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A bem da Nação

CURTINHAS CXVI

 

JÁ FALTA POUCO…

 

v        E não é que as melhores cabeças cá do burgo não conseguem chegar a um consenso?

 

v        Para uns, a crise está a dar as últimas – e não tarda que os investidores estrangeiros se atirem à nossa Dívida Pública (DP) como turistas a pastéis de Belém. Para outros, por mor da austeridade, nunca estivemos tão de rastos – e, por este andar, não escaparemos a um segundo resgate internacional (em vernáculo: acudam-nos! se não afogamo-nos na dívida) com condições ainda mais agrestes.

 

v        Acontece que o futuro que nos espera não é uma questão de palpites inspirados por petiy politics mal disfarçadas – mas de factos. E os factos, esses, até são fáceis de enumerar.

 

v        Facto I: A DP, dentro de 1 ano, rondará os 140% do PIB, talvez um pouco mais. Suportá-la sem ir ao fundo só se, numa conjunção virtuosa:

- Não houvesse que amortizá-la (em € 1.00 que seja) nos próximos 10 anos, ou mais;

- O exercício orçamental registasse de ora em diante (e até o peso da DP no PIB descer abaixo de 60%) saldos primários que dessem para pagar os juros do mercado sem recorrer a novos empréstimos (isto é, sem ser necessário capitalizá-los como até agora);

- Os Bancos portugueses fossem, não direi sólidos como rocha, mas, no mínimo, solventes, quer em Capitais Próprios, quer em liquidez, para absorverem por inteiro qualquer novo acréscimo de DP.

 

v        Facto II: Nenhuma economia em recessão conseguiu alguma vez passar de deficits orçamentais na casa dos 6% do PIB, não direi já para superavits que tornem possível pagar os juros da DP e manter o orçamento equilibrado, mas, mais modestamente, para saldos primários (isto é, antes do pagamento dos tais juros) nulos - sem que haja um ciclo económico completo (isto é: 7/8 anos) de permeio.

 

v        Facto III: Os Bancos portugueses vão continuar “ligados à máquina” (leia-se: totalmente dependentes do BCE) para resolver os seus problemas de liquidez. Mas a recessão (e o crédito malparado que sempre a acompanha) irá corroendo, corroendo os seus Capitais Próprios, sem que eles tenham a menor esperança de captar no mercado mais capital -  pelo que o Estado continuará a ser visto por quem tem olhos para ver como o “accionista de último recurso”.

 

v        Perante um devedor sobre-endividado assim, como é hoje, e cada vez mais, o Estado português (Facto I):

(i) quem dele seja credor só sonha com o dia em que recupere o seu dinheiro - e possa voltar a dormir descansado;

(ii) quem o não seja, só quererá permanecer ao largo - e o mais longe possível.

 

v        Se, para mais, esse devedor, candidamente, reconhecer (Facto II) que, sem mais empréstimos, não terá como pagar os juros que, entretanto, se vençam, nem sequer sabe se poderá manter a porta aberta, natural será:

(i) que ele não encontre comprador (mercado primário) para mais dívida;

(ii) que, no mercado secundário (onde é negociada a dívida já emtida), só lhe apareçam investidores mais interessados nos despojos do pós-colapso (Fundos “Abutres”) do que na cobrança periódica de uns juros simpáticos (Fundos de Pensões, Fundos de Investimento, Investidores Institucionais).

 

v        E os Fundos “Abutres” têm uma regra de ouro: comprar sempre e somente a investidores desiludidos. Por isso, nunca marcam presença nos mercados primários, seja nos das Dívidas Soberanas, seja nos das dívidas de empresas.

 

v        Haverá como sair deste círculo tenebroso? Há, sim. Mas o trilho é estreito e perigoso.

 

v        Estreito porque está confinado ao sistema bancário doméstico (é lá que estão Cila e Caríbdis) - se este, bem capitalizado e bem gerido, estiver em condições de:

(i) repor na economia a liquidez que o ajustamento orçamental vai inevitavelmente drenando (mais impostos, menos despesa pública);

(ii) absorver os acréscimos de DP (tornados, assim, DP Interna) que tornam possível uma aproximação mais suave ao equilíbrio orçamental;

(iii) trabalhar no contexto de um duro processo de ajustamento “macro”, com livre movimento de capitais e sem a protecção da política cambial.

 

v        Perigoso porque o risco implícito na economia, que a recessão fatalmente agrava, vai concentrar-se ainda mais nos Balanços dos Bancos domésticos – exigindo-lhes:

(i) especial proficiência na gestão dos riscos financeiros;

(ii) que tenham à mão soluções expeditas para a pronta reposição dos Capitais Próprios que o crédito malparado lhes corroer. Se tal não acontecer, preservar o normal funcionamento do sistema de pagamentos não será nada fácil.

 

v        Em vista disto, é evidente por onde deveria ter começado o Programa da troika: pelos Bancos. Capitalizando uns, os que se apresentassem em melhor forma (contra a vontade dos seus accionistas e das suas Administrações, se necessário fosse). Exigindo de outros que reduzissem as suas actividades e as suas estruturas organizativas, adequando-as aos Capitais Próprios que conseguissem reunir num prazo necessariamente curto. Forçando a liquidação dos financeiramente débeis e daqueles cuja má gestão se mostrasse insanável (mas certamente não na forma como o BPN foi liquidado).

 

v        Chegado aqui, perguntará o Leitor: Porque não ocorreu isto à troika, ou ao Governo português?

 

v        Quanto à troika, há que distinguir entre os académicos (FMI) e os políticos (Comissão Europeia, BCE). Para os académicos, a liquidez não entra nos seus modelos, é irrelevante – para eles, a realidade confunde-se com o modelo que tem de ser levado a sério e seguido à risca. Para os políticos, seria chamar a atenção da populaça para o estado em que se encontra grande número dos Bancos da Zona Euro (designadamente, Bancos alemães, franceses e holandeses) – um tema tabu até agora.

 

v        Quanto ao Governo, o actual ou qualquer outro, impor a sua vontade a accionistas e Administrações dos Bancos nunca esteve nos seus planos. E para o BdP, a quem competiria apontar esta saída, seria o reconhecimento público do seu falhanço como Autoridade de Supervisão.

 

v        Acontece que a Espanha, mais sensata (talvez porque os “casos”, por lá, eram mais evidentes), começou, justamente, pelo saneamento da Banca (mas a insistências suas, com a troika a contragosto). Na Irlanda, não havia como escapar à “vassourada” no sistema bancário. E, em Chipre, foi sobre a Banca que incidiram as medidas mais duras – porque em economias que vivem de operações offshore, salta à vista que a liquidez conta mesmo. Na Grécia, tal como por cá, não.

 

v        O que nos aguarda, daqui em diante, é mais do mesmo – sendo o dia 30/06/2014, apenas, uma efeméride que não ficará para a História. Bom seria que, instruído por tanto disparate, o Governo se convencesse por fim – e convencesse a troika – de que, sem Bancos robustos, tudo o que faça, por mais academicamente correcto que seja, estará votado ao malogro.

 

v        Bom seria também que, esgotado este 1º pacote, os próximos dinheiros que aí vierem (porque não há alternativa) tenham bom uso na melindrosa tarefa de pôr o nosso sistema bancário (sem esquecer o BdP) em ordem.

SETEMBRO de 2013

 A. Palhinha Machado

 

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