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A bem da Nação

LUZIDA FRAGATA

 

Luzida fragata a que naquela segunda feira, 27 de Março de 1684, subiu a barra do rio Praya, acesso principal ao Reino do Sião.

 

“Nossa Senhora do Rosário” se chamava a fragata e nela se fazia transportar o seu proprietário, Pero Vaz de Siqueira, grande armador de Macau e Senhor nos mares da China, a quem o Vice-rei da Índia, D. Francisco de Távora, enviava como Embaixador de D. Pedro II, rei de Portugal, ao rei Phra Narai do Sião.

 

“Depois que o Senhor Embaixador recebeo as ordens para fazer trez Embaixadas aos Reynos de Sião, Cauchinchina e Camboja, não poz a consideração nas grandes despezas que se lhe offerecião de sua fazenda para o serviço de Sua Alteza porque para este dezejou sempre ter muito pello grande zelo que nelle morou sempre de leal vassalo, mas considerou que para conseguir as ditas Embaixadas lhe era necessário grande lustro e apparato assim de gente como de ornatos porque os Reys destas partes não estimão os Embaixadores que a seus Reynos vão, tanto pela calidade das pessoas quanto pello apparato com que entrão em seus Reynos   ( … )”

 

Depois de 60 anos de governação filipina e das batalhas de Montijo (1644), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664) e Montes Claros (1665) pela restauração da soberania nacional, estava o reino em tão grandes dificuldades financeiras que o Vedor da Fazenda, D. Luís de Meneses, 3º Conde da Ericeira, acabaria por se suicidar.

 

É assim bem de ver por que tanto fausto na Embaixada ao rei do Sião teria que correr pelo financiamento privado do próprio Embaixador.

 

E como podia então um Embaixador financiar tão luzidas missões de Estado?

 

Pero Vaz de Siqueira era natural de Macau, fidalgo-cavaleiro, participou de 1644 a 1647 na Embaixada que seu pai chefiou ao Japão com o objectivo de tentar reabrir o comércio japonês que acabara em 1639 com a expulsão dos portugueses, em benefício do exclusivo holandês. Depois de participar na reconquista de várias praças na Índia, regressou a Macau no início da década de 1670 onde casou rico e se tornou armador e comerciante entre Macau, Bornéu, Timor, Java e Sião explorando, sem lhe dar esse nome, as vantagens comparativas dos diferentes produtos no comércio internacional. Pena foi que seu pai não tivesse conseguido demover o Xógum Tokugawa Iemitsu a reabrir aos portugueses o tráfego da prata japonesa para a China e das sedas chinesas para o Japão. Paciência; se não se conseguia chegar directamente ao Japão, havia que tentar um intermediário e esse poderia muito bem ser o Sião, reino amigo tanto do Japão como de Portugal. E se a Coroa não tinha cabedais que lhe permitissem o desempenho condigno das missões de Estado, nada mais conveniente do que mobilizar a vontade particular de quem comerciava sob alvará régio amealhando lautos bens de fortuna podendo vir a ter interesse directo no pródigo mas bom termo diplomático de tão prodigioso trato.

 

Mas se em Portugal a restauração se fez contra os espanhóis, lá por fora, no que restava do Império, houve que enfrentar espanhóis, holandeses e franceses que tudo nos queriam abocanhar. E se no Japão, Malaca, Sri Lanka e Macaçar tivemos que defrontar os interesses holandeses, no Sião tínhamos os Bispos franceses que, ao abrigo das determinações de Urbano VIII, ali derrotaram o Padroado Português, cativaram aquele grego a que nós chamávamos Constantino Falcão que desempenhava o cargo de Governador em nome do rei Phra Narai e assim impediram a entrada do Sião como intermediário de Portugal no negócio com o Japão. E porquê? Porque naquela época tudo o que no Oriente fosse bom para Portugal era mau para as outras nações europeias. Eis como a Guerra da nossa Restauração foi bem mais ampla do que aquilo que os compêndios de História referem.

 

E não contentes com o imbróglio político, houve também a questão religiosa pois era a partir de Macau que o Padroado Português exercia a sua acção na China, Japão, Sudoeste Asiático, Tonquim, Cochinchina, Hainan e Camboja mas sempre em confronto com o Padroado da Coroa Espanhola situado nas Filipinas e que daquela região queria afincadamente expulsar qualquer influência portuguesa. Assim foi que Jesuítas e Franciscanos – os prosélitos do Deus infinitamente bom e do perdão – optaram por Macau e, portanto, por Portugal enquanto Agostinhos e Dominicanos – os do Deus castigador – se resguardaram nas Filipinas ao abrigo de Espanha. E como aquilo que na Europa é verdade, na Ásia pode não ser, eis como no Sião os franceses se encarregaram de facilitar a vida aos espanhóis, seus arqui-inimigos no Velho Continente, dificultando a diplomacia portuguesa. Mais: em 1686 os siameses não ajudaram Portugal, no ano seguinte os franceses mandaram um contingente militar e assumiram o quase monopólio das relações do Sião com o exterior mas em 1688 o rei Narai adoeceu, Constantino Falcão foi passado pelas armas e os franceses expulsos. Portugal viu confirmados os seus créditos no Sião, não conseguiu voltar a comerciar com o Japão e optou durante mais alguns séculos pelas lutas contra piratas, tufões e tsunamis nos imensos mares do sul.

 

E por aí navegou a seu bel-prazer em lauto comércio entre as praças que tanto prezava para benefício próprio e de locais, sempre com o dedo no gatilho e de olho posto na cobiça de quem construía menos conventos do que Universidades.

 

Quando o último português regressava à pátria lambendo as feridas do Império perdido no Largo do Carmo, sobrevoou a antiga fortaleza de Nossa Senhora dos Milagres no Cabo de Jafanapatão e à sua frente viu o Sol pôr-se em terra por trás de Madurai e Pondicherry.

 

Lisboa, Março de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

“A EMBAIXADA AO SIÃO DE PERO VAZ DE SIQUEIRA (1684-1686) ”

Autora: Leonor de Seabra, Leitora de Português na Universidade de Macau

Editores: Instituto Português do Oriente e Fundação Oriente

1ª Edição: Macau, Dezembro de 2004

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