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A bem da Nação

O VICE-REINADO DO PRATA (Parte 5)

                          
 
       No final da parte 4 vimos que a Inglaterra coloca-se atrás de Portugal e do Brasil para atuar no Prata e que a questão platina com seus episódios militares é a longa história da luta da Inglaterra para dominar o mercado sulino. Teve seu último acto com a participação brasileira na guerra contra o Paraguai para quebrar o isolamento em que vinham mantendo os governos de Francia e dos Lopes. Esta foi a causa fundamental da questão platina.
 
 
       Agora veremos as Razões da Fragmentação do território argentino após a sua independência da metrópole espanhola.
 
 
     AS RAZÕES DA FRAGMENTAÇÃO
 
 
    Um dos sintomas mais eloquentes da nova política colonial espanhola, que destaca e reconhece a função principal de Buenos Aires, esteve no facto de que a Espanha recebia os seus créditos em uma alfândega. Assim o novo sistema repousava no comércio e nos tributos, que ele proporcionava à metrópole. Essa função do porto platino, principalmente sua alfândega, contém a semente da fragmentação territorial posterior à independência. O processo de ascensão desse porto acabaria por colocá-lo em antagonismo com as zonas do interior, a tal ponto que Buenos Aires poderia chegar a ser considerado como o porto "menos argentino possível". As franquias comerciais e a reivindicação que provocam de ampla liberdade de trocas levantadas em Buenos Aires como factor fundamental de que se aproveita, e confundidas ali com a própria independência, viriam representar séria ameaça, logo concretizada, às zonas do interior.
  
   Pela realidade comercial, que o contrabando, em primeiro lugar e o sistema de navios de registro, depois, vinha impondo e consagrando, Buenos Aires vira crescer a sua importância, tornando-se verdadeiro mercado das zonas comerciais espanholas do sul do continente americano. Na navegação direta e na ligação terrestre com Buenos Aires estava interessado o Chile; na navegação fluvial e no comércio com aquela praça estava interessado o Paraguai; o Alto Peru encontrava maiores vantagens em trazer ao estuário a sua prata e nele sortir-se de mercadorias de que necessitava do que no norte; a grande província de Córdoba de Tucumã via em Buenos Aires o seu porto natural; todos ansiavam por emancipar-se do julgo de Lima. De Assunção, desciam o rio, em jangadas, os produtos do interior e levavam em troca, os produtos de que Buenos Aires se fizera distribuidora. Do interior, por vias terrestres, chegavam as tropas de muares e as carretas, carregadas de produtos os mais diversos, regressando com tudo aquilo que a praça platina distribuía.
 
   Esse quadro comercial de novas linhas, a que o sistema dos navios de registro viria a dar considerável impulso e legalidade, contribuiria para desenvolver muito mais rapidamente a zona próxima do que as afastadas, as zonas ribeirinhas do que as do interior. Ao mesmo tempo fundamentava a preponderância do grupo mercantil sediado no porto do estuário, vinculados aos negócios europeus e cujo enriquecimento ia, pouco a pouco, contrastando com o padrão muito mais modesto da gente do interior. Nesse grupo, de início, preponderavam os espanhóis de nascimento. Os naturais da terra viam vedado o acesso à atividade da troca ou ela lhes era onerosa em virtude das taxas que incidiam sobre os produtos. Assim, o contrabando não cessou, porque a troca não proporcionou a todos as mesmas vantagens, nem se tornou aberta a todos.
 
   É esse o quadro que a criação do Vice-Reinado, de um lado, conferindo autonomia administrativa e libertação da tutela de Lima, vem sancionar, em 1777, enquanto de outro lado, a liberdade comercial, 1778, sanciona uma situação de facto, a que não era mais possível iludir. Caindo, de súbito, quer os motivos antigos do contrabando, quer os ónus dos impostos de entrada, baixavam os preços dos produtos, circulavam francamente, desenvolviam-se as trocas e parecia começar, para os povos platinos, uma fase económica de crescente prosperidade. O acto de liberdade comercial com os portos metropolitanos - que precede de duas décadas a liberdade de comércio com todos os povos - era acompanhado de outro, criando a Alfândega de Buenos Aires. Isto importava em reconhecer a posição comercial da cidade, em conferir-lhe a primazia no sistema de trocas e em estabelecer a continuidade na ascensão do grupo mercantil e liberal que empresaria a indepedência.
 
Grandeza "porteña" à custa das pampas e do interior
 
   O sistema de monopólio firmado pelas Cortes de Lisboa e de Madrid para ser empregado em suas posses coloniais consistia na proibição do comércio com outros países e fundava-se na interdição dos portos americanos aos navios de outras bandeiras que não as das metropóles.
    Enquanto Portugal e Espanha tiveram condições para mantê-lo, mal ou bem, na sucessão de transigencias e negociações, particularmente com a Inglaterra, o comércio colonial se fez apenas com as metrópoles. Mas o contrabando foi o reverso, por vezes importantíssimo.
 
   Transcorridos pouco mais de dez anos da fundação do Vice-Reinado do Rio da Prata, desencadeia na Europa um processo político que liquidaria aquele sistema. Com o irrompimento da Revolução Francesa, o cenário europeu se tulmutua. Crescem as sementes da transformação que iria minar o regime absoluto de governo. O monopólio comercial era uma das manifestações mais específicas daquele regime. Com as campanhas napoleónicas, a Península Ibérica sofreu suas consequências. A derrota da frota franco-espanhola em Trafalgar deixou livre os mares para a acção da Marinha britânica. Seguiu-se a invasão da Península pelas forças napoleónicas, destruindo transitoriamente os poderes metropolitanos, deixando livres os povos coloniais por eles dominados, no caso espanhol. No desenvolvimento desse processo subsistiu:
 
   -- de um lado, a aliança anglo-lusa permitindo a fuga da Corte de Lisboa e seu estabelecimento na Capital Colonial, assegurando, assim, transição regular para a autonomia;
  -- de outro lado, a Espanha dilacerada pela invasão, dominada por vários governos onde os reis Carlos IV e Fernando VII transigem e capitulam. Essa divergência de governo, a derrota do poder monárquico, levam à desagregação do poder colonial, sua dispersão, o desencontro de tendências, as flutuações e contradições de luta prolongada. Esta luta começará mais cedo do que na área dominada pelos portugueses, mas conduzirá por isto mesmo, a um processo emancipador de características muito diversas.
 
   Os choques militares representam o coroamento da expansão burguesa no ocidente europeu, comandada pela Inglaterra em seu poderoso esforço industrial e comercial, que lhe permite o domínio das rotas marítimas consolidado com a vitória de Trafalgar e com reflexos profundos no processo de emancipação dos povos coloniais americanos. A Inglaterra já vinha sendo a peça fundamental do comércio no mundo. Enfrentava, desde o início, o sistema de clausura e de monopólio imposto pelas cortes de Madrid e de Lisboa. Lutava contra ele sob formas diversas, desde então. Em relação à Espanha, pela força das armas, seja pela guerra de corso, seja nas lutas militares que pontilharam o século XVIII e o início do século XIX. Em relação a Portugal, pela força de tratados que o regime de aliança lhe permitia e que visava a liquidação final do monopólio. O desenvolvimento crescente e acelerado da manufactura britânica acabaria por exigir a abertura ao comércio das grandes áreas geográficas dominadas pelo monopólio, impeditivas daquela expansão. Novas áreas de consumo tornavam-se necessárias também do lado das colonias,que necessitavam dos produtos acabados e que podiam pagar por menores preços, desde que comprados directamente; necessitavam também de colocar directamente a sua produção onerada pelo monopólio.
 
   A Inglaterra estava, assim, interessada na autonomia dos povos americanos de colonização ibérica.
 
 
 
   Tem ainda a parte 6, a última dessa série.
 
   Belo Horizonte, 11 de abril de 2007
 
   Therezinha B. de Figueiredo

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