(Tanta discussão em torno do aeroporto da OTA e nem uma só ideia sobre a estratégia nacional para o transporte aéreo. Ora é justamente isto que está em causa) 1) O busílis da questão - Qualquer aeroporto, em qualquer latitude, conhece sempre um longo rol de condicionantes. A Portela não é excepção limitada como está por três ordens de restrições: (i) restrições quanto a ruído tolerável - que fixa um número máximo de operações (descolagens e aterragens) por tipo de avião e por hora; (ii) a área disponível - que foi sendo, lenta mas sistematicamente ratada pela expansão urbana; (iii) o cilindro de controlo do tráfego aéreo (CCTA), espaço necessário para que os aviões possam operar com total segurança. Maior tolerância legal ao ruído, e a frequência de operações (logo, o movimento anual de passageiros) poderia aumentar na proporção. Tivesse havido mais cuidado na organização territorial, e não faltaria espaço para construir um segundo terminal (para segregar os passageiros Schengen dos restantes), sem necessidade de demolições e de indemnizações (a capacidade operacional das pistas está ainda longe da saturação, como o Europeu 2004 veio demonstrar). Estivessem os aeródromos do Montijo e de Alverca um pouco mais distantes, e seriam alternativas viáveis - onde estão, os respectivos CCTAs sobrepõem-se ao da Portela (e, em parte, entre eles), o que significa que o tráfego de e para cada um só poderá ser assegurado à custa do dos restantes. Daqui não se conclua que a Portela é um aeroporto definitivamente ultrapassado, ou incapaz de sustentar uma estratégia sensata em matéria de transporte aéreo. Muito pelo contrário. A sua localização, na periferia de uma grande cidade (Lisboa é, já hoje, um pólo de primeira grandeza no circuito europeu dos congressos e das convenções, além de ser o porto de mar europeu mais demandado pelos cruzeiros turísticos - e ainda não acordou para a náutica de recreio), e o facto de a sua bacia de atracção representar a maior fatia regional no PIB português, são trunfos ímpares que revelam muito sobre a vocação deste aeroporto. Agora, não se espere que a Portela se transforme, de um dia para o outro, num hub intercontinental. E é aqui que bate o ponto. 2) A concorrência espanhola O aeroporto de Madrid/Barajas, de maneira calculada e persistente, tem vindo a ganhar importância no tráfego entre a Europa e a América Latina (isto é, América Central e Caraíbas e América do Sul). Com uma quota próxima dos 35% nesse tráfego, Barajas investe continuamente para se tornar o hub europeu nos voos transatlânticos abaixo da latitude 30º N (objectivo que, aliás, nunca escondeu). Tanto mais que a Ibéria integra uma aliança de transportadoras aéreas (One World) onde uma outra companhia (BA-British Airways) é igualmente forte nessas rotas havendo talvez ganhos de sinergia ainda por concretizar entre ambas. É, pois, evidente (e compreensível...) que Madrid/Barajas queira assumir-se como um hub intercontinental. Se o conseguir, relegará a TAP para a posição de transportadora aérea regional (no espaço europeu), obrigando-a a competir arduamente com companhias low cost. Sobreviverá a TAP num tal cenário, dado o peso da sua actual estrutura? É legitimo duvidar. Mas, face à estratégia metodicamente prosseguida por Madrid/Barajas, salta aos olhos que o que está verdadeiramente em causa, neste assunto, é a viabilidade futura do modelo de negócio que a TAP tem vindo a praticar o que é dizer, a continuidade da própria companhia e da sua contribuição para o PIB nacional. Valerá a TAP o esforço, e o risco, de um investimento de tamanha grandeza como é construir de raiz um hub intercontinental? E será que esse investimento, alguma vez, será recuperado (como o Governo quer fazer crer)? 3) As forças em presença A TAP, também ela, integra uma aliança de transportadoras aéreas (Star Alliance), onde a alemã Lufthansa ocupa posição destacada. A Star Alliance é particularmente forte nas rotas intra-europeias (ligações Norte/Sul sobre a Europa Central) e para Oriente (Leste Europeu, Rússia, Europa/Próximo Oriente e Europa/Extremo-Oriente); compete bem sobre o Atlântico Norte (Europa/Costa Leste dos EUA); mas, sem a TAP (e a VARIG), a sua presença nas rotas que cruzam o céu austral seria apenas simbólica. O que é dizer que a complementaridade do par TAP/VARIG, relativamente aos seus parceiros da Star Alliance, é praticamente total sendo enormes as sinergias de que poderá beneficiar: nenhum outro membro europeu desta aliança com ele compete sobre o Atlântico Sul. Pelo contrário, no seio da aliança One World são mais, e mais extensas, as sobreposições e algumas delas lançam luz sobre as fragilidades da Ibéria: a BA é, tradicionalmente, activa nas rotas das Caraíbas e para alguns países sul-americanos de habla hispânica (Argentina e Chile), sendo pouco provável que Londres/Heathrow venha a ceder a Madrid/Barajas a posição de hub todos os azimutes que, desde sempre, tem ocupado por direito próprio; LANChile acalenta também ambições quanto ao tráfego aéreo entre a Europa e a América do Sul (mas estará, sem dúvida, interessada no sucesso do hub de Madrid/Barajas); enfim, a presença da Ibéria no mercado brasileiro é insignificante, e a sua imagem, aí, deixa bastante a desejar. É, porém, nas rotas de África (sobretudo África Ocidental e do Sul) que os argumentos da Ibéria (logo, de Madrid/Barajas) se afiguram bem menos convincentes: aí, só a BA marca presença de relevo. O que me leva a concluir que a estratégia espanhola para a criação de um hub intercontinental (ver: 2) não será tão sólida quanto parece: é pouco diversificada (concentrada como está no tráfego para a América Latina, mas sem uma forte presença no Brasil) e conta com aliados reticentes. Mas há que reconhecer também que a Star Alliance tem fraca expressão nas rotas do Atlântico Central (Europa/Miami e Europa/Caraíbas, embora estas últimas sejam dominadas por voos charter). Sobra, neste jogo de alianças globais, a Skyteam, onde só a Air France (agora fusionada com a KLM) pontua nas rotas para o Atlântico Sul. Não surpreenderia que a Skyteam, na tentativa de reforçar a sua presença nestas rotas, procurasse um entendimento com um qualquer hub intercontinental peninsular que se dispusesse a operar em articulação com o hub de Paris. Em resumo: penso não estar a ser excessivamente optimista quando concluo que um hub intercontinental localizado em território português e baseado no actual plano de negócios da TAP poderá competir de igual para igual com Madrid/Barajas. Desde que.... 4) Linhas estratégicas Portugal continental dispõe de cinco aeroportos aptos para o tráfego de passageiros nas principais rotas aéreas europeias. Destes, Faro conhece as limitações próprias de um qualquer aeroporto de destino turístico (resta apurar que fluxos turísticos lhe convirá mais atrair), embora nada impeça que venha ainda a explorar o tráfego aéreo associado à rotação de passageiros nos cruzeiros marítimos. Mas, que fazer dos restantes? É aqui que a argumentação a favor da Ota tropeça, tanto mais que, em qualquer parte do mundo civilizado, construir um novo aeroporto é sempre acrescentar um nó mais à rede dos aeroportos já existentes ou seja, nada ficará como dantes. Atendendo aos propósitos deste artigo, vou limitar-me a esboçar e a traço muito grosso umas quantas ideias: a) Aeroporto do Porto/Francisco Sá Carneiro vocacionado para captar o tráfego aéreo do Noroeste peninsular de e para a Europa (já ponto-a-ponto, já para dar acesso a hubs intercontinentais); as suas principais componentes serão Negócios (pessoas e mercadorias) e, em menor medida, Turismo, embora possa conhecer picos sazonais de Fluxos Étnicos; b) Aeroporto de Lisboa/Portela totalmente dedicado às componentes Negócios e Turismo no espaço europeu, podendo ser utilizado por companhias high-low cost; c) Hub intercontinental especializado nas rotas do Atlântico Central e do Atlântico Sul (América do Sul e África Ocidental e do Sul), estendendo a sua influência às costas do Pacífico abaixo de 30º N, mas aberto também à utilização por companhias low-low cost; d) Aeroporto de Beja a reconfigurar como hub intercontinental para mercadorias (sobretudo, perecíveis em contra-estação), correio e outros tráfegos com requisitos de segurança especiais. Repare, leitor, que escrevi hub intercontinental e, não, Ota. A razão de tanta cautela vem já a seguir. 5) Condições de viabilidade de um hub intercontinental A utilidade de um aeroporto (intercontinental ou de qualquer outro tipo), não se mede pela sumptuosidade das suas instalações. E para quem olvide esta verdade elementar, aí está o aeroporto de Atenas a recordar o que acontece quando a investimentos desmesurados se seguem taxas aeroportuárias insensatas: o aeroporto passa a ser visto, unicamente, como um destino final; as grandes correntes de tráfego aéreo evitam-no; e, por último, a companhia aérea de bandeira (no caso, a Olympic Airways) é varrida dos céus em pouco tempo. Decisivos, decisivos mesmo, são os seguintes sete critérios: (a) a segurança das operações aéreas (aqui, a reputação da ANA não tem igual no contexto peninsular); (b) a funcionalidade das instalações nas operações de embarque e de desembarque (em particular, quando estejam envolvidos aviões que transportem mais de 250 passageiros); (c) a comodidade oferecida aos passageiros que esperem a hora de embarcar; (d) a segurança no manuseamento (handling) de bagagens e de cargas; (e) a credibilidade internacional de quem o administre; (f) a área de expansão disponível, a custos razoáveis (o que aponta para soluções modulares); (g) e, por último, mas não menos importante, o nível das taxas cobradas a passageiros e a aeronaves. Como não é crível que sejam os contribuintes portugueses a suportar, já o investimento inicial, já ano após ano os custos de funcionamento de um hub intercontinental (sob o pretexto de que se trata de algo que muito os beneficia e os deve encher de orgulho) a questão central é conhecer, quanto antes, qual o valor máximo admissível, para lá do qual o espectro do aeroporto de Atenas não deixará de fazer a sua aparição. Ora esse tecto que, em nenhumas circunstâncias, deverá ser ultrapassado é dado por uma conta muito simples: volume esperado (de tráfego) x taxas competitivas (no contexto internacional). Ou seja, quem deve dizer qual o montante a investir num aeroporto não são os que concorrem à sua construção (mais interessados em engrossar a factura), mas a entidade que irá administrá-lo. 6) À guisa de epílogo Segundo vejo, a Ota tropeça no critério f (expansibilidade) sendo certo que qualquer entrave ou demora na expansão do hub, em resposta à pressão da procura, será sempre um brinde dado de bandeja ao competidor peninsular. Mas, se as coisas são assim tão simples, porque diabo persiste o Governo em dar-nos explicações mirabolantes? A. Palhinha Machado
3 comentários
Anónimo 14.01.2006 18:56
Só para adicionar que a «EP» que mencionei é a NAV-EP (www.nav.pt).
Já agora bom proveito para o jantar, mas ao escrever de Faro sou um ausente «forçado» ...
Antes de mais os meus parabéns por este bom artigo, com muitas «guidelines» para explorar. Permita que lhe adicione um tema que não pode estar ausente quando se fala de «linhas orientadoras» aeroportuárias - e que embora sempre esquecida lhe tem de estar (sempre) associada - e que se poderá chamar «linhas orientadoras» do espaço aéreo nacional. E «isto» quanto mais não seja pelas «orientações comunitárias» de «unificação do espaço aéreo europeu» (Single Sky Iniciative), onde temos uma EP que, embora não comparticipada pelo Estado nos «serviços públicos» que efectua, «luta» (ou se «adapta» a estes tempos ... ) contra congeneres de outros países cujos Estados assumem os custos desse «serviço público», tornando-as não só competitivas na captação de tráfego como, por consequência, ambiciosas na futura redefinição do espaço aéreo europeu (e protegendo assim a soberania do «seu» espaço aéreo). Aqui fica um humilde comentário. Cumptos amgamg </a> (mailto:apcmg_1@clix.pt)