CITANDO . . . (1)
«Na Cavalaria, podemos dizer, procura-se manter – é tradição – o mais puro sentimento humano e por ele, o mais decantado espírito militar.
Utiliza, suscita, desenvolve e apura os nobres sentimentos do homem na sua versão integral do complexo físico, moral, mental e anímico que é o «Homo Sapiens».
Não há vigor ou sector da capacidade humana que a Cavalaria não use (e por vezes abuse – o esqueleto e o instinto de conservação que o digam).
Vigor e resistência física, elasticidade de músculos e articulações, prontidão de reflexos, frescura de humores, sangue vivo e forte a correr nas veias, mesmo quando o momento é de impedir que o sangue corra.
Moral atenta, pronta, potente para dominar primeiro o próprio indivíduo que se opõe e, quantas vezes, se revolta no seu íntimo, contra a rudeza ou perigo da tarefa deste combate que tem de ser tão rápido quanto enérgico, há que enfrentar a vontade fortemente servida do bucéfalo ou a dificuldade e complexidade da máquina que nos serve e, por fim a missão sempre diferente, sempre nova, em ambiente quase sempre desconhecido que obriga a tentar em tudo quanto nos rodeia e ser tão prudente em julgar cada caso como audacioso quando o momento é de aproveitar uma oportunidade que não se deve perder, embora o risco não seja de desprezar.
Mente flexível, esclarecida, apta e capaz a julgar de pronto, sem se impressionar com os somenos de todos os problemas.
Viver é agir, agir é decidir, decidir é também arriscar, é o seu lema.
Não há problema humano, técnico ou castrense a que ele não esteja atento mas também não há problema esquecido ou demorado.
Espírito, alma iluminada e enriquecida sempre no mais puro ideal.
O bem e o belo é a sua legenda embora não anunciada em gritos de voz ou de tinta, embora não anunciada nos códigos correntes, mas existente e vincada nas ideias, nos gestos, nos actos dos cavaleiros. A irradiante camaradagem; o espírito de sacrifício fácil; a ideia de grupo a apelar sempre; a atitude firme na presença física, na exposição das ideias, no critério de vida; o interesse pelos problemas dos outros, sobretudo dos seus servidores; a alegria na missão difícil; a prontidão na execução dos encargos; a confiança conquistada em todos os Chefes, sobretudo em momentos de crise; a conquista dos jovens e dos pequenos, são tudo sinais certos do seu valor.»
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Poesia em prosa escrita pelo Coronel António Miranda Dias, publicada na “Revista da Cavalaria” de 1965 a págs. 198 e seg. sob o título “O espírito cavaleiro e os tempos actuais”.
Falecido há poucos meses, recordo com amizade o fino trato com homens e cavalos, a rectidão das atitudes, a paixão pelo ideal inspirado em Mouzinho de Albuquerque.
Desconheço que pragmatismo tenha tido em campanha pois nunca servi com ele – nem no meu percurso militar sequer nos cruzámos – mas guardo dele mais a imagem do doutrinador do que da do fuzilador.
Era indubitavelmente um homem bom.
Lisboa, Maio de 2006
Henrique Salles da Fonseca