A SOCIEDADE DOS POVOS EM JOHN RAWLS - 3
3.1.Duas posições originais
A Posição Original, deve ser entendida como modelo de representação, que inclui o véu de ignorância (instrumento puramente teórico mediante o qual, com o desconhecimento da situação económica, social ou outra, se procura impedir que as pessoas planeiem vantagens pessoais), modela as partes, sendo aquela na qual as pessoas racionais concretizam acordos, numa conceção política considerada racional e razoável e baseada nas razões mais corretas. Assim, não há uma garantia de que tudo seja correto uma vez que há formas diferentes de interpretar o racional e o razoável.
A Posição Original modela o que observamos – tu e eu, aqui e agora - como condições justas e razoáveis para que as partes, que são representantes de cidadãos razoáveis e racionais, livres e iguais, possam delinear termos de cooperação justos para regular a estrutura básica da sociedade. Pg.37, LP
Rawls, ao analisar a Posição Original como modelo de representação, identifica cinco caraterísticas:
1º- A Posição Original modela as partes como representando os cidadãos legitimamente.
2º- Modela-os como racionais.
3º- Seleciona de entre os princípios de justiça disponíveis, aqueles a aplicar ao sujeito adequado, neste caso a estrutura básica.
4º- As partes são modeladas de modo a conceberem essas seleções pelas razões certas ou corretas.
5º- As partes são modeladas em conformidade com os benefícios fundamentais dos cidadãos razoáveis e racionais.
As condições referidas acima são satisfeitas quando os cidadãos são representados razoavelmente/legitimamente, visando a igualdade/simetria da situação dos seus representantes na posição original (cidadãos iguais em todos os aspetos relevantes serão representados de forma igual). As partes também são modeladas como racionais, quando o seu objetivo é fazer o melhor possível pelas pessoas, cujos interesses básicos representam, conforme determinado pelos bens primários que cobrem as suas necessidades básicas.
A segunda posição original como modelo, procura alargar uma conceção liberal à Lei dos povos sob os quais os representantes racionais dos povos liberais irão desenvolver, pelas razões certas, a Lei dos Povos, sendo que ambas as partes, representantes e representados, se colocam simetricamente e, portanto, de forma justa, partindo do pressuposto hipotético de que essas partes estão sob o véu de ignorância e os interesses estarão representados pelos princípios liberais de justiça para uma sociedade democrática.
Rawls formula oito princípios de justiça entre povos livres e democráticos:
1º- Os povos são livres e independentes e estas condições devem ser respeitadas pelos outros povos.
2º- OS povos devem executar os tratados e acordos.
3º- Os povos são iguais e são partes nos acordos que os ligam.
4º- Os povos submetem-se ao dever de não intervenção.
5º- Os povos têm o direito de autodefesa mas não têm o direito de incentivar guerra por outras razões que não seja a legítima defesa.
6º- Os povos devem honrar os direitos humanos.
7º- Os povos devem obedecer a determinadas restrições detalhadas no processo de guerra.
8º- Os Povos devem ajudar outros povos, que vivam em condições desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político justo ou decente.
Rawls considera que a lista apresentada é incompleta para alguns casos e para outros supérflua, designadamente numa sociedade bem ordenada de povos. “No entanto o mais importante é que povos bem-ordenados, livres e independentes, estão prontos a reconhecer certos princípios básicos de justiça política que governem a sua conduta. Estes princípios constituem a carta básica da Lei dos Povos.” Pg. 45, LP
Salienta Rawls que também há princípios que conduzem à formação de federações/associações de povos, organizações cooperativas entre as partes que constituem uma Sociedade dos Povos que, sendo razoavelmente justa, ou no mínimo decente, as desigualdades de poder e riqueza serão resolvidas por todos os povos: “… o dever de assistência que os povos liberais razoavelmente justos e os povos decentes têm para com sociedades sobrecarregadas por condições desfavoráveis.” Pg.4, LP.
Alega Rawls que os princípios acima enumerados determinarão diretrizes para formar organizações cooperativas entre as partes constituintes da Sociedade dos Povos, sendo três as estruturas desse tipo: uma que garanta o comércio justo entre os povos; outra que funcione como um sistema bancário cooperativo, que permita conceder empréstimos (Banco Mundial); e uma terceira, para equilibrar as partes que compõem uma Sociedade dos Povos, com um papel idêntico ao das Nações Unidas, a que designa de Confederação de Povos (não Estados).
Rawls dá grande importância à organização comercial (de competição livre), a um comércio mundial com uma estrutura que regulamentaria as transações comerciais, com uma distribuição justa e equitativa que, designadamente, através da Confederação de Povos, seja criado um fundo de contribuições (cada povo contribuiria conforme as suas capacidades) para um banco cooperativo (juros adequados aos empréstimos) sendo as taxas adotadas, seguindo o critério de reciprocidade, consoante também a capacidade contributiva de cada povo.
A equidade básica entre os povos é dada pelo fato de estarem representados, igualmente, na segunda posição original com o seu véu de ignorância, pelo que os representantes dos povos pretenderão preservar a independência da sua própria sociedade e sua igualdade face às outras. Contudo, há imites à independência e autodeterminação: …nenhum povo tem direito à autodeterminação, ou o direito à secessão, à custa da subjugação de outro povo. Nem poderá um povo contestar a sua condenação pela sociedade mundial quando as suas instituições nacionais violem os direitos humanos ou limitem os direitos de minorias que vivam entre esse povo. Pg.45, DP
Os interesses fundamentais dos povos liberais são definidos pela sua conceção razoável de Justiça política, encorajando-se por proteger a sua independência, a sua cultura livre, a sua segurança e o bem-estar das pessoas.
(continua)
Benilde Ferreira Tomaz da Fonseca