NÃO VENHAS MAIS AO CAIS, MENINA NEGRA...
Não venhas mais ao cais, negra menina.
Que esperas tu ainda?
Já sabes a tua sina:
o branco que partiu não volta mais!
E tu, olhando o cais,
menina negra linda,
vês o teu lindo sonho que já finda...
Cantaram o feitiço do teu corpo,
nessa noite sensual em que tiveste
por lençol uma folha de palma;
cantaram o feitiço do teu corpo,
mas não sabias nem soubeste
que o branco tem feitiço na alma.
Habituada ao balanço da canoa
nas margens do rio Dande,
e depois embalada pelo amor,
sonhaste viajar num enorme vapor
que navega no mar grande
e vai para Lisboa!
Ouve, menina negra: mato não é cidade,
oceano não é rio, dongo não é navio,
e o sonho que sonhaste não é sonho, é saudade...
Não venhas mais ao cais,
que o branco não volta mais!
Geraldo Bessa Victor (1917-1984),
Poeta português, negro de Angola
Esta poesia foi escrita em 1958, numa época em que um branco deixava talvez Angola, talvez abandonando a sua mulher nativa, trazendo talvez consigo o seu filho mulato, talvez deixando no coração da jovem negra uma saudade difícil de apagar. Esta poesia, lida agora, faz acender-se o drama ou a tragédia do abandono de Angola pelos portugueses. Haverá saudade em uma e nos outros? Haverá arrependimento? Haverá raiva e ódio? Haverá possibilidade de um retorno por amor? A mim resta-me saudade, mas a minha saudade pessoal não conta.
Geraldo Bessa Victor era um homem culto, licenciado em Direito por Lisboa. Eu conheci seu irmão, o Eng. Bessa Victor, que, depois da Revolução infausta, foi ministro no governo em Luanda. Por pouco tempo, porém, e então encontrei-o em Lisboa, desiludido com a situação em Angola. Pessoa muito educada e muito simpática, não sei que é feito dele... Talvez tenha partido para um país mais justo... como eu partirei também qualquer dia...
Joaquim Reis

