E A REFORMA DO ESTADO? - 2
Certamente não foi por acaso que os nossos credores incluíram desde o início das negociações a necessidade de haver uma reforma do Estado, mas por razões já afloradas em outro artigo e portanto agora sem comentário, tanto o Governo como as oposições não têm apresentado propostas concretas para esta reforma sem a qual a nossa recuperação vai ser atrasada e prejudicada.
Aliás todas as dificuldades que surgem com excessiva frequência quanto à possível inconstitucionalidade de algumas medidas preconizadas pelo Governo, levantam a dúvida se isso acontece por erro dos Governantes ou porque a Constituição tem erros que já deviam ter sido corrigidos, mas que a Assembleia da República não cumpriu a sua obrigação de a ter melhorado, uma vez que nela podem existir normas que não são compatíveis com a actual realidade.
Como vamos agora mostrar:
1º - No art.º 2º, a Constituição claramente indica a importância da soberania popular e da democracia participativa bem como a garantia da independência nacional.
E no art.º 9º d) transformação e modernização das estruturas económico-sociais e g) desenvolvimento harmonioso do País.
Verifica-se que nestas últimas décadas tivemos de facto algumas melhorias nas nossas condições de vida mas destruímos parte essencial do nosso tecido produtivo e muitos dos melhoramentos realizados acabaram por não ter sustentação e portanto aumentaram a dívida nacional.
Aliás, a análise dos orçamentos anuais desde a nossa entrada na CEE devia ter sido aproveitada para evitar e/ou corrigir o rumo que se estava seguir, que era, como atrás dissemos, nitidamente inconstitucional, mas que nenhum dos detentores da responsabilidade de zelar pelo cumprimento da Constituição alguma vez pediu o respetivo controlo ao Tribunal Constitucional.
Por isto tudo, além da crise socio-económica, perdemos a independência que dependia de termos Marinha de Comércio, indústrias metalomecânicas, pescas, produção de energia, etc., que não só eram factores de segurança mas também proporcionavam numerosos postos de trabalho.
A destruição da Marinha e das empresas industriais de grande porte em particular e a incapacidade de as recuperar revelada pelos responsáveis, que julgávamos existirem, que foi e devia ser um dos pilares da nossa recuperação, tem mais ainda a consequência desastrosa a médio prazo de nos impedir de sermos os principais beneficiários das potencialidades dos novos territórios atlânticos, confirmando lamentavelmente uma previsão que fiz quando apresentei a minha primeira comunicação na Academia de Marinha em 1984 sobre o tema do Mar no futuro de Portugal.
2º - Em artigos diversos, a Constituição garante: o serviço público de rádio e TV, o direito ao trabalho, o direito à habitação, o direito ao ambiente protegido, o direito à Família, o direito à educação, mas durante estas décadas em que se realizaram grandes gastos, a Constituição não foi respeitada nem houve protestos sobre estas inconstitucionalidades.
3º - Ainda quanto à implantação de uma democracia participativa, a forma de eleição dos Deputados não favorece nem a participação dos eleitores nem a responsabilidade dos Deputados e a abstenção é clara a confirmá-lo. Por outro lado, afecta a eficiência democrática dentro dos próprios Partidos, transformando o nosso sistema num caso singular de bi-presidencialismo e, mais grave que isso, em menor eficiência governativa como as últimas décadas mostraram claramente. Aqui trata-se de facto de haver uma alteração da Constituição.
4º - Nos artigos consagrados à estrutura económica verifica-se haver referências a latifúndios e a sectores vedados à iniciativa privada como é usual em países com estrutura estatizante e continua a existir o sistema de planos económicos e decisões discricionárias, tal como havia no Estado Novo, com todos os atrasos nas decisões e o convite à proliferação de pressões de lóbis e potenciais corrupções e em que o interesse nacional tantas vezes se tem verificado ser esquecido.
E a reforma do Estado afinal como será?
Em resumo deverá ser realizada em três linhas de actuação:
1ª - Redução imediata dos gastos do Estado eliminando todos os encargos resultantes de excessos de mordomias e de pessoal improdutivo em todos os Órgão de Soberania, sem excepções e nas Autarquias, cuja reorganização já foi apresentada num artigo publicado no DN (pode lê-lo em http://nossomar.blogs.sapo.pt como poupar milhões com as Autarquias);
2ª - De acordo com o art.º 9º d) da Constituição que diz “….mediante a transformação e a modernização das estruturas económicas e sociais” deverá efectivar-se a reforma do Estado para que ele possa de facto realizar todas as tarefas que a Constituição lhe atribui, desde a sua eficiência na dinamização da economia aumentando as receitas e diminuindo as despesas, sem esquecer o controle dos desvios tanto dos seus serviços como das actividades privadas que possam contribuir para as inconstitucionalidades atrás indicadas.
3ª – Portanto, a reforma do Estado, obviamente extensiva a toda a Nação, deverá assentar na transferência do pessoal em funções improdutivas para outras produtivas, só utilizando o recurso a cortes em casos excepcionais e temporários.
Lisboa, 29 de Agosto de 2013