QUANDO IRÁ O FISCO AO LUPANAR?
“Os Governos são os grandes fomentadores da economia paralela”, eis o que alguns propalam por aí.
Tenho a economia paralela e sua quantificação como casos de Polícia. Daí a aceitar que ela seja fomentada pelos Governos é algo que à minha primeira vista não faz sentido.
Nada sabendo acerca da componente criminosa e fazendo apenas uma grosseira definição das parcelas não dolosas, encontro-me numa situação que presumo comum à generalidade das pessoas que não se dedicam ao crime nem à investigação criminal. Daqui à sua quantificação vai um espaço que não consigo cobrir sem aplicada ajuda policial.
Dentre as actividades que saíram da economia oficial por motivos não ligados ao crime enquadro as «maquizardes», ou seja, as que tiveram que passar à clandestinidade por não conseguirem suportar as obrigações legais quer no que respeita ao enquadramento regulamentar quer sobretudo à fiscalidade.
Se para as que se baseiam nas actividades criminosas só vislumbro soluções de cariz policial, para as do segundo grupo só vejo como solução a desregulamentação e a redução da carga fiscal.
Contudo, há um grupo de actividades que não são ilegais e que estão fiscalmente referenciadas mas que pura e simplesmente não emitem facturas para além do estritamente necessário à prova de que estão activas ou à não aplicação do artigo 35º do Código das Sociedades. Não me refiro à economia simplesmente biscateira desenvolvida à sombra de baixas fraudulentas da Segurança Social e do Subsídio de Desemprego mas sim a algo de mais substancial, nomeadamente a algum trabalho independente e até de “porta aberta para a rua”. A todas estas chamo translúcidas uma vez que não são opacas (criminosas) nem transparentes (porque fiscalmente evadidas).
E porque é que essas actividades assim procedem? Porque pretendem manter-se em níveis de rendimentos oficiais tão baixos quanto a decência permita e porque os clientes não têm qualquer interesse fiscal em possuírem um documento relativo à despesa que tenham feito. E, no entanto, bastaria motivar fiscalmente a clientela para que essas actividades tivessem que passar a emitir a documentação apropriada e concomitantemente a enquadrarem-se por completo na economia oficial.
Se não se pode descontar no IRS a despesa que se faz com o “conforto” do animal de companhia, então mais vale poupar no IVA . . . Bastaria que se pudesse descontar esse tipo de despesas no IRS (e já nem sequer me refiro ao desconto integral das despesas realizadas mas a uma percentagem de 50%, p. ex.) para que os recibos passassem a existir, o IVA a ser cobrado e o volume de negócios sectorial declarado a aproximar-se da dimensão que se diz possuir.
Afinal, até parece que é verdade: são os Governos que, com estas proibições, promovem a evasão fiscal e enviam inteiros sectores de actividade para fora da economia oficial.
É com base nestas realidades que nasce a tese que diz que se todos pudermos descontar todas as despesas no IRS, as receitas públicas aumentam. E como não poderia deixar de ser, também existe a antítese que afirma que os novos descontos no IRS ultrapassariam o aumento das receitas pelo que o encaixe público seria menor.
Como será?
O actual método de cálculo da matéria colectável – tanto para efeitos de IRS como de IRC – apenas permite o desconto de algumas despesas.
Imaginemos o seguinte cenário:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (30%) = 30
Matéria colectável = 70
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 21
Admitamos agora que sobre metade das despesas não dedutíveis (35), o Contribuinte, ao não pedir recibo, permite que nessas transacções o lado da oferta se evada fiscalmente. Ou seja, no nosso modelo, a evasão fiscal assume a dimensão de 35 pelo que só 65 se enquadram na economia oficial: os 30 já “agarrados” pela dedutibilidade das despesas no lado da procura mais os 35 do lado da oferta que não passaram à clandestinidade apesar de corresponderem a despesas não dedutíveis.
Nestas circunstâncias, do lado da oferta, o mesmo modelo será como segue:
Matéria tributável no IRC = 65
Despesas dedutíveis (30%) = 19,5
Matéria colectável = 45,5
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 13,65
COLECTA TOTAL (IRS + IRC) = 34,65
IVA, à taxa de 21% (sobre 65) = 13,65
RECEITA PÚBLICA TOTAL = 48,3
Imaginemos agora que o Governo fazia aprovar um novo método de cálculo do IRS permitindo o desconto de mais despesas, agora para 50% em vez dos 30% do exemplo anterior. Introduzindo apenas essa variação no modelo do lado da procura, sucederá o que segue:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (50%) = 50
Matéria colectável = 50
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 15
Continuemos a admitir que sobre metade das despesas não dedutíveis (25) pela procura, o lado da oferta nessas transacções se evada fiscalmente. Assim sendo, a evasão fiscal assume a dimensão de 25 e ao universo tributável inicial (65), há agora que juntar aqueles que abandonaram a clandestinidade (25) para constituírem um novo universo tributável do lado da oferta já com a dimensão de 90 num total de 100.
Matéria tributável no IRC = 90
Despesas dedutíveis (30%) = 27
Matéria colectável = 63
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 18,9
COLECTA TOTAL (IRS + IRC) = 33,9
IVA, à taxa de 21% (sobre 90) = 18,9
RECEITA PÚBLICA TOTAL = 52,8
E assim sucessivamente até à exaustão da economia translúcida para o que bastará os Governos, à semelhança do que parece suceder nos EUA, permitirem que a procura – apenas os singulares para efeitos de simplificação do modelo – deduzam todas as despesas na declaração anual de rendimentos para efeitos de cálculo da matéria colectável.
Neste exemplo apenas permiti que os singulares deduzissem mais despesas aos seus rendimentos declarados e nada fiz quanto aos colectivos. Se procedermos de igual modo quanto a estes, poderemos trazer de volta à economia oficial as tais empresas «macquizardes» que não suportam a actual carga fiscal e se se voltar a legalizar a prostituição – com o inerente controlo sanitário que “in illo temporae” em Lisboa funcionava onde hoje se localizam as mais novas instalações do ISEG – poderá essa actual componente criminal passar do campo opaco para o translúcido e o Fisco a obter alguma receita a partir duma fonte que actualmente lhe está totalmente vedada. Mas restam as maiores dúvidas sobre se o Fisco tem vontade de ir ao lupanar . . .
Tavira, Agosto de 2006
Henrique Salles da Fonseca