“DEUS GUARDE O HOMEM DE MULA QUE FAZ «HIM» E DE MULHER QUE SABE LATIM” - 3
Também Camões, em várias redondilhas apresenta conceitos negativos sobre a psicologia da Mulher, com uma graça e leveza primorosas, que logo identificam a genialidade do seu canto, qualquer que seja a forma em que o exprime. Um exemplo dessa graciosidade e malícia, concluindo na afirmação altiva da inteligência masculina que desmascara as mentiras de amor femininas:
MOTE:
Não sei se me engana Helena,
se Maria, se Joana;
não sei qual delas me engana
VOLTAS
Uma diz que me quer bem,
outra jura que mo quer;
mas em jura de mulher
quem crerá, se elas não crêem?
Não posso não crer a Helena,
a Maria, nem Joana;
mas não sei qual mais me engana.
Uma faz-me juramentos
que só meu amor estima;
a outra diz que se fina;
Joana que bebe os ventos.
Se cuido que mente Helena,
também mentirá Joana;
mas quem mente não engana.»
Já no século XVII, D. Francisco Manuel de Melo, em “As Segundas Três Musas de Melodino” glosa o seguinte mote, expressivo de um conceito sardónico sobre a Mulher e os seus recursos milenares de defesa própria:
«Menina de lindo rosto
Sabeis o que se diz agora
Entre a gente de bom gosto?
Que sendo vós um sol fora
Tendes manhas de um sol posto.»
Mas é na “Carta de Guia de Casados” que, através de um discurso sentencioso e claro, melhor se identifica com um conceito machista sobre a posição social e cultural da mulher, que ainda hoje conserva adeptos fervorosos - apesar dos movimentos feministas de emancipação iniciados no século XIX - conceito que o século XX tão expressivamente parece frustrar com os vários campos de actuação feminina, estes na sequência das muitas vozes erguidas na Europa e América na reivindicação do direito feminino ao consenso da paridade intelectual e social com o homem:
O marido tenha as vezes de sol em casa, a mulher as de lua; alumie com a luz que ele lhe der, e tenha também alguma claridade.
Não venho em que com a mulher se litigue, que é conceder-lhe uma igualdade no juízo e império, cousa de que devemos fugir. Faça-se-lhe certo que à sua conta não está o entender, senão o obedecer e fazer executar, mas que não entenda. Mostre-se-lhe às vezes, que havendo quando se casou entregado sua vontade ao marido, comete agora delito em querer usar daquilo que já não é seu. Disse que seria bom ocupar a mulher no governo doméstico; e é bom e é necessário, não só para que ela viva ocupada, senão para que o marido tenha menos esse trabalho.
Seja a mulher como a mão do relógio e o marido seja o relógio. Aponte ela e soe ele. Um mostre, outro resolva.
Pois comecei com meus adágios, hei-de acabar com eles. Ouvi um dia, caminhando, e não era ele menos que a um chapado recoveiro (veja V. M. – um amigo que ia casar-se – que enjeitei os filósofos, para citar estes autores), enfim ouvi-lhe, que Deus o guardasse de mula que faz him e de mulher que sabe latim.
Tomara que as mulheres não soubessem de guerras, nem estados, nem procurassem por isso. Enfadam-me umas que se metem em eleições de governos, julgar de brigas, praticar desafios, mover demandas; outras que se prezam de entender versos, abocanham em linguagens alheias, tratam questões de amor e de fineza, decoram perguntas para gentes discretas, trazem memorial de motes dificultosos… Fora, fora tudo isto, que parece ficção e nem verdadeiro nem fingido é bem que seja.
Relativamente a este último conceito sobre a não participação da Mulher na vida pública, não esqueçamos que, pela mesma época, o próprio Molière, embora integrado no mundo esclarecido da sociedade francesa, em pleno “Século das Luzes” satiriza nas suas comédias a afectação dos costumes e linguagem das mulheres pedantes, burguesas provincianas – “Les Précieuses Ridicules” – ou citadinas – “Les Femmes Savantes”, “Le Misanthrope” – e as suas reivindicações ao mundo da cultura, embora conceda à Mulher o conhecimento necessário a uma condição feminina virtuosa e inteligente.
No nosso século XVIII, contudo, ainda o poeta satírico Nicolau Tolentino exprime, em discurso aparentemente brando, de um paternalismo eloquente e mordaz, idêntica opinião preconceituosa contra a mulher letrada, que tem forçosamente que ser fisicamente pouco atraente. Não esqueçamos que ainda não há muitos anos, nestes finais do século XX condescendente com a beleza física das mulheres em concursos mundiais de beleza feminina, esta aparecia, pelo contrário, retratada como personagem desprovida de dotes intelectuais, apenas favorecida nos seus dons de natureza física. Todavia, actualmente, nos mesmos concursos de manipulação masculina, a Mulher tem que seduzir com atributos diversos, expressando opiniões e aptidões de comunicação que lhe valorizarão a prestação, embora soem tantas vezes a falso e a pré-fabricado os altos desígnios da novel proselitista da paz e do amor - de extinção da fome e demais misérias sociais, a que se destina, no caso de ser eleita a mais bela miss do Mundo de cada ano. Vejamos os versos de Nicolau Tolentino:
Foi por meu braço levada
Uma das ditas donzelas,
Feia, mas a estudos dada;
E sobre doutas novelas
De tenros anos criada.
os versos de Nicolau
Levantou sábias questões,
que ela mesma resolveu
fez profundas reflexões
e por fim me prometeu
ler-me as suas traduções.
Jurou que aprendeu gramática
E que hoje os livros não fecha
Da infalível matemática,
E quer ver se o pai a deixa
Ir na máquina aerostática.
(continua)