DE ESCACHA PESSEGUEIRO
Na edição de Fevereiro/Março de 2006 publica a “Economia Pura” a páginas 78 e seguintes um artigo de Teodora Cardoso intitulado “A obra de Cavaco Silva, a ciência económica e a política” a que a Direcção da revista deu especial relevo e que me “encheu as medidas” pelas questões abordadas e pela profundidade da análise; já quanto à oportunidade política, tenho qualquer coisa a dizer.
Pelo destaque editorial se depreende previamente qual o teor do texto: “A política económica facilmente engendra expedientes de curto prazo para obter resultados e criar uma ilusão de crescimento económico no momento oportuno. Mas tais expedientes instabilizam as economias onde são usados e provocam distorções que agravam o crescimento a médio/longo prazo”.
Com este destaque, a revista resume todo o intróito do artigo nos dois primeiros parágrafos intitulados respectivamente “A Economia enquanto Ciência” e “A Economia enquanto instrumento”. A partir daqui, a autora revê a fase anterior a Cavaco Silva, nomeadamente entre 1977 e 1985 em que a AD não sai tão bem tratada como eu gostaria mas em que Ernâni Lopes, esse sim, é elevado a um pedestal importante.
Ao entrar na fase de Cavaco Silva como Primeiro Ministro, então a análise inicia-se com o impacto da adesão à então CEE na perspectiva dos factores de curto prazo (“preço do crude caiu para metade”; “abertura do mercado espanhol”; “transferências de fundos da CEE”) como na dos factores estruturais [“políticas profundamente conservadoras em matéria de emprego, burocráticas (…), confusas em matéria de ambiente (…), ineficazes no respeitante à formação profissional (…)”; “apoio às empresas portuguesas em subsídios”; etc].
Daqui passa à evolução das despesas públicas e a (não) reforma da Administração Pública em que faz uma retrospectiva da política relativa às remunerações do funcionalismo público, às carreiras, aos regimes especiais.
Finalmente, aborda a questão das implicações para o futuro em que fundamenta as medidas em curso do Governo Sócrates aduzindo inúmeras referências a Val Koromzay, Director da OCDE que em Março de 2004 dissertou sobre a política económica reformista.
O artigo conclui com uma frase que me parece lapidar: “É tempo de tanto a esquerda como a direita perceberem que as rendas de Cavaco acabaram e que as reformas agora necessárias já não consistem em aumentos de rendimento sem contrapartidas. Têm, pelo contrário, que começar pelo aumento das contrapartidas, num contexto que assegure a protecção dos mais fracos, mas que não use como capa para ocultar a ambição pelo poder.”
Para quem como eu sempre achou que o combate de Cavaco Silva à inflação se fez pelo desbragamento do comércio externo e pelo incentivo das “grandes superfícies” com o maior prejuízo da produção nacional e do comércio tradicional, sem um mínimo de preocupação com a promoção da transparência dos mercados nem com os mecanismos de formação de preços e muito menos com a moderação da despesa pública, este artigo “encheu-me as medidas”.
Já quanto à oportunidade política, refiro apenas que Cavaco Silva não tem actualmente acesso constitucional às questões da política económica e financeira e é por isso que me parece que a oportunidade política deste artigo é deontologicamente discutível.
Acho que é muito feio “bater nos velhinhos” e daqui sugiro a Teodora Cardoso que nos tempos mais próximos não vá passear para os jardins de Belém nem sequer visitar o Museu dos Coches.
Lisboa, 19 de Abril de 2006
Henrique Salles da Fonseca