Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A bem da Nação

O PRÍNCIPE DE GALES E OUTRAS EXCENTRICIDADES BRITÂNICAS

El Príncipe Carlos y la Duquesa de Cornualles a su llegada a la cena de gala celebrada en su viaje oficial a Sri Lanka
 

Por este andar, ainda vamos descobrir que a democracia parlamentar é tão excêntrica como o príncipe de Gales

O príncipe Carlos fez 65 anos na quinta-feira passada. Desde que a posição foi criada, em 1301, Carlos é até hoje o príncipe de Gales que mais tempo ocupou o cargo. Não se sabe ainda, no entanto, se e quando herdará o trono britânico.

 

Apesar disso, o aniversário foi condignamente assinalado no Reino Unido. O Telegraph de Londres escreveu um editorial e destacou na primeira página uma entrevista com a mulher de Carlos, Camilla, duquesa da Cornualha. O título foi um pouco bombástico: "Hopeless, annoying, exhausting: Camilla's verdict on Charles". Mas afinal a entrevista era bastante simpática para o aniversariante, destacando a sua dedicação ao trabalho e a inúmeras causas cívicas e sociais.

 

Entre essas causas, destaca-se a defesa do mundo rural. A Country Life, uma das mais pitorescas revistas rurais inglesas, convidou o Príncipe de Gales a dirigir a edição da semana passada. Num longo editorial de três páginas, Carlos classifica o mundo rural britânico como "a não reconhecida coluna vertebral da nossa identidade nacional – tão preciosa como qualquer uma das nossas grandes catedrais". Seguem-se inúmeras reportagens sobre as mais diversas explorações agrícolas que têm recebido prémios do "Countryside Fund" – um Fundo não estatal promovido por Carlos para apoiar o mundo rural.

 

Não sei se a revista vendeu muito em Londres, mas, no aeroporto de Heathrow, literalmente voava dos escaparates a ritmo alucinante.

 

Talvez fossem sobretudo estrangeiros, como eu, intrigados com as excentricidades britânicas. Foram aliás estrangeiros quem mais celebrou o aniversário de Carlos, que foi passado ao serviço da rainha, entre a Índia e o Sri Lanka.

 

Pela primeira vez, a rainha Isabel fez-se representar pelo filho na cimeira dos países da Commonwealth, que teve lugar na sexta-feira, no Sri Lanka. No jantar de gala, o Príncipe de Gales recordou que visitara 151 vezes 41 dos 53 países da Commonwealth, sentindo-se já parte da família. Na sua mesa sentavam-se o Presidente do Sri Lanka, o primeiro-ministro de St. Kitts and Nevis, e os representantes da Tanzânia, Chipre e Samoa.

 

Tudo isto soa bastante peculiar aos ouvidos europeus. No entanto, na mesma semana, passaram quase despercebidas entre nós notícias de Bruxelas que seriam muito peculiares se se aplicassem a Londres. Refiro-me à recusa pela Comissão Europeia dos orçamentos nacionais de Espanha e Itália, por estes ultrapassarem os défices previstos pelas regras do euro. A Comissão também emitiu críticas às políticas orçamentais da Finlândia, Malta, Luxemburgo e França, bem como da Alemanha, desenhando orientações sobre o que devem fazer no próximo ano.

 

Se bem me lembro, a última vez que um orçamento foi decidido à margem do Parlamento de Londres terá sido em 1640. O rei Carlos I enfrentou então uma tempestade que conduziu a uma guerra civil, à sua própria decapitação, e ao estabelecimento de uma República puritana de muito má memória. Depois dessas e muitas outras peripécias, os ingleses decidiram em 1688 promover um "Bloco Central" entre partidários do rei e partidários do Parlamento. Com esse acordo entre moderados, afastaram os extremistas de sinal contrário – que defendiam ou o absolutismo real ou o republicanismo radical – e refundaram um regime monárquico, constitucional e parlamentar, que subsiste até hoje.

 

É graças a este regime que Carlos ocupa agora o cargo de príncipe de Gales e pode representar o seu país, à frente do seu primeiro-ministro, nas cimeiras dos 53 países da Commonwealth. Pode criar fundações e promover prémios para o mundo rural ou para a arquitectura tradicional, embora nunca com fundos públicos que não sejam aprovados pelo Parlamento. Também pode emitir opiniões públicas, embora não seja suposto emitir críticas a decisões parlamentares. E ninguém esperaria que emitisse juízos sobre o orçamento parlamentar britânico, muito menos desenhasse directivas sobre o orçamento de algum dos 53 países da Commonwealth.

 

Muitos observadores pensam que o príncipe de Gales e a monarquia constitucional britânica são excentricidades do passado. Pode ser que sejam. Raramente lhes terá ocorrido, todavia, que essas excentricidades possam estar associadas à persistente permanência de um Parlamento soberano em Londres e à inexistência de revoluções em Inglaterra desde 1688.

 

Talvez fosse altura de ponderarmos esta hipótese de correlação, no continente europeu e, sobretudo, na zona euro. Se continuarmos a caminhar alegremente para a erosão dos poderes soberanos dos parlamentos nacionais na zona euro, poderemos vir a ser surpreendidos pela descoberta de que as excentricidades inglesas não residem apenas no Príncipe de Gales. Elas estão indissoluvelmente ligadas à soberania do Parlamento nacional e a outra excentricidade britânica: a democracia.

 

18/11/2013

   João Carlos Espada

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D