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A bem da Nação

Curtinhas XIV....

e a escola mais nos ensina que....

v      As voltas e reviravoltas que o ensino e os cuidados de saúde, cada um a seu modo, não cessam de dar por cá escondem uma questão crucial: o que implica para o Estado assumir uma determinada função?

v      Para tantos de nós, a resposta a esta questão é de tal modo óbvia que nem sequer faz sentido perguntar: implica dar mais trabalho ao aparelho administrativo do Estado, está bem de ver. Afinal, Estado e administração pública não são uma e a mesma coisa? Não, não são. Mas, adiante.

v      Que tipo de trabalho, já agora? Se a função em causa envolver o fornecimento de bens, ou a prestação de serviços, prosseguem, lá terá a administração pública que o fazer, melhor ou pior. E lá terá o dinheiro dos contribuintes que custear pessoal, meios e tudo o mais, aconteça o que acontecer.

v      E isso é mau (é a vez de eles agora começarem a perguntar)? Não, respondo eu, se a administração pública, quando fornecer bens (ou prestar serviços), respeitar as regras do modelo de mercado. Sim, se essas regras forem sistematicamente ignoradas.

v      Mas que regras são essas? Para o que aqui interessa, uma só: quem não gostar, ou escolhe outra coisa, ou muda de fornecedor. Porque a virtude do modelo de mercado (tal como a da democracia) não é colocar um qualquer óptimo social ao alcance da mão. O que faz dele o melhor de entre todos os modelos socialmente a-justos (no sentido de que não promovem activamente nenhum padrão de justiça social) é a capacidade que nos confere de escolhermos diferente, se for essa a nossa vontade legítima. Dito de outro modo, só o modelo de mercado (e a democracia, na esfera política) não faz da insatisfação e da mudança um drama, ou uma tragédia.

v      Ora o nosso sistema de ensino nunca viu com bons olhos a insatisfação (dos alunos e de seus pais; das famílias, enfim) e a mudança (de escola, de livros escolares, até de estrutura curricular) que lhe dá visibilidade. Com o argumento de que se trata de uma missão do Estado, por isso facultada gratuitamente, pais e alunos não são livres de escolher nada. E, se reclamarem, são ingratos que não sabem reconhecer a dádiva. Entre nós, quando se trata do ensino básico e liceal, nenhuma escolha é possível, nenhuma vontade de mudar é legítima fora do recinto amuralhado da administração pública.

v      Por outro lado, como a insatisfação da procura (as famílias) não se pode manifestar de forma eficaz, e a mudança só por excepção acontecerá, a oferta (os professores) não tem maneira expedita de saber o que vale. Vistos do lado de cá, o das famílias, os professores são uma mole indistinta, igual a si própria por todo o território nacional.

v      Aliás, a confusão entre Estado e administração pública, que acima referi, dá lugar a silogismos vários, e é mesmo causa de alguma esquizofrenia no nosso modo de pensar. Mas é interessante notar que todos esses silogismos têm em comum o facto de negarem a liberdade de escolher precisamente a quem dizem ser o leitmotiv da função em causa – as famílias.

v      Consagre-se a liberdade de escolha das famílias em matéria de ensino e o silogismo desmoronar-se-á. Muito provavelmente, sob o coro dos que, aconchegados pela hierarquia formal do funcionalismo público, suportem mal a disciplina do mercado – o que é dizer, a vontade mesma dos que eles dizem servir.

v      Como assim? E as famílias com baixos rendimentos? Ficam sem acesso ao ensino, por não poderem pagá-lo? Ou verão os seus filhos condenados a frequentar escolas que ninguém quer?

v      É aqui que entra em cena uma resposta radicalmente diferente para a questão que lancei de início. Funções tradicionais da soberania à parte, ao Estado Prestador/Produtor oponho eu o Estado Regulador/Supervisor. Quando conveniente, o Estado Intermediário Financeiro que recolhe fundos aqui para custear este ou aquele tipo de procura acolá (ensino e saúde são, seguramente, bons exemplos disto). Mas só em casos extremos, de urgência extrema, face à falência da iniciativa privada e à impossibilidade de instituir soluções alternativas de contratualização, vejo justificação para que a administração pública enverede por prestar serviços (ou produzir bens) destinados a satisfazer procuras que devem expressar-se livremente.

v      Regular o ensino, designadamente os métodos de avaliação de alunos, professores e escolas. Supervisionar as escolas, levando-as a divulgarem publicamente, ano após ano, o que fizeram e que resultados obtiveram. Mediante contratualização, criar uma rede de escolas que aceitem praticar mensalidades contidas num dado intervalo de valores (não uma mensalidade única, igual para todas as escolas, ainda que ajustada a cada ano de escolaridade). Estabelecer para cada menor em idade escolar uma subvenção (através de vouchers, mas há outras soluções) que só possa ser gasta em determinadas despesas com o ensino (pagamento de inscrições e mensalidades escolares, aquisição de livros escolares e outros materiais de estudo, etc.). Fixar um regime de prémios pecuniários anuais para as escolas contratualizadas que atingirem níveis de excelência. Subsidiar directamente escolas, apenas quando tal estiver previsto nas medidas de ordenamento territorial e de combate à desertificação.

v      Em suma: financiar o ensino, financiando directamente a procura (as famílias com filhos em idade escolar) – e não, como hoje acontece, a oferta (os professores).

v      E que se faz a tanto professor/funcionário público (o “se” é, desde logo, capcioso, na medida em que dá por assente a passividade dos que são e querem continuar a ser professores)? E não só a esses, acrescento eu, mas a todos os que queiram dedicar-se ao ensino e tenham competência para tal, já que ignorá-los seria criar uma outra coutada (antes, na procura - pela negação da liberdade de escolha; depois, na oferta – pela bloqueio da liberdade de prestação de serviços) reservada ainda a quem hoje pertence aos quadros do funcionalismo público.

v      O que faz alguém que se propõe produzir (ou prestar) algo para ganhar a sua vida? Estabelece-se. Cria uma empresa. Contrata colaboradores. Lança-se no mercado. E corre riscos. Porque há-de ser diferente no ensino?

v      O maior obstáculo será, talvez, o “estabelecer-se” – dado que instalações escolares como devem ser envolvem sempre investimentos avultados. Mas o património do Estado tem-nas: umas melhores, outras piores, mas existem já. É pô-las em locação através de concursos abertos a todas as empresas cujo objecto seja ensinar e que aceitem contratualizar, conforme indiquei mais acima.

v      E os professores? Continuarão eles a ganhar todos o mesmo, segundo o respectivo grau de antiguidade? Continuarão a ter os seus salários e as suas pensões de reforma garantidos pelos contribuintes? Terão emprego assegurado até ao fim dos seus dias? Respondo igual: porque é que o ensino tem de ser diferente?

Lisboa, Julho de 2006

A. Palhinha Machado

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