CRÓNICAS DE MOÇAMBIQUE
Turismo desequilibrando balanças
Repensar no marketing turístico nacional.
Por: Jorge Ferrão – Coordenador Regional da Área de Conservação Transfronteiriça do Limpopo, Ministério do Turismo.
O sector do turismo ganhou pujança nos últimos anos impondo-se como indústria de peso na economia nacional. Em 2006, o sector foi o primeiro, em termos de atracção de investimentos estrangeiros e o terceiro, na contribuição para a balança de pagamentos. Os 144 milhões de US$ de receitas atestam o crescimento e a vitalidade do sector. O turismo moçambicano assume-se como nato empregador natural de mão-de-obra pouco qualificada, gerador potencial de divisas externas e, fundamentalmente, como actividade geradora de novas sinergias em áreas marginais.
Beleza a perder de vista ...
Em 2006 a Organização Mundial do Turismo repensou o turismo no contexto do desenvolvimento económico e criou o slogan ”turismo enriquece”. A intenção subjacente seria a de despertar a atenção dos países menos desenvolvidos sobre a necessidade de priorizarem esta actividade. Por outro lado, ficou implícito na mensagem, a necessidade de repensar em novos vectores e factores de desenvolvimento e aumento da poupança no campo. O slogan deixou igualmente patente o desafio para que o turismo não continue, nos nossos países, como actividade marginal ou coadjuvante a reboque de outras pseudo prioridades.
Visitei o Quénia e, com colegas do sector, discuti horas a fio, sobre as similaridades e descontinuidades do turismo entre os nossos países. Abordamos as riquezas e os problemas, as burocracias, os crónicos problemas com os vistos, a polícia de trânsito e o incipiente turismo doméstico.
Moçambique, à semelhança do Quénia, gozam de altíssima reputação internacional no mercado turístico. Diversas publicações e operadores turísticos fazem apologia ao produto turístico em ambos os países, como matéria genuinamente africana. Em maior ou menor grau os dois países servem de referência, também no continente africano, pelas potencialidades e pela vasta costa que o Índico inunda e nada pede em troca. Nesta onda comparativa, Moçambique perderia, eventualmente, no requisito tradição institucional, quer dizer, o nosso (des)preparo para satisfazer grandes demandas.
Hotel Polana, Maputo, sem dúvida um "ex libris" do Turismo moçambicano
O Quénia assegura, por via do turismo, cerca de 12,65% do seu PIB. O turismo gera, igualmente, mais de 138.000 postos directos e outros 360.000 postos indirectos de trabalho. Eventualmente, 75% das receitas estão associadas ao turismo contemplativo, com a fauna como denominador principal. O resto é complementado pela praia, turismo de negócios e cultural.
Moçambique é um pouco mais modesto nas receitas turísticas. Nos últimos anos a contribuição para o PIB tem variado entre 2% a 2,5%. O sector emprega de 33.500 a 35.000 postos directos, com beneficiados indirectos que triplicam estas cifras. A maior fatia das receitas arrecadadas é originária do turismo de negócios, seguido de aventura, mergulho, cinegético e contemplativo. Segmentos transversais como transporte, telecomunicações e agricultura são, igualmente, beneficiados pelo turismo.
Moçambique e Quénia também possuem estatísticas semelhantes, em termos de chegadas internacionais. Rondam, por excesso, os 400.000. Ambos, recentemente, adoptaram políticas e estratégias de turismo e de marketing. Quem diria!?... O Quénia, mesmo com toda a sua reputação e tradição, apenas adoptou a sua política de turismo em meados de 2006, no mesmo momento em que o Ministério do Turismo de Moçambique aprovou a sua estratégia de marketing e recursos humanos e em 2004 foi aprovada a política do turismo.
Moçambique considera o Quénia como potencial concorrente. O Quénia, por sua vez, acredita que tal rivalidade existe apenas com a África do Sul e com a Tanzânia, com quem partilha uma fronteira comum. Nem com o Egipto parecem importar-se. Selva, praia, aventura, mergulho, negócios, turismo cultural e gastronómico, caracterizam a oferta e o produto turístico de ambos os países. As diferenças ficam subjacentes nas receitas arrecadadas e na geração de emprego.
O Quénia, que tem no turismo um sector vital da sua economia, factura, anualmente, pelo menos cinco vezes mais que Moçambique. Não admira! Os turistas, no Quénia, pernoitam um mínimo de 8 (oito) noites, enquanto que em Moçambique, em média, o número ronda os 3 (três). À partida, existe uma propensão para que os resultados no exercício financeiro sejam diferenciados. A tradição de parques como Tsavo, Serengeti e Nakuro, atraem largos milhares de turistas todos os anos. O país enveredou por políticas de substituição de práticas agrícolas de subsistência, por outras mais rentáveis e sonantes.
Fazendo uma analogia entre o desempenho do sector dos dois países, notamos que existem diferenças e semelhanças que deveriam ser exploradas, analisadas e repensadas.
O que justifica, então, que o mercado turístico queniano seja muito mais competitivo e lucrativo que o moçambicano? Onde colocaríamos o divisor de águas, para reflectir sobre o desempenho do sector nos respectivos países - mesmo considerando que a nossa infra-estrutura turística revitalizou-se só depois dos Acordos de Paz? O que será necessário fazer para libertarmos essa pomba do desenvolvimento que é o turismo?
O marketing turístico no Quénia faz a diferença
Só nos últimos 2 anos o Quénia conseguiu equilibrar as chegadas internacionais, depois de um período de agonia e instabilidade terrorista. Entre 2005 e 2006 o Quénia registou um crescimento de cerca de 10% nas suas receitas com o turismo.
Em Moçambique a economia vive um período de boom. O turismo trilha os mesmos caminhos. Entre 2000 e 2004, as receitas contabilizadas do turismo não ultrapassavam os 100 milhões de US$. 2005 marcou a viragem com 108 milhões e em 2006 chegou-se aos 144 milhões de US$ - aumentos significativos e prometedores.
Mas, comparadas e tomadas as devidas proporções entre o Quénia e Moçambique, chegamos à conclusão de que o marketing faz a grande diferença! O segredo, portanto, tem sido o marketing, a pesquisa de mercados, e a promoção da imagem do país. Segredos pequenos, porém com impacto positivo a montante, quer no volume quer na atracção de receitas turísticas.
O Quénia recorre ao Kenya Tourism Board (KTB) como agência especializada para as campanhas promocionais. Com uma acentuada redução de capitais do estado, o KTB abriu as portas à participação do sector privado, que aumentaram os financiamentos para as campanhas promocionais. Ao Estado cabe o empréstimo da imagem política, da promoção em circuitos que apenas o Estado tem competência e poder.
Moçambique, por sua vez, estabeleceu o Fundo Nacional do Turismo (FUTUR) e ainda um departamento de promoção turística, sediado no próprio Ministério do Turismo, como os carros chefe da promoção dos destinos turísticos e das potencialidades do país. A participação do sector privado, ainda assim, tem o seu espaço, mesmo que, de forma mais individualizada. São exemplos disso a Rani, Pestana, Aga Khan e até os parques da Gorongosa e do Limpopo, etc. Possuem websites com números cada vez mais crescentes de visitantes.
... imagens que ficam para sempre ...
Porém, as grandes diferenças na implementação das estratégias do turismo residem na metodologia e nas formas de implementação.
O Kenya Tourism Board reduziu progressivamente a sua participação em grandes feiras ou eventos no exterior. Quer dizer, pretere à divulgação massiva e sem destinatários específicos. Opta, por uma estratégia de marketing mais relacional e interpessoal. Um marketing direccionado aos nichos de mercado de cada um dos produtos turísticos existentes. Uma segunda opção tem sido os circuitos electrónicos. Finalmente, o Quénia adoptou o “road show” que estabelece relações de longa duração com os clientes. Tornou-se tão comum que até os membros do governo viraram chamariz em nome do sector do turismo.
Na essência o road show corresponde às campanhas promocionais “boca-a-boca” com envolvimento de equipas multi-disciplinares e uma componente significativa do sector privado. Estas equipas, servindo-se das pesquisas de mercado, desenham campanhas de promoção da imagem do país para responder às alterações do comportamento do consumidor. O objectivo é de procurar mercados não saturados, novas rotas e pacotes turísticos, esclarecer dúvidas e equívocos sobre o país. Funciona, portanto, como um contra-peso às campanhas de desinformação, que ocasionalmente os centros emissores propagam. Os road show fornecem as garantias e confiança que qualquer turista gostaria de dispor, quando planifica as férias.
Nesta circunstância o KTB procurou o emergente mercado asiático, com destaque para a China e o Japão e retornou à Alemanha e aos USA. Uma subida de 10% foi registada entre 2004 e 2005. Curiosamente, até a nossa LAM iniciou os seus voos para o Quénia e vice-versa.
Moçambique não tem essa agressividade e precisaria de uma boa injecção de recursos para o efeito. A estratégia de marketing precisaria de colocar as Embaixadas como pontas de lança, em parceria com agências especializadas nos respectivos mercados emissores. O país terá de apostar na Internet e nas facilidades que esse meio oferece. O portal que se insiste seja criado e gerido pelo Ministério, poderia ser da responsabilidade do sector privado.
Na realidade, o envolvimento do sector privado combinado com o público é vital. O nosso “ road show” pode ser feito em escalas bem menores, mas com efeitos igualmente positivos. Poderemos começar pelos vizinhos e garantir que a imagem do país mudou. Passar férias no país são uma garantia de repouso total, sem atribulações burocráticas, sem os mesmos incómodos da polícia de trânsito e sem especulações exorbitantes nas tarifas.
A promoção turística seria a mais importante ferramenta para promover o turismo de paz e hospitalidade moçambicana. O turismo moçambicano é competitivo, principalmente os segmentos de mergulho, aventura, cultura e gastronomia. Moçambique até é potencial como destino cinematográfico.
Esforços precisam de ser concentrados e evidenciados para que a promoção da imagem do país alcance mercados alvo e não as tradicionais generalidades. Não basta ter potencial, é necessário que se diga o que se tem e onde estão esses tesouros. Portanto, precisaremos em 2007, de encarar a promoção com a devida consistência e sistematização.
Para relançar a imagem do país não existem anónimos. É tempo do país encarar com outra postura o FIFA 2010 e os desafios. O Turismo será, sem dúvidas, o potencial sector para desequilibrar qualquer balança.