - 1736) e D. Frei Manuel Pinto da Fonseca (1741 – 1773); os outros 2 eram os franceses Jean de la Valette (1557-1568) e Antoine de Paule (1623-1636).

 Manuel Pinto de Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

D. Frei Manuel Pinto da Fonseca viveu até aos 93 anos no meio de um verdadeiro fausto imperial que afincadamente cultivou. E mais se diz que quanto ao voto de castidade ...

 

Mas se estes são os portugueses profusamente referidos, não esqueçamos D. Luís Mendes de Vasconcelos que foi Grão-mestre nos anos de 1622 e 1623 e, muito antes da ida da Ordem para Malta, de D. Afonso de Portugal (1135-1207) que foi Grão-mestre nos anos de 1203 a 1207 e era filho do nosso rei fundador, D. Afonso Henriques.

 

É nos locais mais inesperados que tomo conhecimento de valores que ignorava por completo. Eu não sabia da existência da maior parte destes notáveis portugueses.

 

Lisboa, Junho de 2007

 

Henrique Salles da Fonseca

(em Portomaso, próximo de Vatella)

 

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