CURTINHAS XXXIII
Reflexões sobre Democracia: Democracia, o que é?
v Organizar-se para acomodar (ou, no extremo oposto, eliminar) a diversidade. Organizar a mudança, quando a diversidade seja cultivada, ou minimamente tolerada. Eis duas das tarefas que, ao longo dos tempos, já por força da pressão demográfica, já por efeito de choques externos, têm sido exigidas a tantas e tantas sociedades. Umas vezes, de maneira quase imperceptível; outras, como hoje em dia, de uma forma ostensiva, ruidosa – e incontornável.
v Tal como o modelo do mercado, também a democracia é uma forma de organização social que visa integrar espontaneamente a mudança – onde mudar não arrasta dramas nem acaba fatalmente em tragédia. Mudança no modo como o poder é exercido, mudança de rumo, mudança de objectivos – e, talvez, mudança de paradigma. Mas, sempre, mudança pacífica.
v Desde o séc. XIX que se ouve dizer que a prática da democracia conduz imparavelmente a sociedades cada vez mais justas – ou seja, tenta-se demonstrar a superioridade da democracia no plano ideológico.
v Só que não é nesse plano que a democracia revela as suas melhores virtudes. Prova-as, sim: quando abule radicalmente a violência como condição de mudança; quando dá aos insatisfeitos voz igual à daqueles que se encontram, ainda que circunstancialmente, contentes e acomodados; quando consagra a regra segundo a qual a uma qualquer mudança sucederá sempre uma outra mudança; enfim, quando alimenta naqueles que, hoje, estão descontentes a esperança de verem, amanhã, as suas ideias prevalecer.
v Em curtas palavras, democracia é uma forma de organização política (isto é, de atribuir o poder de traçar rumos para a sociedade como um todo, e de organizá-la para a fazer singrar nesses rumos) que assenta na diversidade e está permanentemente disponível para a mudança. Em democracia é sempre possível mudar – e nenhuma ideologia legítima pode ser excluída de conduzir essa mudança.
v
Democracia, o único regime que procura conciliar os antagónicos e a todos dá oportunidade de mostrarem o que valem
v Diversidade e mudança são, assim, os critérios que servem para aferir as virtudes de qualquer forma de organização política, nos dias que correm. E é, precisamente, a esta luz que, por exemplo, o debate monarquia/república pode ser visto.
v Um excelente Rei não “faz (só) forte a fraca gente”. É uma virtude que torna aquele debate inútil. O problema surge, apenas, quando o Rei “torna fraca a forte gente”. Em termos mais abstractos: quando diversidade implica mudança. E como acolhe a monarquia uma tal mudança? Há mudanças para as quais a monarquia, pelo facto de materializar o poder num indivíduo e numa linhagem, não tem solução fora de um quadro de violência, de drama e de tragédia. E é só aí, nesse exacto ponto, que reside, não a superioridade (o que seria retornar às ideologias), mas a “desejabilidade” da república que se reja por princípios democráticos quanto a diversidade e mudança.
v Não é difícil concluir que a democracia não conduz necessariamente a nenhuma situação óptima, contrariamente ao que os políticos ideólogos não se cansam de proclamar. Trata-se, isso sim, de um modo pacífico de evitar que as situações menos desejadas se perpetuem até que alguém lhes ponha fim violentamente – que conflitos entre escalas de valores de sinal contrário descambem. Só isso.
v E vê-se também que, em democracia, uma sociedade plural aprende (tem de aprender) a conviver sem sobressaltos com a insatisfação e o desagrado, pois haverá sempre ideologias e variantes ideológicas temporariamente afastadas do exercício do poder político. Mas importante é que surjam periodicamente oportunidades para se poder alterar, de forma pacífica, o status quo.
v Em suma, democracia requer sociedades abertas à mudança e que sabem esperar pela mudança – logo, ideologias pacientes e tolerantes, já quando se encontrem circunstancialmente na oposição, já quando exerçam, não menos circunstancialmente, o poder de governar.
v E os partidos políticos? E o voto? Perguntará o leitor. Aqueles são um dos modos como a diversidade se dá a conhecer. Este é um dos modos como todos são chamados a influenciar a mudança. (cont.)
Lisboa, Fevereiro de 2007
a. palhinha machado