RECORDANDO UM TEXTO DE 1996
Tendo reencontrado este documento no meu arquivo, julgo ser oportuno partilhá-lo com os leitores deste blog, pois sempre pode contribuir para melhor se compreender as origens desta crise atual.
Nos passados dias 3 e 4 de Maio realizaram-se, em Tomar, as 1ªs jornadas nacionais sobre o estado do turismo nacional organizadas pelo fórum do turismo português.
Dadas as características da actividade turística e o leque muito alargado das pessoas que participaram nos trabalhos qualquer síntese das conclusões terá sempre que ser muito influenciada pela especialização de quem a faz, dificuldade esta agravada pelo facto de ainda não haver estabelecido um quadro coerente e completo de indicadores que permitam a par e passo ter uma noção quanto possível rigorosa do estado desta actividade em Portugal.
Evidentemente que não é apenas nesta actividade que se verificam estas dificuldades estatísticas que já tem origens remotas no tempo e profundas na administração pública portuguesa mas que se agravam como consequência da grande abrangência do turismo português e dos vários equívocos que existem no que se refere à sua gestão.
Quando se pretende analisar o estado actual de qualquer actividade há que definir em primeiro lugar como é que a definimos e qual é o peso que deverá ter na sociedade em que está inserida, de forma a haver termos de comparação que nos permitam aferir se estamos ou não no caminho certo.
No caso de Portugal o caminho certo passa, neste momento que vai certamente levar alguns anos a percorrer, por duas linhas directrizes essenciais: criação (e manutenção) de mais empregos e aumento da qualidade dos produtos oferecidos porque dela depende o valor acrescentado e deste depende o nível de vida da população e a capacidade de investir para obter as melhorias seguintes entre elas a segurança.
É claro que tudo isto implica haver competitividade, como é óbvio mas frequentemente esquecido, pois esta não é mais que a medida da capacidade de sobrevivência o que significa que ao dizer-se criar empregos eles terão que ser forçosamente em empresas competitivas e quando se fala em qualidade mais alta temos que realizar que esta não é apenas um factor que pode aumentar a competitividade mas também o único caminho para a sobrevivência da humanidade.
Posto isto passemos ao primeiro capítulo destas jornadas:
1-Situação actual
1.1 - Importância do turismo português – 6,5 % do PIB sem contar com muitas actividades não determinadas – população afecta a esta actividade 100%, embora talvez mais de 50% não tendo consciência disso – como o turismo é a actividade que traz o cliente ao produtor, ele será a única forma de manter e até desenvolver inúmeras actividades económicas que pelas suas dimensão e características só assim poderão sobreviver e desenvolver-se.
1.2-Dificuldades existentes:
-1-Valor acrescentado alto em relação ao produto turístico mas baixo em valor médio como consequência da percentagem de pessoal qualificado ser de cerca de 35% enquanto nas outras actividades é cerca de 50%
-2-gasto médio a decrescer (-2,5%/ano nos últimos 15 anos) o que significa abaixamento da qualidade dos produtos turísticos oferecidos aos clientes
-3-insistência em produtos ultrapassados como, por exemplo, o exclusivo sol-praia
-4-carências de animação e de outras componentes valiosas dos produtos turísticos existentes
-5-profissionalismo deficiente
-6-efeitos perversos de alta sazonalidade
-7-baixa eficácia das administrações estatais seja central seja autárquica em especial no que refere a regulamentação e respectiva fiscalização, e por isso...
-8-existência de excessivos poderes discricionários aos vários níveis da hierarquia do estado e dos municípios e por isso...
-9-concorrência distorcida e muita actividade paralela
-10-muita dispersão de esforços
-11-desenvolvimento desintegrado e descontinuado
-12-clima de irresponsabilidade generalizada em grande parte originada pelo facto de o principal órgão de soberania de uma democracia parlamentar, isto é a Assembleia da Republica ser constituída por cidadãos que não tem que responder pelos seus actos perante os que os elegem porque a Constituição vigente o não permite e isto acontece embora os dois principais partidos políticos tenham desde há bastantes anos a possibilidade de corrigir tão grande erro mas ainda não o quiseram fazer, dando inclusive origem a um regime político sui generis denominado bi presidencialista,
-13-fraco protagonismo dos empresários e pouca eficácia das associações empresariais e sindicais, não dando à Sociedade Civil o peso na vida do País que seria desejável e conveniente
-14-liderança fraca
-15-descapitalização de muitas empresas do sector
-16-disparidades de enquadramento em relação a outros países, com ênfase particular para a Espanha
-17-pouco turismo interno
-18-degradação do ambiente: lixos, águas, esgotos, urbanismo, sinalização das ruas e estradas, trânsito automóvel, ruído, publicidade exterior, etc.
-19-aparecimento de novos concorrentes externos
2-Potencialidades
Condições naturais favoráveis e ainda desaproveitadas para combater a sazonalidade em particular no Algarve pelo desenvolvimento de actividades naúticas, em particular a construção de algumas dezenas de portos de recreio e/ou marinas, campos de golfe e unidades de animação convenientes, caça e pesca desportivas, reservas de aves para estudo e observação, etc., etc.
Capacidade para rápida melhoria da qualidade dos serviços graças às características de adaptação da nossa população se for convenientemente motivada e dirigida.
Grande riqueza de património histórico e arqueológico ainda muito subaproveitado e frequentemente bastante mal tratado.
Riquezas naturais mal aproveitadas como por exemplo a Ria Formosa e a Serra da Estrela
Gastronomia portuguesa ainda por aproveitar a pleno
Desenvolvimento de artesanato em especial em bens personalizados
Capacidade de angariar divisas ou equivalente se, como se prevê que aconteça brevemente, passar a circular entre nós uma moeda europeia
Aproveitamento do movimento de recuperação da Europa com mais eficiência do foi realizado aquando da adesão.
3-Futuro?
Se continuarmos como nos últimos anos, isto é, se extrapolarmos as tendências da evolução que se tem vindo a verificar teremos que nos contentar com o empobrecimento e o abaixamento do nosso nível de vida.
Como não é certamente esse o desejo da maioria dos portugueses, o que teremos a fazer é adoptar medidas correctivas como as que adiante se apresentam:
3.1-aumentar o protagonismo da Sociedade Civil em particular das empresas e das respectivas associações
3.2-Alterar a Constituição no sentido de a tornar mais operacional e corrigindo os erros apontados e outros mais, de forma a permitir e fomentar uma maior dinâmica de desenvolvimento com qualidade crescente.
3.3-Reformular a administração estatal, quer central quer autárquica, e em que a regionalização administrativa aparece como uma solução se, e só se, os defeitos e as carências daquelas administrações forem corrigidas, não esquecendo que em turismo já existe experiência de regionalização.
Nesta reformulação há que ter presente alguns princípios fundamentais como seja: o da essencialidade, isto é, o de distinguir o essencial do acessório, o da responsabilidade, isto é, ter que haver sempre responsáveis, o da simplicidade, o da objectividade, o da justiça na repartição, o da evitabilidade de preconceitos, o da impossibilidade de monopólios seja económico, político ou qualquer outro
3.4-campanha de mentalização (Educação 4 vertentes) generalizada que abranja toda a população para a importância do turismo na qualidade de vida de toda ela e como isso se deve processar
3.5-medidas concretas específicas
Maio 1996