HISTÓRIAS DA NAÇÃO GOESA
DESFEITO O SONHO DO BRASIL DUM EMIGRANTE GOÊS
Nem todos os sonhos acabam bem. Diz-se que Ícaro com asas postiças subiu ao céu a maravilhar-se com a beleza da Terra e... zás, estatelou-se no chão com as asas desfeitas.
Leonardo da Vinci (1452/1519) sonhou e idealizou projectos de vários engenhos, comboios, motores, aviões e helicópteros cuja realização se fez passados alguns séculos.
Na Segunda Grande Guerra, um moço de Benaulim, Salcete (Goa), embarcou em Mormugão no navio de passageiros SS. Karagola com destino a Mombaça no Este Africano. Um submarino japonês afundou o navio perecendo milhares de homens, mulheres e crianças, incluindo centenas de goeses (passageiros e tripulantes).
Porém, aquele moço com o passaporte português, quando acordou viu que estava em Singapura, base naval inglesa tomada e ocupada pelos nipónicos.
São casos de fragilidades dos sonhos que a História nos aponta...
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A história da vida de Brás António de Meneses, natural da Raia, Salcete, segundo filho varão de Francisco de Meneses e de Maria Prudência Soares que, após estudos liceais e das Humanidades no Seminário de Rachol, aportara na Ilha de Moçambique e lá ficara a exercer um cargo público.
Não se sentia feliz porque andava acicatado pelo sonho do Brasil onde queria chegar percorrendo o sertão africano, de Moçambique a Angola e dali seguir num vapor que o levasse ao grande e sedutor Brasil.
Com a leitura das façanhas dos grandes exploradores do sertão africano, como David Livingstone (1813/73), Henry M. Stanley (1841/1914), Hermenegildo de Brito Capelo (1841/1917), Verney M. Cameron (1844/1894), Alexandre Serpa Pinto (1846/1900) e Roberto Ivens (1850/1898), o jovem Brás Meneses, certo dia deixou o sem emprego e meteu-se num camião juntamente com vários pombeiros das mais diversas etnias, sobretudo comerciantes hindus (banianes), maometanos (afro-indianos), alguns mistos, ao quais demandavam o interior do sertão africano para aí vender roupas, artigos de mercearia e outras bugigangas aos chefes tribais da região a percorrer.
Não há qualquer relato oral ou escrito sobre as condições em que o de cujus havia partido dominado pelo sonho do Brasil. Como não era mercador, talvez levasse apenas algumas moedas de oiro para o seu sustento em terras de Angola, para compra duma passagem marítima até ao Brasil a ainda o suficiente para lá se aguentar à cata de emprego. Todo o seu projecto estava bem traçado mas o destino final foi bem outro.
Na volta da caravana de pombeiros a Moçambique, deu-se a triste notícia de que o ilustrado emigrante goês sucumbira algures no interior do sertão africano roído pelas febres da malária, de biliose ou da doença-do-sono. O infortunado, correndo a trás do seu sonho do Brasil, morreu em circunstâncias lamentáveis.
Enquanto o infeliz moço se finava no interior do sertão africano, os seus dois irmãos – Nicolau Tolentino e Pedro Francisco – trabalhavam: um em Inhambane (Moçambique) como funcionário público e o outro em Nairobi (Quénia) como bancário. Através dos anos, esses irmãos do falecido fizeram as respectivas carreiras e constituíram numerosas proles com filhos de ambos os sexos. Vários desses filhos exerceram ou ainda exercem cargos importantíssimos em Moçambique, Quénia, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, França e Canadá.
Na impossibilidade de encontrar os restos mortais do irmão e lhe dedicar uma lousa, os dois irmãos, Nicolau e Pedro, resolveram baptizar os filhos varões com o nome de Brás António.
Dito e feito, cumpriram o acordo combinado: Nicolau Tolentino deu ao primeiro filho varão (terceiro na filiação) o nome de MÁRIO BRÁS ANTÓNIO SANTANA DE MENESES, repetindo o nome Brás António no segundo filho varão. Tanto o primeiro como o segundo foram distintos profissionais.
Como arquitecto (com 20 valores e 42 anos ao serviço na Câmara Municipal de Cascais), Mário Meneses é uma das mais prestigiadas personalidades da Costa do Estoril; técnico superior de vulto, deixou uma obra valiosa e revelou-se como humanista junto do Vaticano no Processo de Restauração da Paz em Moçambique (1992), tendo sido galardoado com a Medalha de Ouro da Academia de Letras e Artes de Portugal. O Arq. Mário Meneses visitou o Brasil (1992) na ocasião da sua participação no Congresso Mundial do Ambiente e Ecologia (ECO92) realizado no Rio de Janeiro após cuja conclusão foi alvo de caloroso acolhimento com atribuição de comenda, medalhas, palma e aceitação como sócio de várias instituições científicas, culturais e sociais, incluindo as Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, sobretudo no Estado do Espírito Santo.
O seu irmão, José Brás António, é conceituado engenheiro civil com distinta carreira académica. Serviu algumas grandes empresas construtoras portuguesas na construção de pontes e estradas mas depois estabeleceu-se por conta própria como engenheiro construtor de prédios urbanos.
Em Nairobi (Quénia), Pedro Francisco teve duas filhas e quatro filhos pelo que ao primeiro filho varão (segundo na filiação) deu o nome de Brás Orlando Francisco de Meneses. Este, é natural de Nairobi (1939) e após estudos secundários formou-se arquitecto pela Universidade de Nairobi e especializou-se em urbanismo pela Universidade de Liverpool (Inglaterra). Depois, foi professor de Arquitectura e Urbanização no Quénia; tendo entrado ao serviço do Banco Mundial, foi Chefe da Missão Especial em Brasília (1978/99); já aposentado, foi fixar-se em Toronto, Canadá, onde mantém o seu escritório de arquitecto e urbanista; nos seus ócios dedica-se às letras devendo brevemente editar a sua primeira novela histórica.
Por estranho destino, coube aos arquitectos Mário Brás António Santana de Meneses e ao seu primo co-irmão arquitecto-urbanista Brás Orlando Francisco de Meneses realizarem o sonho do Brasil do seu infortunado tio parente Brás António de Meneses, perdido no sertão africano.
Alcobaça, 2 de Agosto de 2010
Domingos José Soares Rebelo