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A bem da Nação

Curtinhas XV....

eu, escrevinhador, me explico...

v     Creio não ser o único para quem explicar aquilo que escreveu é, não direi, fazer seppuku em câmara lenta – mas quase.

v     Nas duas últimas Curtinhas, o ensino era, apenas, o pretexto – pelo menos, foi essa a minha intenção. E aquelas medidas no final, rabiscadas à pressa, não passavam de um enfeite.

v     Com elas, e tendo por pano de fundo o ensino (mas poderiam ter sido tantos outros...), pretendi mostrar quatro coisas: (a) como, desde há muito, vimos fazendo uma leitura enviesada das funções em torno das quais a nação portuguesa se deve organizar politicamente (ou seja, o nosso modo muito peculiar de sermos Estado); (b) como propendemos para levar “os outros” a proporcionarem-nos uma vida livre de incertezas (ou seja, a nossa propensão para impor rendas, e delas viver); (c) como aquela leitura e esta propensão, deixadas à solta, nos têm empurrado invariavelmente para becos sem saída (designadamente, o arranca-pára dos sucessivos surtos de desenvolvimento que pouco fruto deixam); (d) como quebrar esta fatalidade.

v     Apesar dos sucessivos falhanços, dos Descobrimentos à estatização da economia em 1975, passando pelo Fontismo, ainda não aprendemos que impor a presença do aparelho administrativo do Estado, em exclusivo ou com condições de excepção: (a) afugenta outras iniciativas (umas regressarão, mas por caminhos mais tortuosos); (b) concentra o risco num ponto da economia, o Sector Público; (c) e, por consequência, amplifica desmesuradamente os desequilíbrios financeiros do Sector Público. E são, sempre, estes desequilíbrios que vêm pôr um ponto final em tão excelentes propósitos.

 Que diferença virtuosa haverá entre os conceitos de Estado e de Administração Pública?

v     Entre nós, porém, uma qualquer função do Estado continua a ser, por definição, terreno sagrado que só funcionários públicos podem pisar. Ora, quando ao vulgar cidadão é negada a liberdade de escolher, a missão deles, funcionários públicos, passa a ser aquilo que fazem e não aquilo que deveriam fazer. Ou seja, autojustificam-se ad perpetuum. – e, por isso, mal compreendem o porquê de terem de prestar contas do que lá forem fazendo.

v     Se o estatuto do funcionalismo público não transformasse uma relação laboral numa renda vitalícia, o problema talvez não atingisse as proporções que nós hoje conhecemos. Mas transforma e, por isso, não surpreende que o vínculo à administração pública seja especialmente apetecido por tantos, e que as pressões para o estender não abrandem.

v     Aliás, basta defender, mesmo com fraca argumentação, que isto ou aquilo envolve uma função estadual para ser dada a mais uns quantos a oportunidade de, também eles, passarem a dispor de uma renda vitalícia. Ou alegar que esta é uma função sem paralelo, para que a correspondente renda seja revista e aumentada. Não se organiza o Estado, afinal, para regular todos os aspectos da vida em sociedade?

v     A liberdade de escolher é essencial para que este conflito de interesses entre principal (todos nós, cidadãos) e agente (o aparelho administrativo do Estado) não descambe, como tem acontecido por cá.

v     Liberdade de escolher! Lindas palavras - mas vazias de sentido se não houver por onde escolher, ou se não for possível concretizar as escolhas feitas.

v     É, na verdade, intrigante como a oferta de bens e serviços não pára de crescer, quando não há lei ou regulamento que tal obriguem. E, até ver, não faltará por onde escolher (porque é que o ensino ou os cuidados de saúde haveriam de ser diferentes?). Adam Smith, ele também intrigado com o que via, atribuía esta cavalgada da oferta ao acicate do interesse individual.

v     O interesse individual desempenha, sem dúvida, um papel decisivo em tudo isto, mas no contexto da divisão do trabalho; (a) com o produto social a ser distribuído, num primeiro momento, através de trocas monetárias e, num segundo momento, através da participação no processo produtivo (a redistribuição do rendimento, baseada em impostos e subsídios, introduz-lhe modificações, mas não põe em causa o modelo); (b) enfim, com cada um sujeito a uma restrição de natureza nominal (quem tem dinheiro, compra o que escolheu; quem não tem, fica a sonhar). É assim o modelo do mercado.

v     Tudo isto tem parecido, ao longo dos últimos três, quatro séculos, demasiado precário e frágil para inspirar um módico de confiança. Estar-se-ia mais seguro, dizem muitos, se a decisão de produzir bens e serviços, e de os repartir por cada um segundo as suas próprias preferências, fosse confiada a uma única entidade (a literatura designa-a por “ditador benigno”). Pelo menos não haveria tanto desperdício, acrescentam.

v     Certamente que sim. Se as preferências individuais fossem previsíveis - e não são. Se estivesse ao alcance do ditador benigno conhecer, em tempo útil, as preferências individuais – e não está. Se o tempo (para recolher informação sobre as preferências individuais, e para lhes fazer chegar o seu quinhão no produto social) não contasse – e conta muito. Se o ditador, além de benigno, fosse iluminado e perfeito – e não gente de carne e osso.

v     Informação e tempo (em suma, o ciclo real da distribuição do rendimento) não jogam a favor do ditador benigno. E, por força desta incerteza que é inerente ao ciclo real, o ditador vai mostrar-se benigno, sim, mas só até ao ponto em que a imprevisibilidade das preferências individuais não puser em causa os seus planos. Porque, chegado a esse ponto, só os planos podem prevalecer - já que não teria ele com que satisfazer preferências individuais que desconhecia (daí a meiga negação da liberdade de escolher que faz regra no nosso relacionamento com a nossa administração pública).

v     Não me restam dúvidas que o desperdício (a oferta excedentária) é o preço a pagar pela liberdade de escolher, muito embora um tal preço possa ser mantido em limites razoáveis. E desperdício significa um fim prematuro na corrente de trocas monetárias, logo no modo como o rendimento se distribui. Mas também não duvido que, por outra parte, o desperdício é uma das maneiras como a disciplina do mercado actua.

v     Bem mais complicado é saber: (a) se o modelo do mercado, deixado a ele-próprio, permite que todos os que desejem participar no processo produtivo aí encontrem lugar (a questão do desemprego); (b) e se a distribuição de rendimentos que daí decorre mantém a população, no seu todo, acima do limiar de pobreza (a questão da exclusão). Fica aberta a discussão.

Lisboa, Julho de 2006

 

A. Palhinha Machado

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