Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A bem da Nação

HISTÓRIA DIPLOMÁTICA - 2

O "apaziguamento", segundo Vasco Pulido Valente.

 

Eu gosto de ler Pulido Valente que considero um dos mais lúcidos observadores da política nacional e que muito nos tem ajudado a compreender a sua especificidade fenomenológica. Mas, desta vez Pulido Valente induziu os seus leitores em erro.

 

A propósito da situação criada pela aposta atómica iraniana, VPV discute a pertinência como paralelo histórico da tristemente famosa Conferência de Munique 29 de Setembro 1938, [PUBLICO 21/01/06] e diz : “O apaziguamento tinha uma lógica que o fracasso fez esquecer. O tratado de Versailles impusera à Alemanha uma paz cartaginesa, universalmente condenada e que a própria Inglaterra estava pronta a corrigir. Até certo ponto [difícil de estabelecer], não era extravagante pensar que a reafirmação nacional da Alemanha a pudesse trazer a posições mais moderadas. Só agora sabemos (!) que Hitler queria a guerra desde o princípio, os contemporâneos não sabiam.”

 

A lógica do apaziguamento (appeasement) não pode ter sido, como diz VPV, a vontade britânica de corrigir o erro de tratado de Versalhes e muito menos, como infere, a ingenuidade da diplomacia britânica.

 

Ao tempo de Munique, a Paz “cartaginesa” já estava morta e até enterrada. O seu funeral foi a ocupação militar da Renânia [Março, 1936]. Munique só se explica à luz do entendimento tácito que, por mor da eclosão da Guerra Civil em Espanha [Julho, 1936], se estabeleceu entre as “burguesias” democráticas [e não tão democráticas] ocidentais no sentido de consentir a Hitler mãos livres para neutralizar a URSS de Estaline.

 

Salvo por este entendimento, a mudança de atitude da Grã Bretanha em relação à Guerra Civil espanhola e outros factos então ocorridos no domínio diplomático quedariam falhos de sentido. Nesta matéria, Hitler a ninguém enganou. Aliás, será difícil acusar Hitler de duplicidade, pelo menos neste assunto. Ele declarou no “Mein Kampf” que era seu objectivo atacar a URSS e logo que chegou ao poder passou a preparar o ataque. Para o efeito, celebrou o Pacto com o Japão e a Itália de Mussolini. Internamente, obrigou o povo alemão a passar fome, com a célebre política “mais canhões menos manteiga”. Os contemporâneos estavam cientes destes propósitos e progressos. Uns gostavam, outros não. Em Munique, Chamberlain deixou à disposição de Hitler um milhão de operários e toda a indústria de armamentos checoslovaca [mais avançada ao tempo do que a alemã], elementos indispensáveis para acelerar a montagem da máquina de guerra do III Reich.

 

Factos desta magnitude e natureza não resultam de acasos, falta de informação, ou pura ingenuidade. Temos que admitir que os participantes na Conferência estavam unidos por um sentimento que [mantiveram oculto] inspirado pelo receio causado pelo expansionismo ideológico-territorial soviético. Chamberlain ter-se-á enganado não foi em relação às intenções de Hitler, mas talvez na avaliação da receptividade da opinião pública britânica à belicosidade anti germânica da oratória de Churchill. O erro de avaliação não foi externo [intenções hitlerianas] mas sim interno [o sentimento atlanticista britânico]. Nesta matéria, Churchill foi mais perspicaz.

 

»»» «««

 

O hábito de explicar a história diplomática à base da ingenuidade dos estadistas e diplomatas é muito próprio de académicos –- gente sabida –- mas nunca satisfaz os profissionais do ramo. Estes sabem que “ingenuidade dos outros” é exactamente o factor com que nunca devem contar. E isto foi exactamente o que aconteceu. Com efeito, Veiga Simões, então Ministro de Portugal em Berlim já vinha avisando o governo português, desde o Congresso de Nuremberga, de 1937, que “«Quando se forja um exército poderoso sem que um inimigo próximo ou remoto ameace os horizontes e que, para o forjar, se força um povo que ama a mesa em quantidade a dispensar essa quantidade, só se pode ter uma finalidade – a GUERRA, A GUERRA OFENSIVA. Poderão os seus dirigentes clamar meios roucos que o seu propósito é a construção da paz. O que eles pensam construir é o Sacro Império … e, através dele, ocupar pontos estratégicos que sejam canais de matérias prima e de riquezas, mercados que sejam verdadeiras colónias, aliados que sejam verdadeiros servos»”[1].

 

Estou certo que os diplomatas portugueses continuam a manter o espírito crítico e a não confiar na "ingenuidade dos outros".

 

Estoril, Janeiro de 2006

 

Luís Soares de Oliveira.jpg Luís Soares de Oliveira

 

[1] Citado em “Correspondência de um diplomata no III Reich”, compilada por Lina Alves de Almeida; Mar da Palavra, 2005.

2 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2006
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2005
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2004
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D