MULHER COMPRA BRINQUEDO...
... E ENCONTRA CARTA DE ESCRAVO CHINÊS
Caro leitor, a história é tão boa que até parece mentira. Num dos Kansas desta vida, Oregon, uma americana comprou um brinquedo made in China e, entre o brinquedo e aquele irritante plástico que cobre todos os brinquedos, encontrou uma carta de um escravo chinês escrita em inglês partido. A carta denunciava um campo de trabalhos forçados (Masanjia), que, na verdade, é uma fábrica de brinquedos e demais bugigangas que compramos aos chineses. Nesta fábrica-prisão, os escravos do regime chinês (prisioneiros religiosos, sobretudo) têm de trabalhar quinze horas todos os dias e são submetidos a espancamentos, torturas e outras actividades lúdicas deste Gulag fabril. Como você pode calcular, caro leitor, cheguei a pensar que esta história só podia ser invenção de uma dona de casa desesperada, mas não é. Há dias, a CNN encontrou o homem que enviou a carta – o Senhor Zhang. Aliás, Zhang enviou vinte cartas em vinte brinquedos, como um náufrago a colocar vinte bilhetinhos no gargalo de vinte garrafas vazias.
Tudo isto é muito triste, sim senhora, mas vai mudar alguma coisa na nossa relação com a China? Não, não vai. E não me venha com o lero-lero do "capitalismo", do "sistema capitalista que provoca estas desumanidades". O "sistema capitalista" é V. Exa., caro leitor. É você que vê a indústria como uma actividade vil e mecânica, coisa de pobres mascarrados, coisa de chinocas, nós é mais bolos e serviços, não é verdade? É você que rejeita viver numa sociedade virada para a poupança e não para o consumo imediato. É você que vê a poupança como uma infracção intolerável ao seu modo de vida. É você que vê o crédito como uma espécie de direito adquirido. Sim, é você que alimenta as fábricas horrendas da China, não é o "capitalismo".
A conversa do boicote aos produtos chineses é uma ladainha inconsequente, porque você não mede aquilo que está a dizer. Quando quer uma televisão, o consumidor ocidental, no Oregon ou em Ourém, vai até à loja mais próxima e compra um aparelho ao preço da chuva. A televisão é barata porque foi produzida na China; se tivesse sido produzida no Ocidente, não custaria 300 euros mas sim 1000 euros. Ou seja, era necessário que a Keith de Oregon e a Cátia de Ourém aprendessem o conceito de poupança antes do lançamento do tal boicote à China.
Ora, como você bem sabe, meu caro leitor, poupar transformou-se num verbo maldito, quase proto-fascista. Eu estou pronto para boicotar os produtos chineses porque vivo em poupança, porque vivo em austeridade. E você? Está pronto?
Novembro de 2013