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A bem da Nação

TRÊS GOVERNADORES DE ANGOLA

 

1593 - 1603

 

D. Jerónimo de Almeida (1593-1594) sucedendo ao irmão no governo de An­gola, (Francisco de Almeida, o que fez um monte de burrada!) compondo-se e condescendendo com os jesuítas, prossegue na conquista, e chamando a conselho os capitães e conquistadores velhos, ex­pôs-lhes a situação pedindo o seu parecer, ao que eles concordaram visto El-Rei desejar tanto a conquista das minas de prata de Cambambe essa fosse a empresa.

 

Obtido o acordo, seguiu para o Cuanza para castigar primeiro al­guns sobas rebeldes e apoderar-se das minas de sal, onde construiu uma fortaleza. Dispunha-se ainda, antes de ir sobre Cambambe, a atacar o Cafuxe Cambáre, célebre jaga que tanto trabalho nos deu, quando adoeceu gravemente, sendo obrigado a retirar para Luanda, deixando instruções para o prosseguimento da conquista, que Baltazar de Almeida, assumindo o comando das tropas, conduziu de forma a cair num ardil que lhe armou o soba Cafuxe, resultando a perda do seu exército, deixando mortos 206 brancos, além de muitos indígenas.

 

Não nos indicam os cronistas as intenções de João Furtado de Mendonça (1594-1602), que se lhe seguiu no governo, mas vemos que, abandonando a Quissama e Cafuxe, se dirige com as suas tropas para Icolo e Bengo, talvez na in­tenção de ir atacar os fidalgos fronteiros do Congo, que também jagas seriam. Acampando na época das chuvas, uma epidemia levou-lhe mais de duzentos dos seus soldados, e ele próprio, bastante doente, teve de retirar para Luanda. Restabelecido, marchou de novo pelo Bengo para o interior, cujos sobas castigou com severidade (1), mas entretanto os do sul atacaram Massangano, que, sempre heróica, soube resistir, até que o valente Baltazar Rebelo de Aragão, o Bangalambata como lhe chamava o gentio, foi mandado em seu auxílio e derrotou os atacantes perseguindo-os até à Quissama, onde foi fundar à sua custa um outro presídio, em lugar do que D. Jerónimo de Almeida deixara na Adenda, que melhor garantisse a posse das minas de sal.

 

Mais nos não dizem os cronistas da época sobre a acção de Furtado de Mendonça, e, contudo, parece fora de dúvida que por 1601 ou 1602, ele foi em viagem de negócio pela costa para o sul, chegando a Benguela, onde fundeou as suas embarcações, e, desembarcando, fez construir um fortim de madeira para se defender, com cinquenta homens que levava, de qualquer possível ataque dos naturais. Entrando em negociações com eles, rapidamente adquiriu grande quantidade de vacas e esplêndidos carneiros, milho e madeira de Cacongo, com que fez car­regar uma embarcação, e em poucos dias mais tinha quinhentas cabeças de gado, muito cobre e marfim, com que carregou mais três embarca­ções que levava, e regressou então a Luanda (2).

 

Da política de suborno empregada para tornar possível o domínio da Espanha, chegara-se à corrupção e desmoralização de todos e de tudo, e os negócios do Estado, pelo que diziam respeito às nossas con­quistas e à política externa, eram dirigidos conforme as necessidades e conveniências de Espanha, sacrificando-se os interesses de Portugal.

 

Felipe II deixara o reino empenhado e o Duque de Lerma, primeiro-ministro de Felipe III, tentou melhorar as arruinadas finanças espanho­las. Um dos rendimentos a explorar eram os assentos e as licenças para o fornecimento de escravos, que a Espanha, sem colónia alguma a não ser no norte da África, não tinha aonde os ir buscar na quantidade que precisava e se via na necessidade de contratar, concedendo determina­das vantagens a troco de uma renda certa ou cobrando uma licença.

 

Por muitos anos e por motivos de diversa ordem andaram os as­sentos e licenças nas mãos de alemães, flamengos e genoveses, fazen­do-se o angariamento de escravos, brancos, mouros, judeus e sobretudo negros, de princípio, nas ilhas do Mediterrâneo, principalmente na Sar­denha e ao sul de Espanha, na Andaluzia, onde eram numerosos. De­pois, à medida que as colónias espanholas se desenvolveram, passaram os possuidores de licenças a irem adquiri-los a Cabo Verde e por fim o Duque de Lerma pensou e bem, que melhor seria fazer o contrato com um português, visto as nossas conquistas da Baixa Etiópia serem ma­nancial inesgotável.

 

João Rodrigues Coutinho, fidalgo português da melhor linhagem (3), obteve em 1600 que o contrato dos assentos passasse para ele, obri­gando-se a fornecer anualmente às colónias espanholas 4.250 escravos e dando à Coroa de Espanha 162.000 ducados (4).

 

Das conquistas portuguesas, a que melhor podia satisfazer este im­portante fornecimento era a de Angola, e, para essa, mandavam-se go­vernadores e capitães aquele reino com intento de conquistar as minas de prata de Cambambe... dando juntamente os resgates dos escravos muito fructo, com o que aquelle governo foi tido em mais estimação (5), e, assim, João Coutinho deve ter calculado, que tendo colocação garantida para os escravos que comprasse, maiores lucros obteria se os pudesse res­gatar directamente, dirigindo ele as guerras. De dedução em dedução, deve ter terminado por concluir, que tendo de andar pelo interior em guerras para fazer escravos, também podia chegar às minas de Cam­bambe, e, terminando por propor o contrato da conquista das minas de prata, regularizando ou encobrindo tudo com o cargo de Governador (governou entre 1602-1603), proposta que foi aceite, por parecer que a dita conquista das minas se poderia fazer com menos despesa por via de contrato (6).

 

Mas não se contentou com isto e mais pediu, dando-lhe Felipe III de Espanha maiores prorrogativas que nenhum dos seus antecessores teve, pois levou a faculdade de distribuir mercês de hábitos de Cristo e no­mear moços da Real Câmara, além de se ter renovado a provisão equi­parando os serviços de Angola aos do norte da África e da Índia tudo para promover a conquista das minas de prata de Cambambe, para cujo efeito levou um grande socorro de munições e de gente (7).

 

Para completa elucidação deste negócio convém frisar que um dos mais importantes lucros dos assentos e com que se fazia face à renda a pagar à Coroa de Espanha, era o proveniente do contrabando feito pelos navios do assentista, contrabando não só realizado nas Antilhas, mas desde Espanha até lá, com escala pela Mina, Angola e Brasil e ainda com ligações com as naus da Índia arribadas a Luanda para su­postas reparações, pagas, à falta de dinheiro moeda, vendendo a fazenda que transportavam. Pode-se, assim, fazer uma ideia mais perfeita desta complicada engrenagem administrativa comercial; do pessoal que metia; dos creados que o Governador teria de levar; dos lugares que tinha de arranjar para os empregar... e da moralidade da época.

 

Era um Governador nestas condições, tendo por assim dizer o mo­nopólio de todos os negócios e, por isso mesmo, dependendo de toda a gente, que convinha aos que exploravam Angola, e, de entre todos aos jesuítas, que o apreciavam, dizendo que era fidalgo tão bem acondi­cionado & magnífico & de tanta prudência em saber levar aquela gente porque não se podia opor à sua acção sobre os indígenas e desmedida ambição do mando, antes pelo contrário as aproveitava porque lhe fa­cilitavam o cumprimento do seu contrato. E hoje, que se conhecem claramente as intenções de João Coutinho ao ir como Governador para Angola, melhor se pode avaliar o fundamento das lamentações dos je­suítas nas suas crónicas, sobre as medidas tendentes a estorvar ou im­pedir a sua acção sobre os indígenas e o fim por que as contrariavam, ao passo que louvavam João Coutinho, que sem ter feito mais do que desembarcar e pôr-se em marcha para o interior, como todos os outros faziam, e como o fez D. Francisco de Almeida, eles afirmavam que toda a situação mudava e os sobas fugidos passaram a apresentar-se e a prestar obediência (8).

 

A evidência se conclui que eram eles, os Jesuítas, feitos no negócio, e tendo real e efectivamente todo o poder sobre os indígenas, de quem eram amos e protectores que manobravam agora de forma a facilitarem a João Coutinho o poder dar cumprimento aos seus contratos, como anos antes tinham manobrado contra D. Francisco de Almeida, e talvez preparado a monumental derrota que o Cafuxe infligiu às nossas tropas comandadas por Baltazar de Almeida.

 

Com João Rodrigues Coutinho, porém, as coisas passaram-se de outro modo, e, depois de desembarcar o importante socorro que levou e de tomar as medidas para a marcha, iniciou esta em direcção ao Tombo, onde embarcou as suas tropas em pequenas embarcações que subiram o Cuanza até Songa, próximo da Muxima, onde residia aquele soba amigo que Paulo Dias nomeou capitão-mor da gente de guerra da terra e fora baptizado com o nome de D. Paulo. Demorou-se no Songo alguns dias, enquanto esperava um reforço que mandou buscar a Massangano e seguiu depois para a Muxima e Malombe, onde parece que se foram apresentar, prestando obediência, os tais numerosos sobas que os Jesuítas referem. Dali foi dar batida ao soba Agoacaiongo, que venceu, aprisionando-lhe grande número de mulheres e crianças (9).

 

João Rodrigues Coutinho, que se tinha assenhoreado de todos os monopólios e de todas as condições necessárias para o bom êxito dos seus negócios, esqueceu-se contudo de uma, - a sua saúde, e uma febre adquirida nesta ocasião por tal forma o atacou, que em seis dias fale­ceu, morrendo tão grande christâo como elle sempre foy!

 

A sua morte deu lugar a que os seus capitães começassem em de­savenças sobre a sucessão, mas tinha ido com ele para o auxiliar na­quela evangélica missão, o padre Jorge Pereyra da nossa companhia que com elle estava e esse, com muyta prudência e autoridade se ouve de maneyra que nomeandolhe o sucessor, que foy Manoel Serveyra Pereyra os aquietou, e pacificou a todos... (10).

 

(1) Pela narração feita por Battell (Ravenstein, op. cií.), parece que esta segunda marcha sobre o Bengo se deve ter realizado em 1597, sendo comandada por João da Vilória, que com­bateu mais de dois anos na região de Engazi, actualmente Dembos.

 

(2) Ravenstein.

 

(3) João Rodrigues Coutinho, irmão de Frei Luís de Sousa (D. Manuel de Sousa Coutinho), era filho de Lopo de Sousa Coutinho, fidalgo cultor das letras e das ciências físicas e matemá­ticas e de tanta consideração que «A presença e gravidade, da pessoa era tal, que o rei se com­punha quando falava com ele». Lopo Coutinho era bisneto do 2.° Conde de Marialva, e, como se sabe, em 1581, entre os fidalgos que Felipe II mandou perseguir e prender por desafectos à usurpação espanhola, figuram os filhos do Conde de Marialva. A concessão de mercês por Felipe II a João Coutinho, quando o seu ódio pelos inimigos foi a ponto de enclausurar senhoras fidalgas da família Vimioso, Meneses, Marialva, etc., dá lugar a poder admitir-se, dada a cor­rupção de costumes da época, que a concessão do contrato tivesse em vista a paga ou compra da sua adesão.

 

(4) Colecção de tratados de Borges de Castro, 1856, tomo II, págs. 44/45 e G. Scelle, La traite négrière aux Indes de Castille. Por morte de João Coutinho passou o contrato, em 1603, para o irmão Gonçalo Vaz Coutinho, que em 1603 também chegou a ser nomeado Governador de Angola, sendo ainda assentista, mas não tomou posse.

 

(5) Biblioteca da Ajuda, Cód. 51-VIII-25, fls. 119. Luciano Cordeiro, Memórias. Relação da Costa da Guiné.Luciano Cordeiro indica para esta Relação a data de 1607, mas deve ser entre 1604-1606.

 

(6) A carta régia que nomeia Coutinho é igual à de todos os outros, sem menção de poderes extraordinários, nem referências ao contrato, que não foi possível encontrar mas que sem dúvida, existiu, porque G. Scelle o indica. André Battel, quando descreve as suas aventuras no tempo do Governador João Coutinho (Ravenstein), conta que este se obrigara a cons­truir três castelos, um em Demba, nas minas de sal; outro em Cambambe, e outro na Baía das Vacas (Benguela).

 

(7) Fêo Cardoso, Memórias. De um requerimento de Luís Mendes de Vasconcelos sobre o socorro que precisava levar para Angola e a que adiante se fará referência, consta que João Rodrigues Coutinho levou mil homens, muitos cavalos, armas e munições.

 

(8) Relação do Padre Guerreiro, cit.

 

(9) Esta narração é baseada em André Battell {Adventures, pág. 37). Na mesma obra, Ravenstein, a pág. 156, apêndice IV, diz-nos que João Coutinho faleceu no Songo, enquanto es­perava o reforço que mandara vir de Massangano, e portanto antes de entrar em contacto com o inimigo, tendo sido Manuel Cerveira Pereira quem derrotou o Cafuxe em Agoacaiongo. O Catálogo dos Governadores de Angola diz o mesmo, mudando apenas o local do falecimento para Caculo Quiaquimone. Não sabemos qual o fundamento destas duas versões, e por isso nos cingimos à de André Battell, que se não refere ao soba Cafuxe, mas ao Agoacaiongo. Pa­rece que havia ideia de atacar o Cafuxe, mas esse ataque não se efectuou, como se depreende da leitura de uma Snçã de livrato de mel serva pa a fls. 294 do mss. 526 da Colecção Pomba­lina da Biblioteca Nacional. Conforme sentença baseada no processo de devassa e residência a que se mandou proceder pelo Bacharel Manuel Nogueira, em vista de várias acu­sações contra Manuel Cerveira, sendo uma delas exactamente a desistência de fazer guerra ao Cafuxe, para o que estava combinado com o soba Langere, por aquele lhe ter dado 40 peças, com o que o dito Langere se anojou deste procedimento.

 

(10) Relação do Padre Guerreiro, cít.

 

Rio de Janeiro, 09/04/2012

 

 Francisco Gomes de Amorim

 

(Texto de “APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INICIO DOS ESTABELECIMENTOS DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” coligidos por Alfredo Albuquerque Felner, 1933)

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