Crónica de uma avó à maneira antiga
Quando jovem achava as brincadeiras e conversas dos velhos com seus netos pura teatralidade, uma verdadeira chatice. Porém me intrigava ver a empatia que existia entre eles, os idosos e as criancinhas de tenra idade. Agora, bem menos jovem, na fase da vida que os psicólogos chamam da terceira idade, com meu neto vejo-me fazendo tudo aquilo que intimamente criticava nas pessoas da minha idade.
Ainda socialmente produtiva, quando Gabriel vai pra minha casa paro tudo. Nessa ocasião passamos a viver num mundo à parte, de inocência e fantasia . Curioso, logo me chama, com ar doce de quem espera tudo menos um não:
Vovó vamos para a varanda, vamos ver aonde moram as formigas? E lá vou eu para o jardim observar aqueles animaizinhos quase microscópicos que na nossa região são praga e que tantos dissabores trazem para os agricultores e suas plantações. Miolinhos de bolacha e de pão espalhamos pelo chão, e esperamos pouco tempo para ver as minúsculas criaturas aparecerem e carregarem uma coisa muito maior e mais pesada que elas, num verdadeiro milagre da natureza sem explicação.
Uma avó a dizer "não" faz o mesmo som que a dizer "sim".
Cansados de observar as formigas, que seguem um caminho entre elas pré-codificado, outra brincadeira se impõe. E logo meu neto pede para brincar com o macaco Tião. E então vasculhamos o armário dos brinquedos e fantasias em busca de um simpático fantoche de rabinho comprido e calção de listras vermelhas, velho companheiro. Por “coincidência”, Tião tem seis anos, a mesma idade do Gabriel. O macaquinho faz pirraça e nas brincadeiras quer ser sempre o primeiro. Fala tudo que quer e, quando se vê enganado, ameaça deixar a brincadeira, coisa que faz Gabriel ceder e aceitar que o fantoche também tenha a sua vez. Jogos, corridas de tartaruga (a única que a avó consegue fazer), desenhos, pinturas, estórias, risos, pouco siso, e até futebol de dois, com vovó sempre perdendo para o maioral Gabriel. E assim passa a tarde de domingo, até a hora do banho e do lanche, após os quais ele parte e a casa volta ao normal.
São momentos de magia em que vivemos em total harmonia, onde dificilmente ele escuta a palavra não. Que diferença dos tempos em que eu mãe, educadora e provedora passava mais tempo corrigindo os meus filhos, que me divertindo com eles. Dizem os psicólogos e entendidos que esse relacionamento mágico entre o velho e a criança vem de encontro à fase da vida em que os dois estão. A criança procura alçar o mundo que ainda não conhece e não pode dominar. Enquanto para o velho esse mundo não tem mais a importância de outrora, já não lhe importa o poder, e a ele já está imune, achando graça na força que a criança faz para se afirmar quando diz EU faço, EU vou, EU quero, pensando que é um herói ou um valentão. É uma encenação, até nas forjadas brigas quando o avô corre atrás do neto, fingindo querer pegá-lo e ele na frente, correndo, rindo, fingindo que está com medo de ser apanhado.
Mas o tempo passa. O velho cada dia mais enfraquece e a criança ao contrário, ganha força, cresce. A magia entre eles aos poucos desaparece. Como um jovem potro, precisa ser com carinho, mas firmeza, educado. As regras de bom convívio é preciso aprender. .
Chega a adolescência, as amizades e os relacionamentos sociais tomam importância cada vez maior na vida do jovem. O velho é posto de lado, passa a ser visto como um inútil, ou um acomodado As estórias contadas à noite, tantas vezes repetidas, antes dele dormir, logo são esquecidas, até que um dia, no ciclo da vida, quando a vez dele chegar, estórias também ele vai contar.
Uberaba, 14/2/07
Maria Eduarda Fagundes