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A bem da Nação

REMEXIO

 

 

 Vista geral da região de Remexio, local estratégico

para a defesa de Dili

«… 1894, ano em que assumiu o seu governo … Celestino da Silva…

… as diversas tribos agremiadas em reinos mais ou menos importantes passavam os anos em guerras intestinas cujo fundamento era o desejo de roubarem aos seus vizinhos os seus gados, os produtos agrícolas, as mulheres e as terras. Não havia progresso compatível com tal desordem que era extensiva às centenas de milhar de timores, e ora se viam lutas formidáveis entre vinte e trinta mil homens de cada partido, ora elas se resumiam a pequenos mas numerosíssimos combates de centenas de guerreiros.»

 

Para o comerciante, tal estado de coisas era lucrativo, pois que o consumo de pólvora e de armas permitia-lhe auferir largos proventos; para o timor, tal ocupação era agradável, visto que dotado de índole guerreira, preferia os frutos das razias àqueles que pudesse arrancar à terra, mas mantinha-o selvagem; para Portugal esta situação embora vergonhosa, era inevitável, visto que uma ocupação imediata e sólida só se conseguiria à custa de pesados sacrifícios com expedições e com a permanência de quadros e efectivos que pudessem colher os frutos, sempre tardios de tais processos.

 

Por isso os nossos governadores consideravam-se muito felizes quando as ditas guerras entre os reis timores não se apresentavam com o carácter de francamente rebeldes contra a nossa soberania e quando os régulos se prontificavam a aceitar a fórmula, embora platónica do preito de vassalagem. Muitas vezes, um ou outro pedia o nosso auxílio, o qual quase sempre se procurava negar, ou a nossa intervenção como medianeiros, e numerosos eram os casos em que Portugal aparecia como árbitro entre as partes, que ou se conformavam com a solução proposta, ou preferiam recorrer às armas, e neste caso, o nosso papel limitava-se ao de espectador impotente para se impor aos milhares de contendores.

 

Bem cedo, Celestino da Silva nomeado Governador reconheceu que antes de ensaiar e levar a efeito tentativas de desenvolvimento económico, se impunha o terminar de contendas, quer de povos para povos, quer de rebeldias contra a nossa soberania, e por isso começou uma obra de ocupação, morosa sim, porque os seus recursos lho impunham, mas contínua e segura. Não se sentiu com forças para entrar logo numa campanha franca e aberta contra todos aqueles que não acatavam a nossa autoridade; e assim é que tendo desembarcado em Maio, manda em sete de Julho o alferes Duarte com cem moradores a fim de procurar conciliar os reinos do Piço e de Liquiçá que se encontravam em guerra.

 

A diplomacia do oficial, os presentes aos régulos intermediários e ainda a força de cem espingardas, fizeram com que terminasse a luta sangrenta e é de notar o trabalho do referido comandante, que antes de recolher a Dili, entendeu que devia completar a sua missão de medianeiro, com a solicitação, de resto atendida pelos povos, para uma limpeza geral às plantações de café, contíguas ao seu acampamento, e que eram propriedade dos referidos indígenas.

 

Este simples episódio é o despontar de uma nova política em Timor, que mais tarde haverá de ser generalizada com um grande sucesso, não só ali, como em outras colónias… o oficial deixava de ser o severo comandante de tropas e colunas, tudo raziando, devastando e fazendo consistir a sua glória no número de vítimas caídas, para se transformar no colonizador, que após os rudes combates a que obrigava a índole insubmissa dos povos que lhe mandavam bater, procurava encaminhá-los no sentido da riqueza e civilização. Ampliações de plantações, aberturas de estradas, limpezas de caminhos, etc., tudo isso eram trabalhos que faziam do Comandante Militar ou de Posto, o guia de todos aqueles que na véspera tratara com a severidade de um dominador.

 

As instruções dadas por Celestino a tal respeito eram as seguintes:

 

É absolutamente indispensável que os comandantes militares subalternos se instruam sobre a língua dos indígenas, seus usos e costumes; que conheçam dentro da área da sua jurisdição, todos os caminhos ainda os mais recônditos, todas as povoações, todos os habitantes, os chefes indígenas e suas famílias; que lhes não passe despercebida a saída para fora, ou a entrada de qualquer; que tenham perfeito conhecimento de todos os casamentos, óbitos e nascimentos; que façam um arrolamento exacto da população; que não deixem derrubar florestas cuja destruição possa exercer influência nas condições climatéricas; que não deixem despir de arvoredo, as nascentes de água; que conservem sempre em bom estado de limpeza as suas plantações de café, e se fazem cultivos suficientes para a sua alimentação; se há transgressão dos regulamentos de polícia rural dos mercados; se o contrabando se exerce; se são respeitados os regulamentos que regem a venda do sal; e enfim se há quaisquer causas que possam vir a alterar o sossego público. É isto que os Senhores comandantes militares têm o dever de exigir dos seus subalternos, além do mais que especialmente lhes determinem, por isso que das faltas, dos desleixos, da incúria deles, são os primeiros responsáveis.”

 

Vejamos agora qual foi a sequência dos seus trabalhos de ocupação militar e administrativa, à medida que se ia sentindo com força suficiente para os pôr em prática.

 

Em Agosto, Celestino cria o comando do Remexio, a pouca distância de Dili, de onde podia ser socorrido com facilidade. Significava este facto, dada a situação da localidade no interior, a intenção firme de realizar a penetração; e tal comando é uma lança apontada contra Aileu e Manufai. Em Outubro vale-se do pedido de auxílio feito pelos povos de Ermera, Atsabe e Bobonaro contra os Lamaquitos que os atacavam, para lançar uma expedição contra estes rebeldes, a qual comandada por um major que levava dois oficiais, doze europeus e duzentos e sessenta moradores de Dili, os bate após vinte dias de lutas; aproveita-se então desta vitória e em Dezembro estabelece o comando de Ailéu, a meio da ilha, guarda avançada da do Remexio, criado cinco meses antes. Manufai sente-se cada vez mais ameaçado, mas o prudente e astuto Governador não julga ainda azado o momento de dar o golpe de massa que aquele reino, o mais poderoso de Timor e cronicamente rebelde, precisava. Mete-se a época das chuvas que dificultam as operações militares, mas o balanço guerreiro daqueles seis meses de governo da colónia é bem lisonjeiro, pois traduz-se em uma campanha vitoriosa e na criação de dois comandos militares no interior.

 

Em Março de 1895, isto é, no ano seguinte, uma nova coluna de um capitão, quatro oficiais, dezassete praças de primeira linha e duas companhias de moradores, é lançada contra os reinos de Oeste, os mesmos batidos no ano anterior e o seu bom resultado no fim de vinte e quatro dias, permite em Junho, a criação dos comandos de Cailaco e Ermera, e em Agosto, a do comando-geral da contra-costa, que é uma nova cunha que se vem juntar à de Aileu cravada em pleno coração de Timor. É neste mesmo ano que se lança contra Manufai uma poderosa expedição comandada em pessoa por Celestino e composta de três alas: a de Oeste chefiada pelo capitão Câmara, pai daquele artista que se distinguiria anos depois como brilhante caricaturista, tendo como base de abastecimento e operações o comando de Fatumeia; a de Leste apoiando-se em Alas; e a do centro dependente directamente do Governador, com base em Aileu. Como traço de união entre o centro e a ala direita muito destacada, há os arraiais do alferes Duarte que se apoiam na Ermera e Cailaco. São ao todo doze mil homens, dentre os quais apenas marcam umas dúzias de soldados europeus e uns centos de moradores, sendo o resto arraiais armados e combatendo à maneira indígena.

 

O plano de operações é de envergadura e dele devia resultar a asfixia dos rebeldes, estrangulados pelo abraço mortal das três colunas. Infelizmente o comandante da ala direita, dado o seu papel de relevo na colónia, aonde era Secretário do Governo, julgando-se por isso autorizado a proceder com certa independência, em lugar de se limitar ao papel de efectuar a demonstração de força que lhe fora recomendada de modo a conter os reinos de Oeste em respeito para que estes não pudessem prestar auxílio a Manufai e seguir então a colaborar nas operações contra este povo, avança para o Sul, em vez de o fazer para Leste, prende, vexa, espanca régulos e bombardeia a povoação de Forem, num estado de irritação e orgulho enormes, pela resistência passiva oposta ao fornecimento de carregadores. É certo que o estado de espírito daqueles povos não permitia depositar neles grandes esperanças para exigir uma possível colaboração, mas segundo as conclusões formuladas no inquérito ao desastre, isso devia ser mais uma razão para não se usarem meios violentos e para procurar que ao menos se não manifestassem ostensivamente.

 

A não observância de tal atitude teve como resultado um ataque formidável por parte de todos aqueles povos, uma luta desesperada que durou um dia e uma noite e uma retirada de Forem sobre Fatumeia quando começaram escasseando as munições. Ao chegarem porém aqui, encontraram o forte incendiado e a guarnição trucidada; o desânimo apoderou-se de todos e fazendo fogo aqueles a quem restavam cartuchos e fugindo os restantes num salve-se quem puder indescritível, são na sua quási totalidade, vítimas de uma chacina implacável.

 

As cabeças cortadas de quatro oficiais, de alguns sargentos, e de várias praças europeias e indígenas, são troféus que fazem delirar os rebeldes; as peças de artilharia, algumas centenas de espingardas e de munições servir-lhes-ão para a campanha do próximo ano contra as nossas forças e o forte de Batugadé abandonado pela guarnição espantada do morticínio é pasto das chamas. A repercussão em Dili de tal desastre é enorme e exige o regresso imediato do Governador, então em operações na baliza de Manufai; os europeus julgam voltados os velhos tempos em que a Capital era ameaçada de perto pelas hordas selvagens e antevêem as cabeças de todos constituindo já ornamento das cubatas dos vencedores. A serenidade volta, embora a muito custo, mas da parte do Governo há que pôr de parte o plano esboçado do envolvimento de Manufai e as operações limitam-se a ataques feitos pelas duas colunas subsistentes, a do centro e a da esquerda, que queimam povoações, cortam cabeças e fazem as presas habituais, sem que entretanto os resultados fossem os que se almejavam, quando se concebera e planeara a campanha.

 

Em Outubro criou-se porém o posto de Comoro e assim Díli fica cingida por três comandos: o do Remexio, o de Aileu e o de Comoro, que a põem a coberto de qualquer surpresa e eventualidade.

 

 

Espera-se que as forças australianas ora desembarcadas tenham estudado esta lição da guerra de 1894-1895 (a continuar)

 

Chrys Chrystello

 

 

 Nota: - José Celestino da Silva foi Governador de Timor no período 1894/1908

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