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A bem da Nação

Curtinhas XVII ...

Ai! Bancos, para que vos quero... (2ª Parte)

 

 

v     Dias atrás, durante um debate parlamentar, um deputado, por sinal professor numa escola de economia, atirou esta pergunta, em tom de quem sabe já a resposta: Afinal, para que servem os Bancos? Para nada, lia-se-lhe nas entrelinhas.

 Pois é, Professor Louçã, pensamos mesmo de modos diferentes ...

v     Esta ideia de que os Bancos são neutros (tanto se dá que estejam como não estejam) tem créditos firmados na teoria. Corolário, aliás, daquela outra que insiste na neutralidade da moeda. De alguma maneira, contrapõe-se à tese dos práticos, para quem os Bancos são anjos enviados à Terra, perpétuo consolo dos pobres mortais – et pour cause, merecedores de tudo o que seja estatuto de excepção.

v     Imaginemos, por um momento, o nosso dia-a-dia sem nenhum Banco por perto, nem mesmo um Banco Central. Haverá algo que sirva, simultaneamente, para extinguir dívidas fiscais e como pagamento na generalidade das trocas – hoje, amanhã e sempre?

v     Há, com certeza. Poderá não ser muito cómodo para trazer no bolso, nem especialmente prático, mas há. Desde alguns tipos de bens (em pedaços maiores ou menores) aos títulos de dívida emitidos por determinadas entidades (se estas forem vistas como devedores credíveis; melhor ainda, se elas detiverem o poder de tributar e não hesitarem em exercê-lo).

v     Mas, sejam objectos, sejam títulos, os problemas serão, no fundo, os mesmos: (a) o volume que estiver em circulação é determinado pela oferta, até que já ninguém o aceite, nem mesmo o Fisco; (b) como não será fácil fraccioná-los (nos títulos, isso estará mesmo fora de questão), a escala de valores que lhes corresponde aparece desenhada sempre a traço grosso (o que está longe de facilitar as trocas e os trocos); (c) há que encontrar os coeficientes de conversão de uns para outros (mas não, necessariamente, uma unidade de conta comum); (d) esses coeficientes de conversão têm de conhecer um mínimo de estabilidade no tempo; (e) tanto os cenários de escassez como os cenários de oferta excessiva podem ocorrer inesperadamente – e não são nada fáceis de contrariar.

v     Bens ou títulos, para servirem de instrumentos de pagamento eles terão de ser impessoais (no sentido de que valem para pagamento, seja quem for que os entregue) e transmissíveis (se não, quem os aceitaria em pagamento?). Por isso, não é de estranhar que despertem cobiças e que se lhes associe, por norma, um clima de insegurança. Para não falar já da maior ou menor facilidade com que podem ser imitados (contrafeitos), falsificados ou reproduzidos, tornando incontrolável a sua oferta e problemática a sua aceitação.

v     A presença de um Banco Central (BC) introduz, no quadro anterior, uma mudança radical: (a) agora, uma entidade (o BC) emite dívida (designada por liquidez primária) com o exclusivo propósito de oferecer instrumentos de pagamento; (b) essa dívida disporá, por imposição legal, de um poder liberatório forçado (ou curso legal) – o que é dizer, ninguém poderá recusar recebê-la em pagamento, e dar quitação do crédito que o devedor pretende pagar; (c) o curso legal traça uma fronteira nítida entre o território onde se aplica e os territórios que não alcança; (d) no território onde se aplica, o BC é o único devedor que não oferece risco, já que poderá sempre entregar nova dívida para substituir a anterior que alguém queira ver reembolsada – sem que este alguém possa dizer que não; (e) apesar disto, quem, nesse território, detiver o poder de tributar exercê-lo-á na medida do necessário para reforçar a credibilidade do BC; (f) a dívida do BC poderá ser, ou não, representada por títulos (conhecidos, estes, por notas ou moeda fiduciária) – mas, se for, convirá que ofereça um leque amplo de valores faciais distintos (por regra, numa estrutura de múltiplos e submúltiplos) para conferir maior eficiência às trocas e aos trocos; (g) enfim, a unidade de conta que denomina essa dívida tende a generalizar-se como medida do valor (isto é, das preferências), no território em causa.

v     Só que, a partir de agora, as condições em que a liquidez primária é emitida, e o volume que dela circula, não mais deixarão de ser assunto para todas as discussões. Defendem uns que só deve ser emitida como contrapartida de haveres sobre o estrangeiro. Dizem outros, com boa razão, que, se assim se fizer, a liquidez em circulação não terá em conta as necessidades daqueles sectores cujos bens (e serviços), por isto ou por aquilo, não são objecto de trocas transfronteiriças (bens não transaccionáveis, em “economês”). Segundo estes outros, a economia, como um todo, não deverá estar assim, totalmente exposta às conjunturas do comércio internacional e aos caprichos dos movimentos de capitais com o exterior. Como fazer, então?

v     Adquirir bens de raiz não seria solução, uma vez que não são renováveis (esta fonte de emissão de liquidez primária esgotar-se-ia rapidamente). E adquirir mercadorias exporia o BC a demasiados riscos (riscos muito específicos que lhe seria difícil gerir), além de conferir vida curta à liquidez primária (de cada vez que ele vendesse mercadorias, e teria que o fazer com frequência, estaria a reabsorver liquidez; tratando-se de stocks estratégicos este raciocínio não é inteiramente correcto).

v     Uma solução óbvia é o BC afirmar-se comprador também de dívida (e outros activos financeiros) que os residentes quiserem emitir – nomeadamente, de dívida pública – dando em troca liquidez primária (ou seja, o seu próprio passivo).

v     Se o BC, para criar liquidez, se limitar a adquirir dívida pública, a questão seguinte não se coloca – mas ressurgirá, então, o velho problema de o volume de liquidez em circulação ser determinado pela oferta (no caso, a dívida correspondente à despesa publica financiada).

v     Quando adquire dívida de outros residentes, porém, o BC expõe-se ao risco de crédito que essa economia representa. Na realidade, uma grossa fatia desse risco tenderá a concentrar-se no seu balanço – com o efeito perverso de colocar os contribuintes, que não foram tidos nem achados, na posição de verdadeiros garantes do risco de crédito implícito na economia. E, se daí resultarem perdas elevadas para o BC, lá estará o dinheiro deles, contribuintes, para as cobrir.

v     Por isso, um BC prudente: (a) convidará (em sentido figurado, entenda-se) outros a adquirir, em primeira mão, dívidas, tal como ele próprio faria (ou seja, passivo contra passivo); (b) em contrapartida, reconhecerá (mediante apertadas condições, como é bem de ver) ao passivo destes outros que assim é dado em troca (passivo que se designa por moeda escritural) o poder liberatório que, até então, só a liquidez primária possuía; (c) e mais, fixará em 1:1 o coeficiente de conversão entre moeda escritural e liquidez primária. Estes tais outros são os Bancos (Outras Instituições Monetárias, mais exactamente).

v     Ao rodear-se de outros Bancos, o BC está: (a) a libertar o volume de instrumentos de pagamento em circulação (a massa monetária, ou M1, em “economês”) da tirania (outros diriam: disciplina) do comércio internacional e dos movimentos de capitais com o exterior; (b) a isolar as variações da massa monetária das vicissitudes da execução orçamental; (c) a proteger-se do risco, deixando que outros, os Bancos, a ele se exponham; (d) a transferir para os capitais dos Bancos a garantia não formalizada que onerava os contribuintes; (d) a promover novos instrumentos de pagamento que são pessoais, logo menos susceptíveis de gerar insegurança; (e) a ampliar o “efeito rede” indispensável à eficiência do sistema de pagamentos; (f) a diminuir os riscos operacionais (erros, falhas, etc.) a que ele próprio se encontra exposto, tornando assim o sistema de pagamentos mais resiliente.

v     É para isto que servem os Bancos. Bancos que estão longe de ser neutros: (a) quando assumem e dispersam riscos; (b) quando, no decurso das suas operações de crédito (isto é, quando adquirem dívida de terceiros, entregando moeda escritural em troca) aumentam a massa monetária, alterando-lhe a distribuição.

v     O que valeria a pena perguntar é o que leva alguém, em seu perfeito juízo, a investir num Banco, pondo os seus capitais em risco desta maneira.

 

Lisboa, Julho de 2006

 

A. Palhinha Machado

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