Curtinhas XLIII
“portela+1”? “1+portela”?
(nem sempre a ordem dos factores é arbitrária - cont.)
v Chegados a este ponto, não sei se o Leitor ficou, por fim, convencido de que, quando o problema é expandir as facilidades aeroportuárias que a região de Lisboa pode oferecer à aviação comercial, “Portela+Alverca” ou “Portela+Montijo” não resolvem praticamente nada. E terá, talvez, sorrido quando eu referi, en passant, que a solução “Alverca+Montijo”, essa sim, passa no teste dos “corredores de aproximação”.
v Então, porque não estudar também mais esta opção? Afinal ela tem uma pégada ecológica quase imperceptível (uma vantagem de tomo), e sempre se pouparia na construção de pistas de raiz (embora houvesse certamente que gastar uma “nota preta” com a reabilitação das pistas existentes).
v A resposta é imediata: porque se sabe à partida que “Alverca+Montijo” só funcionaria em circunstâncias algo restritivas. Como na opção “Portela+1”, aliás. Mas vamos por partes.
v Neste momento, pela Portela passam três tipos diferentes de voos: (1) os voos domésticos; (2) os voos de médio curso (de e para a Europa; ocasionalmente para o Norte de África); (3) os voos intercontinentais (de e para a América do Norte, as Caraíbas, a África Ocidental e o Brasil).
v Sob outro ponto de vista, o tráfego aéreo que demanda a Portela: (1) ou é tráfego “ponto a ponto” (aquele que tem por origem, ou por destino, a zona de Lisboa – com maior generalidade, o território português); (2) ou é tráfego “em trânsito” (aquele que não é originado no território português, nem para cá se destina). Este último é alimentado por voos domésticos e por voos de médio curso (designados, genericamente por voos feeders[1]) que carreiam para a Portela os passageiros e a carga destinados às rotas intercontinentais (nomeadamente, as do Atlântico Sul), e que se encarregam de distribuir pelos respectivos destinos finais o tráfego que essas rotas intercontinentais para cá encaminham. Nos “trânsitos” a Portela funciona como um hub intercontinental (mal amanhado, reconheçamo-lo), com assinalável proveito para a TAP.
v A questão que vem imediatamente à ideia é esta: porquê, nos “trânsitos”, conformarmo-nos com as rotas que falam português? Porque não atrair para Lisboa uma maior fatia do tráfego aéreo[2] entre a Europa, a faixa ocidental de África e a totalidade da América Central e do Sul (incluindo a costa do Pacífico)? Porque não acentuar a vertente hub intercontinental de pelo menos um aeroporto português? Não é o sudoeste da Península Ibérica o local onde a Europa mais se aproxima de todos estes destinos – o que permite optimizar a operação comercial de aviões e tripulações nestas rotas? Falta de interesse? Ou falta de visão?
v A segmentação do tráfego aéreo que referi mais acima é útil para ver onde as opções “Alverca+Montijo” e “Portela+1” falham. Se o que estivesse em causa fosse, tão só, o tráfego “ponto a ponto”, servido tanto por voos domésticos como por voos de médio curso, dois aeroportos a operar em paralelo poderiam muito bem dar conta do recado. Talvez com algum transtorno para os “trânsitos” que envolvessem voos domésticos – a terem de andar em bolandas entre aeroportos. Mas nada que um Ministro mais expedito não conseguisse resolver com um simples despacho.
v Num hub intercontinental, porém, as ligações aos voos de longo curso (as conexões) devem ter lugar no mesmo aeroporto. É de todo impensável que os voos intercontinentais partam e cheguem a um aeroporto, e os voos feeders operem num aeroporto vizinho, mesmo que localizado ao virar da esquina.
v Alverca e o Montijo, sujeitos como estão, há muito, a enorme pressão urbanística, já não dispõem de área suficiente para aí se construir um hub intercontinental[3] capaz de comportar os respectivos voos feeders (salvo se se entrasse rio adentro – e imagina-se o alarido dos ecologistas).
v A pressão urbanística também tirou à Portela qualquer veleidade de vir a dispor, um dia, de duas pistas paralelas a operarem simultaneamente. Mas mesmo que o planeamento da cidade tivesse sido mais previdente e menos ganancioso, a limitação legal quanto a níveis de ruído em perímetros urbanos nunca permitiria que essas duas pistas operassem em pleno. Por isso, já não é de hoje nem de ontem que a possibilidade de tornar-se num hub intercontinental viável ficou definitivamente arredada do futuro da Portela.
v Nestas circunstâncias, só o “+1” poderia ter duas pistas a operar simultaneamente, só esse poderia ser concebido como um hub intercontinental. Daí que seria certamente mais apropriado designar esta opção por “1+Portela”.
v E eis a pergunta fatídica: o aeroporto da Portela tem futuro?
v Que arrasta uma segunda pergunta não menos fatídica: que acontecerá à TAP se o seu aeroporto base só comportar voos domésticos e voos de médio curso? (cont.)
A. Palhinha Machado
Junho 2007
[1] Até ao momento, a regra nas rotas de longo curso são os acordos Estado a Estado (não o open sky) – e, aí, só as companhias aéreas tradicionais operam, não permitindo que low cost independentes se intrometam no feeding. O passageiro que quiser tirar partido dos preços mais baixos que uma low cost esteja a praticar num determinado troço da sua viagem, agirá por sua conta e risco.
[2] Que se prevê ter, nas próximas décadas, uma taxa de crescimento só superada pelo Extremo Oriente.
[3] Cujo requisito essencial é dispor de duas pistas que possam operar em simultâneo, excepto em condições meteorológicas extremas.