A SUBMISSÃO DA SIBÉRIA POR ERMAK – 1
Na antiga Moscóvia, a mercadoria mais preciosa eram as peles. Da Inglaterra e da Pérsia, da Holanda e da Turquia chegavam mercadores em busca de peles. Mas os animais selvagens afastavam-se cada vez mais dos caçadores para leste, e as peles encareciam. A caça selvagínea chegou até à cintura pétrea, como então se chamavam os montes Urais.
Para lá dos Urais começava a Sibéria e para norte os "países da meia-noite". A respeito dos países da meia-noite, corriam na Rússia boatos estranhos. Falava-se que aí vivia gente que tinha a boca na testa e quando comia punha a carne ou o peixe sob o capuz e os ombros deles moviam-se como maxilares, para cima e para baixo. Havia também gente sem cabeça: as bocas deles estavam entre os ombros, e os olhos no peito. No Inverno, quando apareciam os gelos, essas pessoas gelavam e ficavam de pé como árvores. Mas na Primavera, quando o Sol aquecia, elas desenregelavam e animavam-se.
E puseram-se os russos a andar pelo país da meia-noite; penetraram para além dos Urais em direcção à foz do rio Ob'. Os Samuedos e os ostiakos (actualmente designados respectivamente por nentzy e khanty) forneciam martas e raposas em troca por facas de ferro e panelas de ferro fundido. E com uma só viagem, enriquecia o mercador.
Instalaram-se no rio Kama os irmãos Stroganof e cortaram bosques, construíram pontes e fundiram minério de ferro. O Czar Ivan Gróznii permitiu-lhes a construção duma cidade e ter canhões. Por sua vez, os Stroganof eram obrigados a defender o território russo contra as investidas dos tártaros que dominavam a Sibéria. Os tártaros frequentemente atacavam o território russo. Em 1579, os Stroganof decidiram fazer a guerra ao inimigo.
Os Stroganovs, desde havia muito que se queixavam ao Csar do khan tártaro Kutchuma. Escreviam-lhe que os tátaros "não permitem aos nossos sair dos fortes... nem trabalhar os campos, nem cortar lenha".
O Czar autorizou os Stroganovs a recrutar homens livres – os cossacos. Era do que precisavam os Stroganovs. Para a campanha da Sibéria exigia-se gente de têmpera, hábil em acções bélicas, gente que os Stroganovs não tinham. Mas chegara-lhes a notícia de que do Volga ao Kama avançava um grande destacamento cossaco e quem o comandava era o ataman (chefe) Ermak Timofeevitch.
O Volga era a grande via de comércio. Mas comerciar era então perigoso. Os ladrões do Volga eram gente livre – cossacos. Dos chicotes (knuts) dos boiardos, da pesada escravatura, os camponeses fugiam para o "campo selvagem" – para a estepe. Agrupavam-se os fugitivos em bandos, adoptando para si o nome de cossacos e para os seus chefes o de ataman.
O mais competente entre eles era Ermak. Mediano de estatura, espadaúdo, de barba preta, ele era severo e não gostava que o contradissessem.
Mas em 1579, o Czar mandou para o Volga destacamentos militares, ordenando-lhes que apanhassem os cossacos e os enforcassem. Escapando à fúria do Czar, os cossacos navegaram no Kama pensando acobertarem-se nos confins da floresta.
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Veio até Ermak enviado pelos Stroganovs um homem a pedir serviço, prometendo alimentação e dinheiro. Os atamanes decidiram ir até aos Stroganovs.
Máximo Stroganov contou-lhe, que os tártaros de Kutchuma o ofendiam, não lhes permitindo trabalhar nem construir. Contou também que o khanato de Kutchuma era rico e ia de lá uma via comercial até Bukhara. Os atamanes escutaram calados. Só no fim do verão Ermak se decidiu. E convocou os cossacos:
- Vamos – disse – até ao khan, fama conquistaremos. Bens, tem Kutchuma muitos, que chegam para todos.
Todo o seu exército – oitocentos homens – Ermak dividiu em centúrias. Uma centúria tinha duas cinquentenas – cada uma sob as ordens de cinquenta homens (entendamos esta expressão como significando a forte solidariedade entre os cossacos de Ermak. Não tenho dúvidas quanto à correcção da tradução). Em cada dez homens havia ainda o seu sénior – o seu capataz.
Com o exército iam escrivães regimentais, porta-bandeiras, tradutores, corneteiros e tambores. Iam ainda três popes e um staretz-vagabundo (velho anacoreta) – um monge fugitivo. Ia o anacoreta sem sotaina, sabia cozinhar papas, disparar o canhão e fazer o serviço da Igreja
Celebraram uma curta missa e despediram-se dos Stroganovs e a 1 de Setembro de 1581 puseram-se em marcha.
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O destacamento de Ermak navegou pelo Tchussóvaia (ver anexo, que representa a região dos Stroganov nos Urais com os rios Kama, Tchussovaia, Tobol, Tura e Irtych). Nas margens não se via viv'alma. Os cossacos navegaram desde o nascer até ao pôr-do-sol. À noite, fizeram um acampamento e acenderam fogueiras. Dormiram sob as estrelas e, logo que o céu se azulou a oriente, rufou o tambor, içaram-se as velas e prosseguiram a navegação.
Do Tchussovaia era necessário transporem-se para o Tura e o Tobol. Ermak procurava um pequeno rio, que do norte afluísse ao Tchussovaia e nascesse perto do Tura.
Os Stroganovs libertaram dos cossacos um tártaro de nome Akhmed, que tinha sido feito prisioneiro pelos russos e era oriundo da Sibéria. Servia ele aos cossacos de guia e intérprete e dizia que era preciso navegar no Mejevaia Utka ("Pato Fronteiriço"?). Navegaram em strugs (barcos pequenos) pelo Mejevaia Utka. O rio serpenteava entre montes. Os abetos caíam para a água, sobre os barcos e enredavam-se nos mastros, pelo que recolheram as velas e continuaram com a força dos remos.
Ermak, carrancudo, obrigou Ahmed a trabalhar consigo. Cedo já não havia caminho para os barcos. Então Ermak enviou três cossacos a verificar se estava longe o Tura, e mandou atar o guia Ahmed. Voltaram os cossacos.
- Até ao Tura é longe – disseram. E caminho pelo Mejevaia Utka com os barcos não há. Só bancos de areia e pedras.
Castigaram o guia Akhmed: cortaram-lhe a cabeça com um sabre. De noite fugiram todos os guias tártaros e tiveram que ser os próprios atamanes a procurar o caminho fluvial para a Sibéria.
No ar esvoaçavam as primeiras neves. Do norte voavam os bandos triangulares dos gansos. Os cossacos chegaram ao curso superior do Serebrianka e resolveram aí ficar até à Primavera.
Ao fim de algumas semanas, alguns cossacos entediaram-se com a paragem invernal. Dois deles convenceram os seus companheiros a irem para o Kama sem Ermak. Pegaram nas pesadas armas, pólvora e provisões e foram em esquis. Quando Ermak soube disto, ficou encolerizado. Puseram-se a perseguir os fugitivos.
Apanharam-nos num matagal de abetos. Trouxeram-nos aos atamanes. Estes ordenaram que na parte mais funda do rio fizessem buracos na superfície gelada. Enfileiraram-se os cossacos na margem. Meteram os fugitivos em sacos e atiraram-nos para a água. Os cossacos emudecidos dispersaram-se pelas isbás.
Os cossacos cortaram patins de esquis, puseram os barcos sobre eles e arrastaram-nos durante dez verstas até ao pequeno rio Jarovnaia. Passou o gelo, os cossacos arrearam os barcos e em água primaveril navegaram direitos ao oriente.
(continua)
Joaquim Reis