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A bem da Nação

CRÓNICA DO BRASIL

Perder  um  amigo

 

Cada vez que um amigo se vai é grande a nossa perda. E quando esse amigo, durante toda a sua vida, se preocupou com o nosso bem estar e segurança, jamais discordou com as nossas opiniões políticas, pessoais ou desportivas, respeitando sempre (quase!) o espaço que era devido a cada um, mais falta ele faz. Era um amigo especial.

Veio novo para nossa casa e aqui viveu sempre, nada mais exigindo do que a comida que se lhe dava, qualquer que ela fosse, e um canto para dormir. Nunca teve ganâncias de ser rico, nem se preocupava com os roubos dos mensalões e sanguessugas. E enquanto a família dormia despreocupada, porta da rua no trinco, o nosso amigo aparentava também dormir, mas não perdia um único movimento ou ruído que acontecesse por perto. Vigiava, ar tranquilo, bonacheirão, simpático.

Com esta descrição parece um amigo raro, especial. Especial era, raro não. Com cerca de sessenta quilos de peso, nos últimos dias de vida já não conseguia pôr-se de pé. Arrastava-se, ar triste e meigo, e à sua volta todos da casa se multiplicavam para lhe aliviar o sofrimento. Doente e velhinho, morreu com nove anos. Com todos estes predicados de bondade, respeito e amizade, dificilmente poderia ser um humano. Era o nosso guarda! Um cão.

Como disse Schopenhauer: “quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”! Quase chega a ser uma verdade universal, quando assistimos, em permanência e permanente insistência, à ganância cega pelo poder, à política individualista, aos tribunais condenando ou absolvendo sem respeito pelas leis e pela sociedade, à ausência de dignidade no combate ao tráfico e ao banditismo, às guerras para vender armas, ao terrorismo louco, ao conformismo, à falta de ética e de cidadania, ao desprezo pelo Outro, e tanta vergonha mais.

Os cães têm outra, mais, dignidade. É triste chamar ao cão o melhor amigo do homem quando o melhor amigo do homem deveria ser o próprio homem!

Vinde, Espírito Santo, outra vez, e metei na cabeça dos homens que a Torre de Babel é coisa antiga, do Antigo Testamento. Já é mais do que tempo de falarmos a linguagem da Paz e da amizade.

Entre todos os homens. E os cães também.

 

Rio de Janeiro, 15 de Agosto de 2006

 

Francisco Gomes de Amorim

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