HISTORIA IGNOTA
Camilo Castelo Branco conta-nos:
"Lisboa tinha sofrido desde 1309 até 1755 onze terramotos mais ou menos destruidores. No de 1551 arrasaram-se duzentas casas e morreram duas mil pessoas. No de 1597 submergiu-se o Alto do Monte de Santa Catarina com três ruas e cento e dez edifícios. Mas o de Janeiro de 1531 é comparável ao de 1755, porque abateram mil e quinhentas casas e não se calculou os milhares de vítimas.
Pois os cronistas do reinado de D. João III, entendendo que os ministros não mereciam a imortalidade pelo facto de cumprirem o seu dever, providenciando no enterro dos mortos e no remédio dos vivos, escassamente relatam o sucesso.
Garcia de Resende deixou na sua Miscelânea a relação poética do grande terramoto, em que nem sequer alude a Pedro de Alcáçova, o Pombal daqueles tempos.
Nos 'ANAIS de D. JOÃO III' por Fr. Luiz de Sousa há um vácuo de sete anos, 1530-1537. O insigne escritor deixou fora dos Anais a notícia do terramoto.
Em compensação, Garcia de Resende, testemunha ocular, conta assim a catástrofe:
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Gretas, buracos fazia
a terra, e se abria;
água e areia saía
que a enxofre fedia;
isto em Almeirim se viu;
e porque logo vieram
grandes chuvas que choveram
e alguns dias duraram,
as aberturas taparam
que nunca mais pareceram.
Todos com medo que haviam
deixaram casas, fazendas;
nos campos, praças dormiam,
em tendilhões e em tendas
casas de ramas faziam.
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Dois meses assim estiveram,
na mor força do inverno;
águas, ventos sostiveram,
tormentos, trovões sofreram
bradando por Deus eterno.
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Também se sentiu no mar:
sem vento marés se alçaram;
navios foram tocar
com quilhas no fundo dar
como perdidos andaram.
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Muros e torres caíram,
vilas, praças, mosteiros,
igrejas, casas, celeiros,
quintas, e as mais abriram.
Não caíam pardieiros
pedras se viam rachadas
e coisas de muitas sortes,
quanto mais rijas, mais fortes,
tanto mais espedaçadas.
Infinda gente morreu;
grandes perdas receberam,
grandes perdas se perdeu;
muitos má morte morreram
por que de noite aqueceu (aconteceu).
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Por mais calamitosas provações passaram Lisboa e os ministros a quem corria a obrigação de as remediar. Houve pestes mais devastadoras que os terramotos.
Na de 1569 morriam no decurso de alguns meses entre quinhentas e seiscentas pessoas por dia. Os operários caíam mortos pela fome. Já não havia terra para sepulturas. Parte dos sessenta mil que morreram, enterraram-se nas lojas das próprias casas. Enquanto o rei em Cintra prometia levantar um pomposo templo a S. Sebastião advogado da peste, Diogo Lopes de Sousa, Governador da Casa do Cível e D. Martinho Pereira, Vedor da Fazenda, esforçavam uma inútil coragem, na cidade, de pé firme, no âmago do incêndio da peste abrindo casas de saúde e tirando recursos prodigiosos, sem violências nem alcavalas, do meio da miséria geral. (...)
Joaquim Reis