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A bem da Nação

CURTINHAS XVIII....

FATWAS À PORTUGUESA

v      Circulam pela Internet textos vários que incitam os portugas a boicotar tudo o que cheire a GM - por causa do encerramento da fábrica de Azambuja, naturalmente.

v      Tenho para mim que é sempre mau deixar que o coração tome o lugar da razão. Por norma, acaba-se dando tiros no pé, quando não pelo corpo todo.

v      Para quem viva arredado destes faits divers esclareço que a GM, nos EUA, está à beira da falência, devido a anos de gestão azarada e a um generoso esquema de pensões de reforma impossível de cumprir. Cá pela Europa, ressalvando o mercado alemão, também não goza de melhor saúde - sobretudo, depois de ter entregue à FIAT um balão de oxigénio financeiro de muitos, muitos milhões de USD que deram novo, mas curto, alento à periclitante marca italiana.

v      Perante este quadro, duas perguntas, desde logo, se impõem: Cegos ao que se passa à nossa volta, queremos continuar a apostar recursos e futuro num grupo empresarial que está em risco de se dissolver de um momento para o outro? E se a GM, entretanto, solicitar a protecção judicial face aos credores (o famigerado Chapter XI), para não imaginar pior, o que acontecerá à fábrica portuguesa e aos que lá trabalham?

v      E o que é, afinal, a fábrica de Azambuja? É uma linha de montagem mono-marca - ou seja, o troço da indústria automóvel que, graças aos robots, utiliza a mão-de-obra menos especializada de toda a fileira.

v      Interessante, sim, seria trabalhar no design de modelos, desenvolver e fornecer peças, componentes, ferramentas e acessórios - actividades que fazem apelo a maior especialização, geram maior volume de emprego e atingem clientelas mais diversificadas.

v      Bem vistas as coisas, quando se quer estar na indústria automóvel sem correr o risco de marcas próprias: (a) ou se incentiva a montagem, na esperança de induzir a formação de um cluster de fornecedores locais; (b) ou, então, começa-se por apostar no cluster de fornecedores locais para, em seguida, atrair montagens (etapa industrial final)- com o propósito último de, por razões logísticas, criar um mercado cativo para os fornecedores locais; (c) ou só resta andar ao sabor do vento – como parece ser o caso.

v      Com isto quero dizer que a verdadeira ameaça para a economia portuguesa provém, não do encerramento da fábrica de Azambuja, mas de a GM (Casa mãe) se acolher à protecção do Chapter XI ou, pior, desaparecer tout court.

v      Quando, na indústria automóvel, a nível mundial, existe capacidade em excesso, é de temer que o mercado não dê pela falta de umas quantas marcas em declínio (dito de outro modo: caso a GM entre em colapso, não é de crer que apareça alguém a relançar as suas actuais marcas e as respectivas produções). Isto, sim, é que deveria preocupar-nos a todos, pois, a acontecer, propagaria para montante a má-fortuna da GM - com efeitos directos no cluster de fornecedores nacionais.

v      Se o Governo quisesse agir sensatamente, começaria por ponderar muito bem os riscos de persistir na presença industrial, entre nós, de uma GM que luta desesperadamente por sobreviver.

v      Se viesse a considerar esses riscos aceitáveis, o Governo poderia manifestar, com diplomática fleuma, a sua disposição de apoiar os planos de recuperação que a GM, ou alguém por ela, está a gizar. Por exemplo, abrindo uma linha de seguro de crédito específica, em condições competitivas, que cobrisse as relações do cluster nacional com a GM, numa base contratual, regular e continuada.

v      Poderia também propor-se estudar com a GM a logística (complicada como facilmente se imagina) tanto das suas actividades no Sudoeste europeu, como da distribuição das suas viaturas entre a Europa do Sul, os EUA, a África do Norte e Ocidental e a costa atlântica da América do Sul. Sines existe precisamente para isto. Mas, como tudo indica, continuarão a ser os portos marítimos de Barcelona, Valência e Málaga a movimentar todo esse tráfego.

v      Enfim, como último recurso, poderia desafiar algum dos nossos empresários, tão defensores dos centros de decisão nacionais (e por que não também os sindicalistas que, depois de fazerem o mal, rezam agora pela caramunha), a correr o risco de pegar na fábrica de Azambuja em regime de outsourcing. Se não aparecer ninguém disposto a correr este risco, forçoso é concluir que a decisão da GM, por muito que nos incomode, é lógica e é inatacável.

v      Como ser simpático para o Governo português, para os sindicatos portugueses ou para os trabalhadores portugueses não consta de nenhuma alínea, de nenhum parágrafo dos estatutos da GM, ninguém de boa fé pode vir agora reclamar que foi ao engano.

v      E as atitudes “macho” a que temos assistido só agravam o custo de oportunidade da localização em Portugal, tanto para os que já cá estão, como para aqueles que para cá estavam a pensar vir.

v      Seria, na verdade, difícil encontrar uma forma mais tonta de responder a uma situação complicada.

 

Lisboa, Julho de 2006

A: PALHINHA MACHADO

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