CRÓNICAS DO BRASIL
O VICE-REINADO DO PRATA
Domínio Inglês no Prata
Rio de la Plata
Enquanto Espanha e Portugal estiveram sob o mesmo governo, de 1580 a 1640, e desde o início da colonização até o advento do domínio espanhol sobre Portugal, as colónias sul-americanas de um e outro país não tiveram motivos para atritos. As relações amistosas mantiveram acentuadas devido a distância que separava as áreas de ocupação e pelos espaços vazios existentes entre elas.
Com o domínio único sobre o continente a noção de limite ou de faixa de influência e domínio perdeu a razão de existir e facilitou as penetrações irradiadas da Capitania de São Paulo até atingirem as regiões platinas. Essas penetrações foram impulsionadas pelas bandeiras que buscavam o apresamento dos indígenas mantidos pela catequese e organização jesuíticas naquelas regiões.
A Restauração da autonomia portuguesa, com a retomada de seus domínios coloniais, devia por fim à relação de harmonia e de trocas comerciais consideráveis para a época.
A aceitação do comércio com a Guiné e com o Brasil foi a base da colonização do estuário platino e da implantação do núcleo de Buenos Aires. A expansão comercial realizada pelos portugueses, paralelamente à territorial, foi a mais importante e enfraqueceu, assim, de Buenos Aires, o monopólio comercial espanhol na América do Sul. Enquanto os comerciantes espanhóis (sevilhanos), regra geral, seguiam a rota Porto Belo, Panamá, Guaiaquil, Callao, Lima, de Lisboa partiam inúmeros navios para dirigir-se directamente ao Rio da Prata. Seu carregamento principal eram os tecidos, que em não poucos casos chegavam em Lima. No começo, a carga principal com que retornavam esses navios era a prata. Ao restringir-se as possibilidades comerciais legais, Portugal e Brasil deram impulso a esse intercâmbio ilegal para garantir a necessária transacção económica. Lisboa continuou comerciando com os tecidos da Europa; os portugueses provêem a América de escravos, o Brasil proporciona açúcar e comestíveis à Buenos Aires. Poderíamos surpreendermos, face a tais circunstâncias, de que Buenos Aires fosse, em seu início, uma cidade portuguesa?
Além dos motivos peculiares da expansão do povoamento, nas colónias americanas de uma e outra nação, sobreviviam aqui ou para aqui se transferiam, os motivos derivados da política seguida pelas cortes de Lisboa e Madrid nos negócios especificamente europeus. Nesse sentido, aquela política sujeita a flutuações e contradições transitórias, pode ser definida, em linhas gerais, assim:
- De um lado, pela íntima ligação entre Portugal e a Inglaterra e a subordinação económica daquele a este.
- De outro, pela contradição entre a Espanha e a Inglaterra.
Portugal e Inglaterra firmaram sucessivos tratados de aliança e no século XVIII, com o de Methween, a subordinação, antes definida, consolidava-se e permitiu que, quando se esboçou e se aprofundou o processo de desenvolvimento capitalista conhecido como Revolução Industrial, a Inglaterra tivesse em Portugal não apenas uma área subordinada, mas um instrumento eficaz em sua luta por novos mercados. Aqueles tratados visavam:
- Do lado inglês: assegurar o surto de sua produção manufactureira, penetrando e dominando o mercado metropolitano português e os mercados coloniais portugueses e espanhóis. Para atingir esse objectivo utiliza-se de Portugal para a conquista do mercado espanhol.
- Do lado português: assegurar a posição de sua produção vinícola no mercado britânico e eliminar a concorrência da produção francesa.
O sistema colonial fundado no monopólio de comércio antecede ao movimento expansionista da produção industrial britânica. O crescimento acelerado desta, exigia a abertura de novos mercados, a exploração de novas áreas. Com o desenvolvimento das colónias espanholas e portuguesas no continente sul-americano, seus mercados se ampliavam e apresentavam-se como alvo de interesse inglês. Portugal resistia às pressões inglesas para abertura de seus mercados coloniais, particularmente o Brasil, mas cedia progressivamente, enquanto a Espanha resistia.
Em relação a Portugal, a acção britânica se processava por via diplomática, através de sucessivos acordos chamados de aliança, aprofundando-se na fase de debilitamento luso, como a da Restauração, prolongada até meados do século XVIII; em relação à Espanha, se revestia de violência implacável e contínua, pontilhada apenas de acordos em que Madrid, ganhando uma pausa, fazia largas concessões. A competição comercial teve seus primeiros episódios, por isso mesmo, na guerra marítima dos corsários, quando as frotas espanholas eram atacadas, nas rotas para a Espanha, por piratas portadores de cartas de corso fornecidas pelas nações competidoras. Dessa fase de espoliação segue-se a de penetração directa nos mercados. As lutas entre Espanha e Inglaterra, em consequência, seriam prolongadas, tanto no cenário Europeu quanto no Americano, na proporção em que a rota do Atlântico assumia capital importância.
Campo Belo, 27 de Dezembro de 2006
Therezinha B. de Figueiredo