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A bem da Nação

“SINGING IN THE RAIN” – A ONOMÁSTICA DA NEGAÇÃO – 1

 

Lembrei-me do “Ninguém” com que o astucioso Ulisses se identificou junto de Polifemo – depois de embriagar o horrendo Ciclope que lhe matara parte dos companheiros – nome que, na sua ambiguidade, serviu à vontade para Ulisses se livrar do ataque dos outros Ciclopes que Polifemo chamara em seu auxílio: se “Ninguém” o estava a matar, os brados de Polifemo eram falaciosos e por isso aqueles o abandonaram e aos seus berros, com benefício para o “sábio grego” e companheiros restantes da chacina ciclópica.

 

Como trocadilho, o indefinido “Ninguém” será usado ainda onomasticamente por Gil Vicente, no “Auto da Lusitânia”, em visão maniqueísta, como opositor a “Todo-o-Mundo”, nos seus atributos de humildade e despojamento, contra a arrogância e materialismo do segundo. Também Garrett atribui a auto denominação de “Ninguém” à personagem “D. João de Portugal”, da peça “Frei Luís de Sousa”, de polissemia simbolizando o aniquilamento existencial, pela desolação íntima absoluta e simultaneamente o orgulho vingativo da personagem traída na sua honra de nobre impoluto, pairando como ameaça de punição pelo remorso futuro de quem o traiu.

Mas o assunto sobre a negação pronominal ou adverbial como termos da onomástica simbólica surgiu em dia sombrio de chuva, pela evocação do “Never More” com que aparentemente se denominou o Corvo do poema romântico “THE RAVEN” do escritor americano Edgar Allan Poe, publicado em 1845, ano do nascimento de Eça de Queirós.

 

 

 

Um poema narrativo, que encontro na Internet, juntamente com as traduções de Fernando Pessoa, de Machado de Assis e que Baudelaire já traduzira para francês em 1853 em prosa poética, talvez mais expressiva e fiel do que os versos em português, embora nenhuma tradução consiga transpor, pela estridência dos sons evocados no poema inglês, que actores ingleses tão magistralmente interpretam no Youtube, toda uma atmosfera sinistramente nocturna de um Inverno tempestuoso de Dezembro, lúgubre de evocação de uma Lenore morta e em vão recordada e em que o “Never more” (“Jamais plus” / “Nunca mais”) da voz do Corvo é significativo da irreversibilidade da morte, como já o mito de Orpheu o dissera e os seus seguidores o decantaram, mais ou menos elegiacamente. Mas os sons ingleses, mais fechados, a acrescentar a todo um poema de sonoridades e asperezas casando-se com a regularidade métrica de rimas internas e aliterações, logo prendem, sobretudo se recitados nas extraordinárias representações inglesas.

 

Fernando Pessoa consegue transmitir idêntica mensagem de regularidade rítmica, um tanto artificial, nas suas rimas internas e aliterações, o quadro de irrealidade e sinistro que Poe verterá no seu poema, mas a ocultação do nome Lenora pela vaga perífrase amada”, (essa cujo nome) (estr. 2), “o nome dela” (5), “ela” (13), “o nome da que não esquece” (14), “essa hoje perdida”, “essa cujo nome (16), em vez do nome “Lenora”, que Baudelaire respeita, nas mesmas estrofes, correspondentes, de resto, aos do poema original e Machado de Assis não integralmente, estranha-se como uma falha, na arquitectura de sonoridade que Pessoa tentou imprimir-lhe, genialmente também.

 

Mas o poema de Baudelaire – em prosa poética - parece-me ser o mais claro, fiel e expressivo do conteúdo do poema de Poe, narrativo-dramático – e dramatizável, como o provam os intérpretes do texto inglês da Internet, a que temos acesso.

 

(continua)

 

 Berta Brás

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