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A bem da Nação

DIÁLOGOS PLATÓNICOS - II Série – Nº 1

 

AS EMPRESAS SERVEM PARA SERVIR O HOMEM

 

Discípulo: – Mestre! Boa tarde, sou o seu novo discípulo. 

Mestre: – Ah olá, meu novo discípulo. Boa tarde para si também. Gosto em o conhecer. Donde vem?

Discípulo: – Venho lá daquele sítio em que se ouve dizer que a Nação precisa de quem dela cuide.

Mestre: – Ah!, sim. Sei muito bem de que sítio se trata. E que mais dizem por lá?

Discípulo: – Que isto está uma grande crise, que está tudo do pior, que o Governo nos “come as papas na cabeça”, que nos estão a entrar pelos direitos adquiridos e  . . . só desgraças.

Mestre: – Só desgraças . . . E que dizem por lá que é preciso fazer?

Discípulo: – Bem, acho que dizem que os Funcionários Públicos é que vão ter que pagar a crise, que as Escolas já não são o que eram, que as empresas estão todas a fechar por cá e a deslocalizar para outros lados, que não se arranja empregos . . .

Mestre: – Sim, sim. Mas e que dizem que se deve fazer?

Discípulo: – Ah! Isso eu não sei se eles sabem. O que por lá se diz é que estas mudanças são para pior e que assim não vale. Bem, eu acho que eles querem que os Funcionários Públicos ganhem mais, que as Escolas sejam dirigidas pelos Delegados dos Sindicatos dos Professores, que as multinacionais sejam proibidas de fechar as fábricas que têm cá, que seja proibido aos patrões despedir os empregados. E acho que também não querem descontar tanto IRS e pagar tanto para a Segurança Social. Ah! Já me esquecia: que essa coisa das taxas moderadoras quando se vai ao Hospital por causa da constipação da criancinha, também deve acabar.

Mestre: – Acham, então, tudo muito injusto.

Discípulo: – Sim, claro! Também já me esquecia que não se pode contar com a Justiça. Que os culpados continuam todos cá fora e que só os desgraçadinhos que não podem pagar a advogados caros é que vão dentro.

Mestre: – Bem, isso o que por lá se diz. E Você o que acha? Concorda com eles?

Discípulo: – Ora, Mestre: eu acho que eles têm razão mas, na dúvida, decidi passar por cá para ouvir o que o Mestre tem para me dizer.

Mestre: – Muito bem. Tenho muito prazer em conversar consigo. Está a fazer-me lembrar daquele ditado muito antigo que diz que “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

Discípulo: – Não percebo . . .

Mestre: – Se houvesse fartura, se pudéssemos satisfazer as nossas necessidades sem esforço, se as benesses caíssem do Céu, todos andaríamos satisfeitos, de cara alegre. Mas, pelos vistos, a insatisfação é geral e o que interessa a uns não interessa a outros.

Discípulo: – Sim, parece que é isso.

Mestre: – Creio que o primeiro problema dessa casa onde tanta coisa se diz é o de “não ter pão”. E se não tem pão, também não o pode distribuir. Portanto, a primeira coisa a fazer é produzir o pão em falta.

Discípulo: – Mas como, se as empresas fogem para outros lados?

Mestre: – Só fogem as que têm problemas a mais e que tanto lhes faz estarem cá como noutro lado qualquer que não tenha tantos problemas. As que tenham problemas verdadeiramente endógenos continuarão com esses mesmos problemas mesmo que fujam para o outro lado do mundo. As empresas que fogem de si próprias só têm uma solução: fecharem definitivamente as portas e pouparem o esforço da deslocalização. E também, estar a Nação a suportar empresas que não prestam, mais vale fechá-las e partir para nova situação, com os problemas de concepção previamente resolvidos. Fundamentalmente, fogem de cá as que procuram mão-de-obra barata. São essas que vão acabar na China e noutros lados do género. Algumas ainda fazem a parte de passar pelos países do Leste Europeu para “comerem” algumas ajudas da União Europeia mas o verdadeiro destino delas é a China, de preferência numa zona rural bem longe das já sofisticadas Zonas Económicas Especiais e de Xangai onde há pouco tempo as férias anuais tiveram um incremento de 66,7%.

Discípulo: – O quê? Um incremento desses é perfeitamente fantástico! Tomara nós, cá na Europa.

Mestre: – Sim, é uma grande regalia para os trabalhadores dessas zonas. As férias anuais passaram de 3 para 5 dias . . . sem subsídios, claro.

Discípulo: – Mas isso é ridículo! . . .

Mestre: – Claro que é ridículo. Mas é com esse tipo de situações que a globalização nos pôs a concorrer. Portanto, empresas que pretendem esse tipo de custos, estão cá a perder tempo e não faltará muito para que se fartem das Roménias e Bulgárias. Logo que acabem os subsídios comunitários há-de ser vê-las a emalar a trouxa até às margens do Yang Tsé Quiang, de preferência a montante da longínqua barragem das Três Gargantas.

Discípulo: – Porquê para tão longe?

Mestre: – Deve ser dos locais mais próximos da escravatura.

Discípulo: – Da escravatura? E Mao Tsé Tung não fez nada pelas massas populares?

Mestre: – Claro que fez: propaganda, demagogia e exploração da miséria. Na dúvida, vou lá brevemente para me certificar de que estou a dizer a verdade.

Discípulo: – Não acha que a globalização vai harmonizar tudo isso?

Mestre: – Sim, creio que vai funcionar como o princípio dos vasos comunicantes mas para que isso aconteça é imprescindível que os vasos comuniquem mesmo e essa comunicação é muito teórica e pouco prática. Repare bem: livre circulação de bens e capitais mas enormes condicionantes à mobilidade de pessoas. As migrações estão brutalmente condicionadas e disso são testemunha todas as praias da Europa mediterrânica. E quando Chris Patten – último Governador inglês de Hong Kong – impôs férias anuais de um mês e o correspondente subsídio, os Sindicatos içaram bandeiras de contentamento mas os trabalhadores não partiram em gozo dessas férias com receio de encontrarem o posto de trabalho ocupado quando regressassem. Portanto, a comunicação entre os vasos vai demorar muito tempo até que se torne efectiva e, entretanto, temos que fazer alguma coisa a favor da nossa própria sobrevivência. Ou seja, temos que partir para outra, não nos podemos deixar ficar a lamber a feridas, pendurados num desemprego de longa duração pois não haverá mais quem pague as verbas necessárias ao subsídio por que esperamos.

Discípulo: – Mas fazer o quê?

Mestre: – Deixarmos de pensar nas empresas que usam trabalho de pouca qualificação produzindo artigos de pequeno valor acrescentado e passarmos para a produção de bens e serviços de alta tecnologia com base em novas ideias. Mas mesmo nos Sectores tradicionais, não vale a pena perder tempo a produzir chinelas de meter o dedo que a China e a Indonésia produzem muito mais baratas nem se justifica produzir confecções téxteis “à façon” para etiquetas muito chiques e caras nas lojas mas fracas pagadoras. Interessa competir nas linhas mais sofisticadas e caras de sapatos e ter etiquetas próprias de confecção topo de mercado, tudo enquanto por cá houver mão-de-obra disponível para esse tipo de trabalhos tão mecanizados quanto possível. A partir do momento em que escasseie essa mão-de-obra, as empresas lá terão que zarpar para regiões onde exista disponibilidade laboral para o exercício desse tipo de funções ou, então, lá terão que mudar de negócio e em vez de sapatos terão que passar a produzir sofisticados circuitos integrados de aplicação na informática moderna e em vez de saias e casacos poderão ter que diversificar para a concepção de geradores eólicos de uma qualquer nova geração . . .

Discípulo: – E acha que essas mudanças tão drásticas são possíveis?

Mestre: – O que eu acho é que quando um negócio deixa de ter condições para funcionar, deve cessar e os seus proprietários devem “partir para outra”. As empresas servem para servir o homem. Se deixam de exercer essa missão essencial, devem ser extintas sem mais delongas nem paninhos quentes. Não faz sentido manter em laboração uma empresa à custa de subsídios. Esse dinheiro – habitualmente público – pode ser alternativamente aplicado em investimento com remuneração mais evidente e socialmente mais útil do que travestir asilos em fábricas.

Discípulo: – E o que se faz ao pessoal? Vai para o Desemprego?

Mestre: – A mão-de-obra indiferenciada tem sempre alguma aplicação um pouco por toda a parte, nomeadamente na Economia Biscateira, esse grande pára-choques contra as rupturas. Também admito que sejam importantes as empresas de segurança, de estafetas, de distribuição de «fast-food», de reparações de imóveis, de jardinagem, de limpezas domésticas e de escritórios, etc. Todo o tipo de negócios simples que podem absorver muita gente sem grandes qualificações profissionais. É por isso que eu acho que nem todas as actividades podem ser tratadas do mesmo modo. Uma empresa de estafetas não tem margem operacional que lhe permita pagar encargos sociais da tabela aplicável a um Banco nem sequer a uma fábrica de moldes para a indústria de plásticos. Não podemos continuar com uma tabela única de descontos. Os negócios são diferentes, as condições têm que ser diferentes. É por isso que, na perspectiva do trabalhador, a carreira contributiva de cada um não tem obrigatoriamente que ser definida por um único padrão. Mas isso já são outras questões de que poderemos falar mais tarde.

Discípulo: – Então, em vês de desemprego, falamos de um desemprego oculto à moda das economias soviéticas?

Mestre: – Não, de todo! Estas empresas de baixo valor acrescentado desempenham uma função economicamente útil, são procuradas, têm cabimento na Economia de mercado, não são parasitas. Não podem é ser tratadas como se gerassem elevado valor acrescentado porque o que elas fazem é acrescer pouco valor.

Discípulo: – E como é que se deveria fazer para distinguir umas das outras?

Mestre: – Cada Sector de actividade tem características próprias sobejamente conhecidas. Há problemas muito mais complexos. Por exemplo, um dos problemas que tem que ser desmistificado é o do Salário Mínimo Nacional porque nem todos os Sectores – sobretudo estes de que estamos agora a tratar – consegue cumprir esses níveis de remuneração.

Discípulo: – Como assim?

Mestre: – O Salário Mínimo Nacional tem um nível determinado politicamente e não numa perspectiva de viabilidade económica. Se é ridículo para alguns Sectores, é um exagero incomportável para outros e a Economia não se faz só de Sectores ricos. O que sucede é que todos aqueles que não conseguem cumprir estes normativos, se vêem obrigados a passar à clandestinidade e então é que o Fisco e a Segurança Social perdem tudo em vez de ganharem alguma coisa.

 Jardineiros e banqueiros não têm que descontar do mesmo modo para a Segurança Social

Discípulo: – Quem tudo quer, tudo perde?

Mestre: – Nem mais.

Discípulo: – Podemos então concluir por hoje?

Mestre: – Sim, podemos.

Discípulo: – A Economia Biscateira é a salvadora da situação, tem que ser fiscalmente acarinhada e os respectivos trabalhadores têm que ter um regime contributivo especial.

Mestre: – A Economia Biscateira está na fronteira entre a Economia Oficial e a Economia Paralela. As condicionantes legais e regulamentares não podem ser iguais.

 

Lisboa, Outubro de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

 

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