DO LADO DE CÁ
Do lado de cá pensamos pelas nossas próprias cabeças mas não negamos um conjunto de princípios em que fomos educados e que enformam genericamente os nossos raciocínios.
Ao conjunto desses princípios chamamos, do lado de cá, civilização ocidental, de base eminentemente greco-romana e judaico-cristã mesmo quando agnosticada; aos outros conjuntos de princípios genéricos chamamos civilização árabe, budista, hindu, maori, etc. e todos esses se situam noutros lados que não no de cá, no nosso.
Cada sociedade foi ao longo dos séculos lidando consigo própria e – empunhando umas mais que outras a divina espada como instrumento de fidelização das gentes – construindo o respectivo Código de Conduta. E, de facto, todos temos a orientação comportamental como algo de fundamental para enquadramento das vontades imanentes de cabeças mais ou menos serenas. Assim foi que cada civilização foi estabelecendo a sua própria fronteira entre dois conceitos universais mas de contornos particulares: o bem e o mal.
Mas há pedras no caminho e nós, na Civilização Ocidental, também tropeçámos nalgumas. Foi há bem pouco tempo que nos esfarrapámos contra esses dois escolhos civilizacionais que deram pelos nomes de Hitler e Estaline mas – porque tínhamos uma base comportamental consolidada – conseguimos regressar à normalidade com alguma rapidez, pesem embora os milhões de mortos que ficaram nas bermas da estrada. Quase esquecemos entretanto quem nos pôs esses obstáculos no caminho, Chamberlain e Kerensky, duas personalidades que claramente não estiveram à altura do que delas a História pedia. É que tanto um como outro lidaram com os adversários com a lhaneza em que haviam sido educados sem repararem que não se tratava de adversários mas sim de inimigos. E do lado de cá, há uma diferença fundamental entre adversários e inimigos: o adversário deve ser derrotado; o inimigo deve ser destruído.
E porque é que um e outro não estiveram à altura? Porque pactuaram com o contrário. Porque não notaram – ou deram por irrelevante – que as regras de conduta estavam postas em causa, que o padrão civilizacional estava à beira da ruptura. E quase rompeu: o rasgão de Hitler demorou 13 anos a consertar mas o de Estaline (e de seu “padrinho” Lenine) demorou 70 anos a remendar e é claro que ambos deixaram sequelas. E se pela primeira vez na História, em Nuremberga se julgaram os crimes do nazismo ao abrigo do Direito Natural, já os crimes do comunismo apenas ficaram registados “para memória futura” . . .
Um dos conceitos que no Ocidente temos como fundamental é o do respeito pela vida humana. A sacralização da vida faz parte da essência do nosso Código de Conduta; o seu respeito nem sempre tem sido cumprido com a pureza que um pilar básico civilizacional exige mas por isso é que existem as punições pelas infracções cometidas, compiladas nos vários Códigos Penais que cada Nação vai produzindo. Mais: durante muito tempo, quem atentasse contra a própria vida e consumasse o acto, não tinha direito a funeral católico.
Como forma de defesa da sacralização da vida, inventámos a carreira militar à qual só se teria acesso com base no voluntariado uma vez que se tratava de uma actividade em que a vida sempre estaria em risco; e por isso é que o Serviço Militar Obrigatório é uma aberração civilizacional a que as Nações só devem recorrer em situações de perigo extremo e – de preferência, se para isso houver tempo – com base numa decisão democrática claramente maioritária.
Militar tem, portanto, a missão de combater o inimigo externo à sua Nação pondo em risco a sua própria vida. Por isso mesmo, ele próprio e respectiva família auferem de um estatuto de protecção especial mais favorável do que o disponibilizado aos civis: se ao militar a Nação exige a disponibilidade da vida, a Nação protege o militar para além da vida.
Mas militar luta contra militar sem civis de permeio pois isso significaria pôr o seu próprio estatuto em causa. Do lado de cá, é cobardia um homem esconder-se por trás de outro para se encobrir do inimigo. Por maioria de razão, na civilização greco-romana-judaico-cristã, é uma aberração um homem esconder-se por trás de mulheres e crianças. Mais: isso confere-lhe o estatuto de aberrante e ignóbil cobarde.
Eis agora que chegámos a uma situação em que Israel é mais uma vez posto em causa pelos seus inimigos mas com a diferença fundamental relativamente às guerras anteriores de que, desta vez, o inimigo se esconde por trás de mulheres e crianças. Dá para recordar a expressão de Mao Tsé Tung quando ele dizia que “o povo é o estrume em que fermenta a revolução”. Sim, esse também não tinha nada de poético e pasmo quando noto muitos jornalistas europeus encarniçados contra Israel porque bombardeiam mulheres e crianças. E pasmo quando o silêncio jornalístico se faz ao saber-se que o refúgio dessas mulheres e crianças em Canaã era um arsenal de rockets do Hezbollah e que os Capacetes Azuis bombardeados e mortos por Israel estavam reféns dos muçulmanos que deles se serviam como um escudo humano com martírio de propaganda eficaz. E pasmo que esses jornalistas não reparem que o que está em causa é a Civilização Ocidental a que eles próprios pertencem. Mas noto que essa gente noticiadeira é muito sanguinária e que só querem é sangue e mais sangue. Autênticos vampiros, querem à viva força filmar criancinhas muçulmanas desgrenhadas e, de preferência, despedaçadas e correm a trás dos acontecimentos sem notarem que lhes estão a impingir propaganda de quem faz o mal e a caramunha. É que se, para nós, a vida humana é sagrada, para os actuais muçulmanos o povo é o estrume em que fermenta a revolta de Allah.
Apetece-me notar que, sendo os israelitas amigos dos americanos, a esquerda europeia continua com o tique soviético de combate ao poderio americano e, portanto, põe-se do lado de quem o afronta sem olhar a meios para alcançar esse fim. E como na nossa Civilização, a Ocidental, os fins não justificam os meios, esses nostálgicos da Guerra-fria cometem mais um adultério ao lidarem com um princípio estranho à nossa moral. E também é estranho que não tenham ainda notado que estão a fazer um favor a Mrs Hillary Clinton na sua pré-campanha para a Casa Branca, do mesmo se encarregando alguma plêiade democrata americana que critica tudo o que seja feito pela actual Administração e só pelo facto de ser ela a fazer: lembro-me de Joseph Stieglitz, Nobel da Economia em 2001, que vem escrevendo coisas que em tempo de guerra o poderiam incriminar. Felizmente para ele, os EUA não vivem actualmente num regime de guerra declarada.
Bem sei que americanos e judeus não são flores de cheiro mas também sei que os que se lhes opõem cheiram mal.
E para que não restem dúvidas, informo os meus leitores de que – tanto quanto a memória familiar regista – não tenho ascendência judia pelo que o apoio que moralmente dou a Israel na sua luta pela sobrevivência tem tudo a ver com o meu posicionamento na Civilização Ocidental de raiz greco-romana-judaico-cristã. Mais: enquanto forem os judeus e os americanos a assegurarem a defesa militar do Ocidente contra os muçulmanos que querem retomar o Al Andaluz e por certo também o Algarve de aquém-mar por onde mandaram até que o nosso rei D. Afonso III o conquistou, eu posso tranquilamente continuar do lado de cá a passar férias em Tavira e a escrevinhar estas coisas.
Sim, tudo isto tem como objectivo pôr em causa a Civilização Ocidental, tudo visa à expulsão judaica da Palestina e, no limite, à reconquista do sul da Península Ibérica.
Não tivessem todas estas confusões a ver com a nossa Nação e não gastaria eu um minuto com uma guerra que já dura desde os tempos bíblicos. E tudo pela causa original do pastoreio dumas cabras famélicas . . .
Tavira, Agosto de 2006
Henrique Salles da Fonseca