O ÓBVIO
Fui há dias presenteado com um DVD. Parece coisa já não tão normal nos tempos em que o império MP3 e do iPod se vai impondo, à espera que outro equipamento ainda menor e de multiplicada capacidade os ultrapasse
Mas este DVD é especial. Não tem sexo, sugere algumas cenas de triste memória e violência, mas o que nos dá é uma forte lição de vida: “Agostinho da Silva - Um pensamento vivo”.
George Agostinho Baptista da Silva nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906 (de família alentejana e algarvia), tendo vivido parte da sua infância em Barca de Alva, junto do rio Douro, localidade que muito o marcou. Após concluir a Licenciatura e Doutoramento em Filologia Clássica na Faculdade de Letras do Porto, frequenta a Escola Normal Superior em Lisboa, tendo recebido uma bolsa para estudar em França. De regresso a Portugal, foi colocado no Liceu de Aveiro onde recusou assinar uma declaração que o obrigava a não seguir a ideologia marxista. Tal como ensinava a liberdade de pensamento, assim procedeu, tendo sido demitido. Entre 1935 e 1944, reside em Madrid (como bolseiro) e depois em Lisboa (vivendo de aulas no ensino particular e de explicações) onde se relaciona com o grupo Seara Nova, e, posteriormente com António Sérgio. Em 1944, parte para o Brasil, onde escreve nesse mesmo ano o livro Considerações. Reside no Uruguai e Argentina, realizando trabalhos no domínio da histologia. Em 1947, regressa ao Brasil, onde ajudou a fundar universidades (afastadas, normalmente, dos grandes pólos de desenvolvimento), de estações científicas, de centros de pesquisa e intercâmbio, a par de intensa actividade pedagógica e pesquisas em entomologia e parasitologia. Em 1953, publica a sua única obra de ficção propriamente dita, Herta, Teresinha, Joan. Realiza inúmeras viagens pelo mundo, visitando países como Japão (que percorre demoradamente), Macau e Timor. Em 1969, passa a residir em Portugal, tendo sido nomeado conselheiro e consultor junto do ICALP, e ainda no Centro de Estudos da América Latina - Universidade Técnica de Lisboa. Morre em Lisboa no Hospital de S. Francisco de Xavier num domingo de Páscoa, a 3 de Abril de 1994. Entre as suas muitas obras, destacam-se: Lembranças sul-americanas; Sete cartas a um jovem filósofo; Do Agostinho em torno do Pessoa, Sentido Histórico das Civilizações Clássicas, A Religião Grega, Miguel Eyquem, Senhor de Montaigne, Considerações, Reflexão e Aproximações.
in http://homepage.esoterica.pt/~lmarcal/AgostinhodaSilva.html
O DVD conta um pouco do que foi a trajetória de vida de um Homem espantosamente culto, espantosamente simples, de pensamento sempre elevado e sempre voltado para o bem do próximo.
Mostra-nos ainda alguns trechos de entrevistas que, já no fim da vida, concedeu a diversos programas de televisão, e muitas opiniões e manifestações de carinho por inúmeros daqueles que tiveram a ventura de o conhecer.
Toda a sua vida foi uma constante quase utópica, não fossem os resultados profundos que alcançou, sobretudo no Brasil, na criação de universidades e do famoso Centro de Estudos Afro Orientais na Bahia.
Quem se podia ter alcandorado a uma vida cheia de honrarias e dignidades acadêmicas, viveu sempre com uma modéstia franciscana, desprezando o dinheiro pelo dinheiro e procurando levar o seu apoio, o ensino, a cultura, até aos mais humildes.
São sensacionais algumas das suas respostas a perguntas que por vezes lhe fizeram durante as entrevistas. Pela simplicidade e clareza com que abordava alguns aspetos, sobretudos místicos, que os entrevistadores insistiam em fazer-lhe, fica bem claro o quanto é grande um pensamento simples. E nisso Agostinho da Silva foi um Grande Mestre.
Ensinou desafiando os alunos a raciocinarem, quase maltratou, se disso fosse capaz, aqueles que queriam seguir o Mestre, mostrando-lhes que cada um deve seguir somente a si próprio, ultrapassou todas as barreiras burocráticas que se lhe deparavam, e com a clareza duma criança resolvia os problemas mais difíceis que se iam surgindo.
Quando lhe perguntam o que pensa sobre a morte, responde de forma quase cômica, não fosse a evidência do raciocínio: “como podia falar da morte se ainda não tinha morrido! Depois de morrer poderia então, se houvesse um meio, mandar a sua opinião”!
Este pequeno texto não pretende ser nem biográfico nem crítico ao presente que recebi. Mas depois de ter lido já uns quantos livros do Professor, este DVD, que o mostra com toda a naturalidade, levou-me a confirmar o modo como se pode “ver” o seu pensamento e se pode definir com uma só e simples palavra.
Agostinho da Silva, sempre desprendido de preconceitos e longe de submissões, foi o ÓBVIO !
Rio de Janeiro, 20 jun. 06
Francisco Gomes de Amorim