ESTADO DA ÍNDIA PORTUGUESA (I)
1 – O ano de 1961 testava, e de que forma, a liderança do Estado Novo. Não tinha começado nada bem o ano. Um antigo tenente de Maio, que fora Governador do Distrito da Huíla em Angola e homem de confiança do Estado Novo, estava agora em rota de colisão com quem o chefiava. E tomava de assalto o paquete Santa Maria crismando-o logo de seguida em Santa Liberdade. Fomos originais, valha-nos isso, no assalto a bancos, a aviões e até no segundo baptismo de barcos e, anos depois, de pontes. E também nos podemos orgulhar de ter criado a primeira crise internacional com que o recém Presidente Kennedy teve de lidar. É obra.
Como se não bastasse, o 4 de Fevereiro com os incidentes em Luanda e assaltos às esquadras de Polícia e à Cadeia de S. Paulo, protagonizados por afectos ao MPLA. E a 15 de Março, e com muito maior gravidade, o ataque da UPA/FNLA às povoações e às fazendas do Norte de Angola que provocaram centenas de vítimas entre colonos portugueses e de gente portuguesa de etnias que não dos bakongos, sendo que os bailundos pagaram elevada factura.
E como se não chegasse para todos tanta tormenta, veio o golpe de dentro do próprio Governo e regime. A liderança da Defesa Nacional e do Exército entendia a 13 de Abril que tinha chegado ao seu termo o consulado de António de Oliveira Salazar.
2 – (A)pesar. Apesar de tudo. (A)pesar, também, a idade já contava. A do líder. Que já estava nos 70 e… . Este, mais uma vez, resistiu, contando para isso com fiéis que, por mais de uma vez, também já o tinham avisado de que algumas mudanças deveriam ser feitas. E não foram. O viver, como habitualmente, continuava a fazer o seu caminho. Mas 1961 era um grande tropeção, para quem levava muitos e muitos anos de governança. Boa e má segundo alguns. Ou menos boa e menos má segundo outros. Mas se o quiserem, era governança. Olhando para os últimos governos da Monarquia e primeiros da República. Isto segundo alguns e outros, ou outros e alguns. Enfim…
3 – Mas, entre os fiéis, existem aqueles que estão sempre presentes. Todos nas horas boas. Mas, nas menos boas, só ficam os que encaram que outros valores mais altos se levantam. E levantaram. Angola vivia há um mês, em especial no Norte, uma autêntica tragédia. Com as chefias militares governamentais e Estado-Maior divididos entre “um caso de polícia” ou o “para Angola rapidamente e em força”. O demitido de há dois anos da Defesa Nacional, Santos Costa, em carta para AOS, a pedir o envio rápido e em força para Angola e Moçambique de 10 mil homens para cada província. O comandante da Força Aérea de Angola a pedir medidas rápidas porque o amanhã poderia já ser tarde. E os fiéis entre os fiéis decidiram. Entre o certo e o incerto não é altura para mudar de chefia ou das duas chefias máximas. E não se mudou. E da velha Oposição Democrática, o alerta também se fez sentir: divergimos, mas nesta altura apoiamos a decisão de “para Angola rapidamente e em força”.
E neste caso, a exemplar declaração de Ramada Curto à Emissora Nacional, em 17 de Abril de 1961: “Estou ao lado, ombro a ombro, dos que querem lutar pela África nossa, que o mesmo é dizer por Portugal. Seja quem fosse que estivesse, por acaso do destino, a mandar, eu não pensava em substitui-lo agora, na hora incerta em que Portugal é tudo e o resto não é nada”.
4 – E a calmaria voltava. A fuga precipitada não se dera. Luanda e Lisboa resistiam. Mas outra tempestade começava a ganhar forma. Não a tempestade que acompanha as monções. Mas outra na mesma geografia. A que acompanha, quase sempre, as decisões irracionais dos homens que não entendem que decisões de gabinetes, sempre recatadas, provocam a um e outro lado muito sofrimento. Porque decidem: guerra. E neste caso, entre um país que na altura somava 400 milhões de habitantes e outro com apenas 8 milhões. A Índia e Portugal. Mas Portugal tão perto e tão longe. Tão perto em Goa, Damão e Diu. Tão longe, a sudoeste da Europa, num canto da Ibéria. Como cantavam as estrofes que aprendemos em pequenos:
“A sudoeste da Europa,
Bem juntinho ao oceano,
Fica o nosso Portugal,
Querido torrão lusitano”.
5 – E em Dezembro de 1961, o JN superiormente dirigido por Pacheco de Miranda, anunciava que 30 mil soldados indianos estão de prevenção nas fronteiras de Goa aguardando ordens. O Chefe do Estado-Maior do Exército Indiano General P. N. THAPAR e o chefe do Estado-Maior da Força Aérea Indiana, Marechal da Aviação A. N. Engineer, inspecionavam a situação ao longo dos 280 quilómetros do enclave português. E a acompanhá-los, o Comandante Militar da zona sul da Índia, o tenente-general J. N. Chaudhuri. Este, já tinha sido o chefe militar que organizou a tomada relâmpago do Estado de Hyderabad, em 1949, pondo fim à sua breve independência. E, assim sendo, mulheres e crianças começaram a ser evacuadas. Para Lisboa e para Carachi no Paquistão. E no Diário Popular, onde pontificava o Embaixador Martinho Nobre de Melo, o tom era o mesmo. Algo se estava a preparar para riscar do Império Português as terras onde tínhamos aportado há uns 500 anos.
6 – O ministro inglês Duncan Sandys e o governo britânico apelavam para que a União Indiana não usasse da força em relação a Goa. O embaixador dos USA em Nova Deli, Galbraith, conferenciava com o MNE indiano Desai. A Inglaterra entalada entre o seu mais velho aliado e um dos membros mais importantes da Comunidade Britânica. Os USA em posição difícil, porque Portugal é membro fundador da OTAN (NATO), mas a Índia mantinha-se como a maior democracia asiática. E milhares de goeses, em procissão, sobre os 10 quilómetros ao longo da margem do rio Mandovi, até à velha Goa, a fim de prestar homenagem a S. Francisco Xavier, pedindo-lhe protecção.
Mas, mesmo assim, o paquete Império desembarcava em Lourenço Marques reforços de tropas para a guarnição da Província de Moçambique. Era Angola. Era Moçambique. E até a Guiné. Aqui, com os chefes muçulmanos a reafirmarem a sua lealdade a Portugal. Preocupações atrás de preocupações. E solidariedades atrás de solidariedades. Valha-nos isso. Por agora…
7 – E para que contasse ao que vinham, um grupo afecto ao invasor, destruiria antes da invasão a estátua do militar goês Manuel António de Sousa que combateu ao lado dos portugueses em Moçambique no século XIX e que ali morreu em combate e que estava situada à entrada da cidade de Mapuçá. Ele, que em 1836, tinha sido nomeado capitão-mor de Manica e Quiteve. E no Conselho de Segurança da ONU, se a União Indiana invadisse o território, a França, a Inglaterra e os EUA (USA), condenariam a invasão. Mas o veto soviético já se perfilava. E como se não bastasse o Exército e Força Aérea indianas, o contra-almirante Soman, comandante da frota indiana, visitava a cidade de Belgão onde estava instalado o quartel-general das forças indianas que se concentravam junto à fronteira de Goa. E nos círculos diplomáticos geralmente bem informados, dizia-se que o Presidente Kennedy enviara nota em termos cordiais ao PM Nehru, exortando-o a que evitasse empregar a força contra Goa.
8 – Mas algo iria acontecer. Em Belgão, os CEM’s do Exército e da Força Aérea conferenciavam sobre a “situação de Goa”. A Trust Press Índia informava que “a hora zero aproxima-se”. E altos funcionários indianos, ao serem abordados por jornalistas, limitavam-se a dizer: “esperem e vejam”.
E Adriano Moreira recordava a solidariedade de Espanha e a dignidade das nossas relações com a China cuja vizinha cidade de Santo Nome de Deus hasteia a bandeira do único povo europeu que nunca esteve em guerra com aquele país.
De tudo isto, o que decidirão o PM Nehru,e o Ministro da Defesa indiano Menon?
A resposta está no texto de amanhã se tiverem paciência para o lerem.
Em 17.12.2016.
José Augusto da Fonseca
Apoio Documental Principal: Imprensa nacional e internacional – 1961