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A bem da Nação

DEPOIS DO…

Refeitório dos frades, Alcobaça.jpg

 

ENCONTRO DE ESCRITORES

 

É verdade! Acabou o Encontro em Alcobaça.

As testemunhas saíram rapidamente, de fininho, e o organizador esperou que os monges aparecessem para “prestar contas” ao Dom Abade.

Este nada vira, ouvira ou sentira e estava extremamente curioso para saber o que se teria passado, tanto mais que as testemunhas tinham ido embora sem falarem com alguém.

No refeitório estavam as garrafas que sobraram – muitas delas vazias – uns quantos copos espalhados pelas diversas mesas, mas tudo arrumado, sem o menor sinal de qualquer distúrbio.

- Meu amigo, afinal o que se passou aqui, que ninguém viu a não ser as testemunhas à chegada? Não se ouviu um ruído, uma voz, nada?

- Dom Abade, a única coisa que lhe posso dizer é que nem eu nem qualquer das testemunhas tocou nessas garrafas! Mas quanto a contar-lhe o que se passou... impossível. Eu seria amarrado e mandado para um sanatório de loucos e, como pode imaginar é tudo quanto eu não quero!

- Nem em segredo de confissão?

- Nem assim, Dom Abade, também meu amigo. Gostaria que o senhor me dissesse se lhe devo alguma coisa, se notou algum estrago, enfim, quero sair daqui de consciência limpa.

- Não nos deve nada. Está tudo perfeito e isso ainda mais me intriga.

- Então, se me der licença gostaria de ir novamente até ao altar de São Pedro.

- À vontade. Já sabe o caminho.

- Muito obrigado por tudo. Quem sabe se um dia eu ainda lhe conte alguma coisa. Vou pensar nisso. E terá que ser em segredo de confissão e com um psicólogo ao lado para que me julguem louco!

A caminho do altar já foi ouvindo:

- E então gostaste do Encontro?

Olhou à sua volta, a Igreja vazia e reconheceu, no seu íntimo a voz de Simão Pedro.

Ajoelhou frente ao altar e respondeu sem abrir a boca:

- Querido São Pedro. Creio que jamais alguém terá tido um presente dos céus como este. Estou tão emocionado que tenho que ir repousar a cabeça. Mas antes vim dizer-vos só: Obrigado.

- Agora vou eu ver o que eles terão a me dizer! E, se tiver oportunidade, não deixarei de te transmitir.

- Obrigado. Muito obrigado.

Nem para casa foi. Precisava digerir tudo aquilo e precisava de solidão. No primeiro hotel que encontrou pediu um quarto sossegado, sem ruídos de rua e que lhe levassem algo para comer e uma garrafa de vinho.

Ele mesmo estava sem saber se aquilo a que tinha assistido fora real ou só um sonho, e se estaria ainda a sonhar.

O hotel deu-lhe um quarto no último andar, janelas de vidro duplo, e uma bela vista para o “seu” Mosteiro.

Feliz mas confuso – e com alguma fome! – começou por ir assinalando na lista que inicialmente tinha feito, para saber quem tinha estado presente.

Logo de entrada notou a falta de Gil Vicente! Porquê? Uma personagem tão importante! Estranho.

Ouviu então aquela voz, já sua conhecida:

- Gil Vicente continua melindrado porque teimam em não lhe reconhecer o mérito de ter feito, por suas mãos, aquele maravilhoso ostensório que está no Museu. Diz que se incomoda quando dizem que “se atribui a Gil Vicente” em vez de afirmarem diretamente que foi obra sua. Por isso não apareceu!

- E Fernão Mendes Pinto?

- O mesmo. Levaram séculos para lhe reconhecer o valor e a veracidade do que escreveu! E ainda se sente insultado quando por maledicência lhe chamavam o “Fernão Mentes? Minto!” querendo fazer graça que o ofendia.

- Duas jóias na nossa literatura! Se houver um próximo Encontro serão os primeiros a convidar.

Continuava a correr a lista e via que teria sido impossível que todos tivessem comparecido. O número dos que apareceram já daria para ali terem ficado até... até...

Só então reparou que uma grande quantidade deles estava anotada numa segunda folha! Talvez São Pedro tivesse, ele mesmo visto que seriam demais e não “olhou” para esta outra página.

Lá estavam, do Brasil, Machado de Assis, José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro Alves, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Raul Pompeia, Lima Barreto, Nelson Rodrigues, os poetas Mário de Andrade, Vinicius de Morais e Carlos Drummond de Andrade, os Inconfidentes Tomás António de Gonzaga que foi deportado para Moçambique, Gregório de Matos e Cláudio Manuel da Costa, e ainda mais uns tantos que o Brasil foi, e é, rico em artistas; de Angola, Uanhenga Xitu, Ferreira da Costa, Alexandre Lobato, Lucio Lara, e mais e mais, de Moçambique Noémia de Sousa (esteve em Beja !), Malangatana, Glória de Sant’Anna, Rui de Noronha, e de Portugal outra infinidade a começar por Santo António e seus Sermões,  João de Deus, Julio Diniz, Fialho de Almeida, Jaime Cortesão, Alves Redol, Teófilo Braga, Raul Brandão, Miguel Torga, o Dr. Adolfo Rocha, e... para que reler mais esta interminável lista?

Pensou:

- Quem sabe ainda organizarei outro Encontro. Mas para já vou ver se consigo “digerir” este!

Saboreava o ter visto, e ouvido, personagens quase míticas como Dom Diniz e seu avô Afonso X, Dom Pedro duque de Coimbra, parecia ouvir Bandarra a falar sobre as suas profecias que só se viriam a confirmar daqui a... um monte anos, entretanto os olhos iam-se fechando, começava a ver um céu estrelado e a ouvir Abraão Zacuto a mostrar-lhe as constelações e como poderia navegar, depois, com a voz sempre suave de Alda Lara, que lhe recitava um dos seus poemas. Adormeceu!

E continuou a sonhar. Sonhou com livros, com os autores e a ver uma miríade de leitores a quererem todos comprar as exíguas edições.

Tudo no seu sonho em vez de lhe dar descanso à cabeça, que continuava entre feliz e confusa, mais o confundiam.

Umas horas depois sossegou. Acordou tarde. Olhou em redor e procurava alguma coisa que não sabia o que era.

- Será que sonhei tanto tempo e com tantos escritores. E porquê estou a dormir neste hotel em frente ao Mosteiro da Batalha? Como posso ter a certeza que vi o grande Rei Dom Diniz e tantos escritores? Será que estou a ficar louco?

Viu a seu lado as listas dos “convidados” e pensou que teria sido uma “indigestão” literária que lhe tinha feito mal à cabeça. Mas outra lista, pequena tinha os nomes duns amigos, as testemunhas.

Chamou um deles pelo telefone. Atendeu a mulher.

- O Henrique ainda dorme. Chegou ontem muito perturbado e não quis falar sobre o que se tinha passado. De princípio até pensei que tinha sofrido um acidente, mas está muito bem de saúde. Mas a cabeça... está um pouco febril.

Chamou outro. A informação que recebeu não variou muito.

O terceiro, mais calmo atendeu.

- Manel, estou confuso. Queres-me dizer o que se passou ontem?

- Mais confuso estou eu e, como sabes, costumo ter um raciocínio calmo. Mas entre confuso e calmo estou maravilhado com o que vimos.

- Temos que nos encontrar. Hoje não, que eu estou demasiado baralhado. Amanhã, num lugar onde ninguém nos ouça.

- Antes de desligares: porque não convidaste os teus dois bisavôs? E o Saramago?

- Não me digas nada porque estou com medo de ter ficado avariado da cabeça. Amanhã com mais calma falaremos. Mas sobre o Saramago posso já adiantar-te que, para mim é persona non grata. Um cara que foi mau, vingativo, perseguiu os colegas do jornal, e por fim escreveu livros duma senilidade nojenta! Nem o São Pedro sabe por onde ele anda! Certamente em lugar mais quente do que nas Canárias!

Desceu do hotel, já tarde, cheio de fome. Pagou a conta e em vez de procurar o carro, foi andar um pouco. No Largo do Mosteiro encontrou um restaurante. Aspecto agradável. Sentou-se na esplanada, bem fronteiro ao Mosteiro, sem conseguir dele tirar os olhos. Pediu costeletas de carneiro,  e vinho bebeu do melhor que “A Casa” dispunha, uma garrafa de Ramisco da adega Regional de Colares, colheita de... Refez as forças.

Sem poder conduzir por ter bebido, andou algumas horas a pé à volta do Mosteiro.

Finalmente meteu-se no carro e foi embora.

Sem saber ao certo o que se tinha passado.

21/01/2017

Francisco Gomes de Amorim, 2016

Francisco Gomes de Amorim

ENCONTRO DE ESCRITORES - 7 -

 

Refeitório dos frades, Alcobaça.jpg

 

Última “Notícia” de Alcobaça

 

Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,

Dum tempo que não volta mais

Quando íamos a rir pela existência fora

Alegres como em Junho os bandos de pardais?

 

- Esta quadra de Guerra Junqueiro, fez-me voltar aos tempos de Coimbra onde começavam, um pouco a medo, a chegar alguns conhecimentos sobre a história dos territórios do ultramar e do longínquo Japão de Wenceslau de Morais. Talvez se tivesse iniciado com Cadornega, Elias Alexandrino da Silva Correa, seguidos de outros, como António Enes, Mouzinho, Brito Camacho e por aí vai. Eu, insular, plantado quase a meio caminho entre a Europa e África não podia ficar indiferente. Bem mais tarde apareceram Castro Soromenho, Ralph Delgado, Alda Lara, Agostinho Neto, sobre Angola, Jorge Barbosa de Cabo Verde, Amilcar Cabral da Guiné, José Craveirinha de Moçambique e tantos outros que ficaria aqui a enumerá-los o resto do tempo que nos concederam.

Com sua barba hirsuta, branca, ar triste e cansado Wenceslau de Morais limita-se a dizer:

Wenceslau de Moraes.png

 

- Tokushima! Tokushima! E minhas amadas Ko-Haru e Ó-Yoné. Vivo agora com elas eternamente!

Cadornega, que sorrateiramente foi para Angola com 16 anos, para evitar a fúria da malfadada Inquisição:

- Vitorino! Não imaginas como foram complicados e difíceis aqueles primeiros anos em Angola! Enfrentar as sempre falsas populações do interior com quem queríamos simplesmente comerciar e levar a palavra de Cristo, lutar contra um clima insalubre e ainda ter que enfrentar os hereges holandeses! Não sei como consegui resistir tantos anos. E as guerras, sempre insanas, de parte a parte.

- Cadornega! Eu que nasci “americano-português” na Ilha de Santa Catarina, no Brasil também vivi uns largos anos em Angola e deixei escrito o que lá vi e aprendi. Mas pouca gente sabe disso e pouca importância dão. Fui depois, cansado, acabar os meus dias na minha terra, mas sempre com uma estranha saudade de África!

- Como se admirar por isso, meu caro Elias Alexandrino? Vocês devem saber que eu, jornalista, acabei por ser “obrigado” a ir para Moçambique, com a finalidade de pôr ordem no caos que por lá se vivia. Por um lado os nativos e, pior, os ingleses que nos queriam correr da Delagoa Bay, fornecendo armamento aos zulus para que eles corressem com os portugueses. Valeram-me aqueles homens da fibra dos que sempre fizeram história na nossa terra: Paiva Couceiro, Mouzinho, Ayres d’Ornelas, Caldas Xavier, Azevedo Coutinho e muitos outros. Pacificou-se – não totalmente – o país que pôde começar a progredir e demos definitivamente o recado aos gulosos ingleses!

- António Enes! Antes dessas lutas e acordos de pacificação já nós, na companhia de Brito Capelo e Serpa Pinto, tínhamos corrido, a pé, a maioria do interior africano, ligando Angola a Moçambique. Tivémos nossas desavenças, o que considerámos normal, mas desbravámos parte dum mundo desconhecido da Europa. Hoje, se pudesse, repetiria a façanha!

- Queria ver hoje alguém repetir esse feito, Roberto Ivens.

Oliveira Martins, que pairava “guloso” entre tantos grupos sobre quem ele havia estudado e escrito, desde D. João I a Camões e às epopeias marítimas, ouvia entusiasmado os “africanos”. Pensava em Bernardo de Brito e suas Histórias Trágico Marítimas, nos trabalhos vividos por quem se aventurou por esses mares nunca dantes navegados, e cochichou com Joaquim Pedro Celestino Soares:

- Não acabaram as aventuras do mar no tempo das descobertas. Mas o teu livro “Quadros Navais” continuou a mostrar a valentia e determinação dos nossos marinheiros.

- Agora não há mais perigo, porque o Portugal glorioso e orgulhoso das suas marinhas, desde o grande rei Diniz, hoje quase nem barquinhos de pescadores tem. Tenho ouvido, que ainda há um português, vivo, que constantemente luta contra essa vergonha marítima e ninguém o ouve! Que tristeza.

- Eram simpáticas, sim as viagens de navio entre Portugal e Ultramar. E tempo houve em que as relações entre as populações nativas e os portugueses eram fáceis e agradáveis. Mas depois do Tratado de Berlim tudo se complicou. Apesar disso manteve-se uma união que poderia ter sido mais um caminho para a concretização do 5º Império, como tão bem, ultimamente frisou Agostinho da Silva. Até eu que fui estudar para Portugal, porque era um pouco “a nossa terra”, acabei perseguido por tentar valorizar os povos da minha terra, e fui obrigado a pegar em armas contra um governo cego, covarde e mudo.

- Antes de ti, Agostinho Neto, comecei eu também a ficar mal visto por ter escrito o que vi e vivi em Angola e tive também de ir embora, para onde não me incomodassem. Infelizmente não tive o prazer de assistir à Independência dessa terra para onde fui acabado de nascer.

- Soromenho, até hoje o teu nome é respeitado. Tu foste um percursor da literatura “de dentro para fora”! Cantaste a triste vida do angolano pobre, como era maltratado, e isso desagradou às governanças, mas fez escola. Eu chorei a vida triste dos segregados. Nasci em Benguela, uma cidade com convívio especial mas, ainda assim com imensas desigualdades. Tentei lutar com a minha poesia. “E apesar de tudo, Ainda sou a mesma! Livre e esguia, filha eterna de quanta rebeldia me sagrou. Mãe-África!” Usando até metáforas para chamar a atenção, como “À prostituta mais nova Do bairro mais velho e escuro, Deixo os meus brincos, lavrados Em cristal, límpido e puro...”

- Alda! Alda! Como chorámos, todos, quando nos deixaste. Não havia uma só boca, independente da cor de suas peles que não cantasse os teus poemas, muitos deles a quem entretanto corriam lágrimas pela cara! Não só pela beleza da poesia como pela consciência da mensagem que transmitia.

- Meu irmão! Talvez o maior sonhador que Angola terá conhecido! O Antero de Quental de Benguela dos quintalões, sempre à procura daquilo que só encontramos quando deixamos a nossa carne entregue à Terra que nos viu nascer. Em todos os que conheceste deixaste um amigo, um admirador e... até um quanto de inveja em cada um deles por te verem alegre e triste, descontraído e preocupado mas sempre com uma palavra de esperança para todos.

- Eu que o diga, que te conheci bem, bebi dos teus pensamentos, do grande Tomaz Vieira da Cruz, aprendi a conhecer o Sul de Angola com os trabalhos do Padre Carlos Estermann, saboreei os contos do humilde Oscar Ribas, e entusiasmei-me completamente com uma simples “ordem” do Rui de Noronha que lá de Moçambique nos deu o caminho: “África, surge et ambula”! E quanto mais me entusiasmava mais me perseguiam e acabei, com a “ordem existente”, por perder alguns amigos, como o José Luandino que passou quase treze anos atrás das grades! Foi quando aproveitou para escrever. E que bem escreveu! Ganhou um duplo prémio! O Prémio da Melhor Novela, pelo livro Luuanda, que lhe atribuiu a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965, quando estava preso, e o gozo que lhe terá dado ver que esse prémio provocou um tremendo pavor e confusão no covarde governo que até, tão ridiculamente, proibiu que os jornais divulgassem o prémio ganho por um presidiário!

- Tão caricata a atuação do Governo que logo extinguiu essa Sociedade de Autores. Lembras bem disso, com certeza, Mário de Andrade! Eu sempre tive presente um pequeno poema do cabo-verdiano Jorge Barbosa que, sobretudo nos Estados Unidos continua a ser como notícia, revoltante:

Jorge Barbosa.png

Ocorrência em Birmingham

 

John

De Birmingham, Alabama, USA

Entrou na tabacaria.

Foi insultado

Soqueado

Expulso.

Na rua

O polícia

Espancou

Derrubou

Cuspiu

Prendeu o desordeiro.

Negro safado!

 

Coisas parecidas presenciei, sempre que um idiota se julgava superior. Fui para Lisboa onde estudei agronomia, e o que é curioso é que lá me dava bem como todos os colegas. Quando regressei à Guiné é que vi que não podíamos continuar a ser assim tratados.

- Amilcar Cabral, foste um exemplo, e sempre admirado. Malditos para sempre os que te mataram fazendo crer que foram os portugueses. Bem dizias tu: “Se alguém me há de fazer mal, é quem está aqui entre nós”. Apesar de estares a comandar a luta armada, a tua morte, em Portugal foi sentida.

- Hoje, lá onde estamos não há amigos ou inimigos, mas deixa-me tratar-me por amigo, José Craveirinha. Tu, filho dum humilde e bom português que sempre foi um simples operário em Moçambique, que “nasceste a primeira vez em 28 de Maio de 1922 entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Num bairro de pobres”, e que lutaste entre duas pátrias, pai e mãe que sempre se amaram, e assim desde cedo viste que a cor da pele só encobre os corações. Com razão és conhecido como o maior poeta de Moçambique.

- Contigo aprendi a amar ainda mais este país, e do mesmo modo sem conseguir conviver em paz entre o novo Moçambique e o velho Portugal.

- O mesmo comigo Rui Knopfli. Nasci no velho Portugal, saí de lá menino, voltei para cursar Belas Artes. Mas logo regressei a Angola que já considerava a minha terra. Não creio que alguém possa passar incólume por África. A paixão pelas belezas naturais, sobretudo pelo seu povo, amável, bonito, acolhedor. Senti-o e vivi essa paixão em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e São Tomé e até Brasil, pela pintura e pela poesia. Eu, que no fundo não era mais do que um pintor, me atrevi com a poesia, inspirado em tantos amigos, alguns dos quais não tive oportunidade de conhecer, mas que lia com avidez.

Entretanto São Pedro fazia chegar aos ouvidos do organizador do Encontro que era preciso desocupar o refeitório. Estava quase na hora dos monges irem tomar a sua primeira refeição da manhã, e não podiam descobrir aquela “festa”.

Há muito, uns quantos convidados já se haviam retirado, a começar pelo velho Rei Afonso X. A animação agora estava em África, e pelas caras de todos via-se que ficariam ali... eternamente.

Neves e Sousa, “ouviu” também o chamado de São Pedro e pediu para terminar o Encontro, que considerou uma das grandes dádivas do Céu, com dois pequenos poemas que o levavam, como a todos os outros a se embalaram na música suave dos povos de África.

- Deixem-me terminar este nosso fantástico Encontro com uns pequenos poemas a começar por este do Grande Tomaz Vieira da Cruz, que até música tem:

 

TVC-Quissange.png

 

Quissange - Saudade Negra

Não sei, por estas noites tropicais,

O que me encanta...

Se é o luar que canta

Ou a floresta aos ais.

Não sei, não sei, aqui neste sertão

De música dolorosa

Qual é a voz que chora

E chega ao coração...

Qual o som que aflora

Dos lábios da noite misteriosa!

Sei apenas, e isso é que importa,

Que a tua voz, dolente e quase morta,

Já mal a escuto, por andar ausente,

Já mal escuto a tua voz dolente...

Dolente, a tua voz "luena",

Lá do distante Moxico,

Que disponho e crucifico

Nesta amargura morena...

Que é o destino selvagem

Duma canção em que tange,

Por entre a floresta virgem

O meu saudoso "Quissange".

Quissange, fatalidade

Deste meu triste destino...

Quissange, negra saudade

Do teu olhar diamantino.

Quissange, lira gentia,

Cantando o sol e o luar,

E chorando a nostalgia

Do sertão, por sobre o mar.

Indo mares fora, mares bravos,

Em noite primaveril

Acompanhando os escravos

Que morreram no Brasil.

Não sei, não sei,

Neste Verão infinito,

A razão de tanto grito...

-Se és tu, oh morte, morrei!

Mas deixa a vida que tange,

Exaltando as amarguras,

E as mais tristes desventuras

Do meu amado Quissange!

 

E da nossa África negra, que procurámos cantar e pintar, uma saudação de Mário de Andrade:

Mári Pinto de Andrade.jpg

 

Minha avó negra, de panos escuros

Da cor do carvão

Minha avó negra, de panos escuros

Que nunca mais deixou.

Andas de luto.

Toda é tristeza

 

De repente o refeitório ficou vazio!

 

18/01/2017

Francisco Gomes de Amorim, 1954

Francisco Gomes de Amorim

ENCONTRO DE ESCRITORES – 3 –

 

Continuava animada a conversa naquele inusitado encontro.

D. Dinis.jpg

Rodeavam agora Dom Dinis todos aqueles que haviam passado pela sua Universidade lembrando que fora este grande rei que, em 1290 instituíra o Estudo Geral Português, com a assinatura do documento “Scientiae thesaurus mirabilis”. Parecia, e era (e continua a ser!) a maior figura da história de Portugal.

 

Propunham até, os antigos alunos, ali fazerem uma serenata ao grande Rei, e o lembraram, meio em segredo, para não melindrarem a memória de Dom Afonso o quarto, de seu filho Pedro Afonso que tanta obra deixou. Ainda ensaiaram uma pequena trova de D. Dinis, mas em voz baixa já que os outros convivas estavam, também em animada conversa: "Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo! ai Deus, e u é?

 

João Rodrigues, depois Amato Lusitano, lamentava ter ido estudar em Salamanca por ser considerado na altura de sangue sujo. Brilhou pela Europa, assim como Abraão Zacuto Lusitanum de quem Dom João III se serviu, mas não impediu que fosse igualmente expulso de Portugal. António Vieira conversava com eles que sabiam que ele também havia sofrido semelhante perseguição, bem como outro brilhante conviva, Garcia de Orta.

 

- Até o grande mestre Damião de Góis, de família nobre, por melhor e mais profundamente pensar, foi perseguido pelo mesquinho clero e acabou, ao que dizem, assassinado! E espero que ninguém se esqueça do que sofreu o também grande Diogo do Couto.

 

Lamentavam todos os presentes que os sefarditas tivessem sido expulsos dum país que eles tanto amavam e continuaram a respeitar mesmo longe. E, pior, expulsos por quem deles se serviu, D. João III, esmagado sob o peso da beatice dominicana. Herculano ouviu falar neste rei e não se conteve, seu ar austero:

- Era um homem medíocre, inábil, fanático, inábil para governar por si próprio".

 

António Vieira, mais cordato:

- Aproveitemos este encontro, este convívio e procuremos esquecer as nossas desventuras. Vamos beber um bom vinho das terras de Garcia de Orta, não direi à nossa saúde porque... mas ao nosso encontro.

 

Muito mais grupos se formavam sem que alguém fosse impedido de circular.

 

Já Dom João, o primeiro, beijara a mão de seu bisavô, e presenciado o respeito de que ficou sempre merecedor, num instante se viu rodeado pelos amigos, entre eles Dom João de Ornelas cujo semblante não negava o prazer de estar no “seu” antigo mosteiro! E pelos cronistas! Fernão Lopes, que elogiava o trabalho de Duarte Nunes ao refundir as crónicas dos reis da primeira dinastia e a dos três primeiros reis da dinastia de Avis, na Segunda Parte das mesmas crónicas, o que foi apoiado por Gomes Eanes, de Zurara, e Herculano que ainda acrescentou:

­- Na opinião do 1° Marquês de Alegrete, foi Duarte Nunes de Leão quem abriu caminho à crítica da História em Portugal escrevendo com juízo e madureza, certamente enquanto apreciava o seu tão famoso e elogiado vinho!

 

O que ele também fez. Herculano estava eufórico. Ele, sempre aquela cara fechada, enigmático, exultava com os personagens que tão bem conhecera no Tombo.

 

E chegados estavam agora os filhos Dom Duarte e Dom Pedro.

 

- Bonito esse vosso livro meu filho, o Leal Conselheiro. Exemplo de um homem honrado que bebeu, sobretudo de sua mãe, a delicadeza e o comportamento exemplar. Pena que meu neto Afonso tenha sido tão ingrato com seu tio Pedro, que foi o melhor conselheiro que poderia ter encontrado.

 

Dom Pedro, que foi Duque de Coimbra, duque de Treviso, Cavaleiro da Ordem da Jarreteira, ar triste, no íntimo, o filho preferido de seu pai, que sempre amou seu irmão e seu sobrinho, perdoava, mas não podia esquecer o que lhe fizeram.

 

- São águas passadas. Penso em meu irmão Henrique e o quanto ele teria gostado de ler a carta de Pêro Vaz, de Caminha. Aproxima-te, Pêro Vaz, para te abraçar em nome de meu irmão Henrique.

- E tu também Pêro de Magalhães, o homem que veio de Gand para nos dar a primeira descrição, em história, das Terras de Vera-Cruz! E pensar que tudo isto devemos ao grande rei, nosso antepassado, com a sua grande visão.

 

Poucas eram as figuras femininas, entradas no Mosteiro sem o conhecimento do Dom Abade, mas ali estava Florbela Espanca, por especial deferência de São Pedro, que advogara em sua defesa a escrita libertina, os vários casamentos que não deram certo e as tentativas de suicídio, porque sabia o quanto ela havia sofrido.

 

- Florbela? Aqui? Acabo de sair de um outro encontro, feminino, porque não gostei do que disse a Soror Mariana, a fazer-se de vítima arrependida, quando já se sabe que não foi ela que escreveu as cartas ao francês ! Mas eu...

 

Sou aquela que passa e ninguém vê ...

Sou a que chamam triste sem o ser ...

Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

 

- Alegra-te Florbela. És muito estimada e admirada entre todos – disse-lhe Guiomar Torrezão que “representava” a luta pela emancipação das mulheres.

 

Ao ver Guiomar, Camilo fez questão de abraçá-la e agradecer-lhe a carta que ela lhe escreveu “Há muito que penso em escrever um artigo substancial sobre Camilo...” e Guiomar retribuiu lembrando a carta dele: “Beijo as mãos de V. Ex.ª pela fineza dos seus cuidados com a minha esquisita existência.”

 

Carolina Michaelis de Vasconcellos, nascida em Berlim mas portuguesa por casamento e coração, notabilizou-se na história e poesia dos antigos do seu novo país, divulgando-os por toda a Europa. Já havia recebido os cumprimentos de Sá de Miranda que tão bem havia estudado e ajudado a difundir, as homenagens de Herculano e Antero de Quental (cuja vida suplantou em virtude o desastre da sua morte) lembrando as suas trocas de correspondência, sempre com um belo carácter de respeito próprio de uma grande dama e de grandes homens. Por fim e seu imenso espanto é com o próprio Camões quem lhe vai agradecer os Estudos Camoneanos que mais ainda o engrandecera, sobretudo junto ao povo germânico.

 

Um pouco afastados, conversam já Camilo e Herculano que, maliciosamente, lhe pergunta pelo cão que aquele lhe dera e após a sua nomeação para a Academia de Ciências de Lisboa lho pedira de volta! Camilo, mordaz, esboçou uma desculpa, o que, coisa rara, fez aparecer um largo sorriso na cara de Herculano.

 

Bernardo Corrêa de Melo, o Conde de Arnoso, ao lado da Ramalhal figura, ria-se com aquela conversa e Eça, que havia escutado Garrett falar na sua terra, a bela Póvoa de Varzim, pergunta a Antero se, lá no etéreo, em que pouco nos vemos, também lhe chamam, como ao grande apóstolo Simão, São Pedro, o Santo Antero!

 

- Aproveitemos e vamos brindar a este encontro, mas com vinho especial de Tormes que, no meio de tantas delícias etílicas, encontrei! É o vinho do Porto no seu melhor! E esquecer a triste e cómica Questão Coimbrã!

- Imodéstia tua Eça, com o vinho! Mas sabes bem que quem moveu esses ridículos combates coimbrões foi a vaidade ferida dos mestres e dos pontífices! O espírito de rotina violentamente incomodado! Melhor mantermos o nosso Bom Senso e Bom Gosto para saborearmos o teu bom vinho e a magnífica companhia dos que aqui se encontram!

Esqueçamos as cartas que José Feliciano de Castilho, dizendo tanto disparate, publicou no Brasil, onde os homens de Bom Senso deram, não atenção mas até risada de desprezo.

- É verdade, atalhou Machado de Assis. Vivia-se uma época em que era permitido publicarem-se calúnias, mas os homens sensatos, se as liam, logo rasgavam esses escritos. Um dos que sofreu com isso foi o grande mestre Gilberto Freyre, usado como argumento político duma ditadura poderosa e logo a seguir insultado pelos revoltosos!

- Não há melhor meio para conhecer o homem português do que ler as obras de Gilberto Freyre, um homem simples mas com uma obra extraordinária. Foi às origens e mostrou como se adaptou aos trópicos e criou o homem brasileiro.

 

Palavras de Ariano Suassuna, sempre alegre e comunicativo, rendia assim homenagem a quem deu partida para que aparecessem depois os grandes romances sobre o homem brasileiro.

- Foi isso, Ariano, assim criei Grande Sertão: Veredas, Sagarana, e outros cantando baianos e mineiros e você, com o extraordinário Auto da Compadecida e tantas outras obras magníficas, mostrando o Nordeste do Brasil.

- Rosa, não esqueça João Cabral de Melo Neto. Camões cantou a epopeia dos portugueses. João Cabral o sofrimento dos nordestinos, como naquele incomparável poema «Morte e Vida Severina».

 

Luis Augusto Palmeirim, até então calado, deliciado a ouvir tantos colegas de letras, ele que teve o condão de “descobrir” novos talentos, estava entusiasmado com a conversa que entretanto derivara para o Brasil.

- Que maravilha! Já chegámos ao Brasil. Os nossos irmãos de Além o Grande Rio Atlântico. Mas não podemos passar incólumes pelos Açores. Aqui ao lado, calado, o que não é seu natural, está o homem do «Mau Tempo no Canal»!

Vitorino Nemésio, habitualmente bem disposto, alegre, brincalhão, rendia-se aos que o rodeavam,

- Desse Mau Tempo, Luis Augusto, tantos e tantos saíram para irem povoar novos mundos. Desde a América do Norte ao Brasil, para onde levaram o culto do Espírito Santo que a nossa grande Rainha Santa Isabel nos confiou.

- E o que me dizes dos que foram e criaram raízes por África, Ásia, Japão?

- Muito. Mas, como descobri no meio de tantas garrafas uma de vinho do Pico, vou afinar a garganta com uma delícia da minha terra, e do Antero, e já volto.

 

Nós também voltaremos, com a continuação deste Encontro de Escritores, daqui a uns dias.

 

15/01/2017

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Francisco Gomes de Amorim

ENCONTRO DE ESCRITORES - 1 -

 

Corria por Lisboa um amante da história e das letras, à procura dum restaurante suficientemente grande que, por uma noite, pudesse fechar as portas para receber um elevado e muito especial número de convivas. Fechar as portas em sentido literal.

 

Isto porque os convivas, sobretudo os mais antigos e de elevada estirpe, não gostariam de ser vistos pelo público, muito menos entrando em lugares normalmente reservados a “plebeus”.

 

Nada encontrou em Lisboa, nem Porto, nem, correndo o país, em qualquer restaurante mesmo nos melhores hotéis, que lhe servisse para os fins em vista. Lembrou-se que um convento seria a melhor solução; lugares tranquilos, longe do mundo externo, e acabou por se fixar no Mosteiro de Alcobaça.

 

Refeitório dos frades, Alcobaça.jpg

 

Levou tempo a convencer o Dom Abade que precisaria de uma sala, grande, fechada, onde ninguém pudesse entrar, nem por qualquer buraco espreitar. O refeitório do convento, espaçoso, seria o ideal. Argumentou como pôde: só o utilizariam a partir das 20 horas, pagaria o que fosse necessário, mas impunha uma condição: ninguém poderia ver quem lá iria estar dentro.

 

- Dom Abade: não tem que se preocupar, são todos pessoas da maior respeitabilidade. Depois lhe venho contar quem aqui esteve.

 

As instruções foram precisas: nada de cozinhados. Nada. Eles, os convivas, talvez quarenta ou cinquenta, não vêm comer. Só encontrar-se e conversar. Mas quem sabe se lhes apetecerá beber qualquer coisa, de modo que se porá à sua disposição, somente algo para quebrarem um pouco a « sede » e para alegrar o convívio, sobretudo vinhos. Os melhores.

 

Continuando, foi dizendo que tudo isso correria por sua conta, o Mosteiro não gastaria um cêntimo, e com a conveniente antecedência traria as bebidas, variadas, vinhos branco e tinto, vinho do Porto, outros vinhos generosos, vinho verde, aguardente e água. Todas as garrafas estarão abertas. Não precisaremos nem de saca-rolhas. Copos, sim, de todos os feitios, e à descrição. Muitos copos. Se o mosteiro não tiver, também posso trazer umas dúzias de copos. Não precisa ficar preocupado porque ninguém se vai embriagar e criar problemas. Não são necessárias cadeiras, só pequenas mesas espalhadas “aqui e além” onde os convivas possam depositar os copos vazios.

 

Como certamente vai sobrar muita bebida, desde já ela fica oferecida ao Mosteiro, esperando que os monges dela possam fazer bom uso, assim como dos copos.

 

Pessoal para servir, nem um. Não há necessidade. E que ninguém, rigorosamente ninguém, ali entre ou vá espreitar. Será eventualmente necessário fechar alguma janela porque não se deverá poder ver quem lá estiver.

 

O tranquilo Dom Abade julgava estar perante um louco. Para que se juntarem num restaurante se não iam comer? Só beber? Nunca tinha visto tal. O organizador do encontro limitou-se a responder perguntando quanto queria que lhe deixasse como pagamento ou contribuição para o acontecimento, o que o religioso deixou ao critério dele e, ainda cético, se ofereceu para colocar lá na sala alguns sumos das boas frutas da região, o que foi aceite com muito agrado. Foi-lhe então entregue então um envelope com generosa quantia.

 

- Aqui tem o seu dinheiro, Dom Abade. No dia seguinte eu venho acertar eventuais contas do que for necessário. Amanhã, a partir das oito da noite só poderão aqui entrar, além de mim estes poucos senhores cujos nomes estão nesta lista; eles sabem que ficarão numa sala separada, porta aberta para o salão onde não poderão entrar. Serão os testemunhos da reunião. E que ninguém mais saiba disto. E o senhor, Dom Abade terá que manter todo este assunto em segredo de confissão.

 

Face ao entusiasmo do visitante e do dinheiro, vivo, em notas, o Dom Abade, apesar de desconfiado, acedeu.

 

- Mais uma coisa só: onde tem aqui um altar dedicado a São Pedro?

 

Dom Abade levou-o a meio da nave central da bela igreja, e deixou-o ajoelhado, parecendo rezar com fervor.

 

Pouco demorou a tirar do bolso uma lista. Ajoelhado, humilde (pleonasmo: ajoelhar é já um ato de humildade!) frente à imagem do Santo e sem muito mais rezas diz-lhe:

 

- São Pedro, preciso de um grande favor. Tenho aqui uma lista de pessoas que gostaria que deixasse, amanhã, virem à terra. Por pouco tempo. Só algumas horas.

 

- Meu filho aqui não há ontem nem amanhã, e muito menos horas. Aqui só há o momento presente. O que não importa, porque tudo pode ser controlado. Mas o que vão eles fazer aí na Terra, quando aqui estão gozando a suprema felicidade?

 

- Será uma pequena reunião de escritores da língua portuguesa, incluindo até um que viveu antes de haver esta língua. Um encontro a que poucos, muito poucos vão ter oportunidade de assistir, e onde imagino se vão trocar curiosas ideias do tempo de cada um. Já todos aí estão a descansar, mas nós que os estimamos muito e estudamos, queremos ter o inestimável prazer de os poder ver.

 

Mas, querido São Pedro, tem que os deixar vir vestidos como andaram quando vivos, no seu tempo, pela Terra, independente de uns terem sido ricos e outros até pobres. Será uma ajuda para os podermos distinguir. Só os poucos vivos que assistirão ao encontro vão reparar nesses desprezíveis detalhes. Ah! Um outro detalhe: alguns eram judeus ou cristãos novos.

 

- Aqui não há judeus, nem há religiões. Há só Paz eterna para quem a mereceu quando peregrinou por essas bandas.

 

- Que bom, Santo Pedro.

 

- Mas estranho pedido esse, meu filho. Jamais alguém me apresentou semelhante ideia! Dizem que eu tenho as chaves do céu, mas aqui eu não mando nada. Somos todos iguais. Não sei como satisfazer este pedido que, devo dizer, até me parece interessante. Espera um instante que vou falar ao Pai.

 

Como no céu também não há instantes, de seguida São Pedro continuou.

 

- Vão poder ir sim. Não preciso da lista que trazes contigo, porque consigo ler o que te vai na alma. À hora combinada aparecerão, um de cada vez, sem ordem das hierarquias desse mundo. Vai em paz.

 

Já mais animado o nosso promotor da festa guardou a lista para depois conferir se viriam todos. Não que desconfiasse da palavra do Santo, mas para que ele próprio se não perdesse, e até porque talvez algum não tivesse ganho ainda... os céus!

 

Os convidados, terráqueos, autorizados a assistir, foram os seguintes de que só se indicam umas letras para não serem depois assediados por jornalistas e outros curiosos: CC, HS, AP, LS, e MC.

 

Refeitório arrumado, mesas encostadas às paredes, abertas as garrafas com as bebidas, os copos ao lado, arrumados, aproximam-se as vinte horas, o nosso “inventor” do encontro, nervoso, olha para o relógio a intervalos de poucos segundos. O que se iria passar?

 

De repente surge o primeiro, logo o mais fácil de identificar, zarolho (sem aquela ridícula coroa de louros na cabeça), calça a meio da coxa e uma capa pelas costas, só podia ser o Luis Vaz, de Camões! Olhou em volta, parece não ter visto o anfitrião, nem podia porque o anfitrião era um ser vivo e os convidados figuras etéreas (mas que iam beber vinho !) e com dois passos estava em frente das garrafas. Olhou para todas as garrafas, escolheu como bom conhecedor, encheu um copo de vinho verde e derramou-o num só trago! Ahhh! Que saudades!

 

Entretanto chega Brás de Albuquerque só reconhecido porque Camões ao vê-lo exclamou, alegre:

 

- Brás, aliás Afonso, vamos falar um pouco das nossas aventuras, ou desventuras, na Índia! Tu não estiveste por lá mas sabes de muita coisa. Vem beber à saúde daqueles tempos. Vinho verde da minha região ou da tua quinta ?

 

Num instante aparecem mais três, quatro, cinco, e o anfitrião começa a ficar baralhado sem saber quem era quem. Reconhece Alexandre Herculano, impossível de não ser reconhecido, vê-o dirigir-se a um personagem, de roupa vistosa, longa barba branca, ar altivo apesar de se ver já de idade avançada, e muito respeitosamente se dirige a ele:

 

- D. Alfonsi a Domino, quod est honor

 

Afonso X respondeu-lhe em castelhano, língua que ele havia introduzido oficialmente em Castilla y Leon em substituição do latim. Entretanto, garganta seca, pediu que lhe servissem um copo de vinho generoso.

 

- Dom Afonso, este é um vinho das encostas do rio Douro. Duero para usted. É ouro líquido para se beber!

 

 

Logo ao lado deles estava outra figura ímpar, que fez questão de beijar a mão de seu avô. Herculano logo o reconheceu também e não conseguiu calar o que sentia:

 

- Senhor Dom Dinis, o maior rei que Portugal teve!

 

Dom Dinis, em grande respeito por seu avô :

 

- Tanto e tão bem fizeste, meu Senhor e Rei, que eu seguindo vosso exemplo aboli também o latim em Portugal. Institui não o castelhano mas o que mais se fala no meu reino: o galaico-português!

 

 

E vinham-se juntando mais, encantados pela presença de tão destacadas figuras. Um deles, magrinho, nariz proeminente, bigode bem aparado, óculos pince nez, ajoelha-se em frente de Dom Dinis, olha-o bem nos olhos e diz-lhe:

 

- Meu querido e maior rei, o plantador de naus a haver! e deixa correr, de emoção duas lágrimas.

 

Já corre para se juntar ao poeta, roupa simples, humilde, o sapateiro de Trancoso, que Pessoa apresenta ao Rei:

 

- Senhor, aqui está o homem que previu o grande futuro de Portugal no Mundo, tudo iniciado pela gestão do vosso reinado!

 

António Vieira esticava a cabeça para ouvir o que diziam do Futuro. Dom Dinis que o viu mandou-o aproximar-se mais para o abraçar. Sabia da sua História, e no seu íntimo agradecia-lhe a expansão do nome de Portugal. Neste pequeno grupo Agostinho da Silva tinha que estar; encantava-se na presença do grande soberano, mas sobretudo bendizia a herança da Santa Rainha, ausente, mas muito estimada, e queria apresentar ao rei a também sua visão Império do Menino, a que se juntou, para aplaudir, Ariano Suassuna.

 

Ao grupo inicial, ia-se juntando um sem número dos muitos poetas coevos porque ali se encontrava o Mestre. Bernardim Ribeiro, a quem Camões perguntou pela “Menina e Moça e seu roussinol”, um canto triste de quem cantou a dor da Menina; Sá de Miranda com sua longa barba, que depois de abraçar efusivamente o seu amigo Bernardim, brincou com Camões dizendo-lhe

 

- Sabes bem, grande mestre, que se te salvaste do naufrágio, não te salvas que se tenha espalhado por toda a parte o teu imenso engenho e arte! Aprendeste que o Amor é fogo que arde sem se ver, mas Amor é cego minino e a Fortuna é cega mulher!

 

João de Barros aguardava a troca das amabilidades poéticas para se voltar para a Índia! Camões, Afonso de Albuquerque, Diogo do Couto, Garcia de Orta e até Duarte Nunes de Leão, que reclamava por não encontrar à disposição entre as preciosidades etílicas nem que fosse uma só garrafa da sua terra, o clássico Pera Manca, um vinho da minha terra que se cultiva há milhares de anos e que os romanos vinham aqui buscar para se deliciarem em Roma! André de Resende coadjuvou :

 

-­ Tens razão Duarte Nunes.

 

Todos riram e Afonso de Albuquerque correu para lhe oferecer um copo do que de melhor a Quinta da Bacalhoa produzia! Duarte Nunes:

 

- Obrigado. É bom, mas não se aproxima do Pera Manca, amigo Brás.

 

 

- E eu que o diga, confirmou Bernardim, orgulhoso do seu Torrão!

 

Não seria tão bom, mas Brás foi notando que só à conta dele uma garrafa inteira já se tinha evaporado!

 

Bocage, magro, de olhos azuis, carão moreno, bem servido de pés, meão na altura, triste de facha, o mesmo de figura, nariz alto no meio e não pequeno, irreverente, atento à troca de ideiais não se conteve. Sadino, sai em defesa dos moscateis de Setubal que costumava beber em níveas mãos, por taça escura, e com seu geito descontraido fez com todos provassem o cantado nectar, aprovado por unanimidade.

 

Os que andaram pelas Índias, cutucaram Camões:

 

- Mestre Luiz, nunca revelaste onde era a Ilha dos Amores, mas eu que por lá andei recordo bem uma das que mais prenderam o meu coração : a Ilha de Mussa Ben-Bique ! Não andavam as belas deusas pela floresta, que não havia, mas vi-as tocar o alaúde e a qunan, a que nós chamamos harpa, e o nosso desejo se acendia mesmo que as carnes não fossem tão alvas!

 

 

- Tens razão Garcia, eu que por lá passei e vi muitas daquelas deusas de ébano, não as esqueci nunca. Como poderia? Depois de meses de mar...

 

Gaspar Correia, com um suspiro acrescentou:

 

- Ah! A ilha dos sonhos e dos amores era essa mesma, Diogo do Couto. Passei a minha vida, quase toda na Índia e lembro do grande Vice-Rei Afonso de Albuquerque que volta e meia me falava das “deusas daquela ilha”!

 

Seguia a conversa sobre a Índia, mas havia que escutar outros grupos.

 

Camões vê entre os de outras gerações alguém que queria muito cumprimentar. Ali estava outro poeta, elegantíssimo, casada verde bronze com botões de amarelo dourado, colete branco de grande bandas, calça cor de flor de alecrim, gravata de cores lubricas e luvas cor de palha!

 

- João Batista! Que ideia ter escrita aquele belo poema Camões! Muito me sensibilizou e até fez nascer almas poéticas em jovens simples!

 

 

- Luiz Vaz, deverias ter visto a magnífica peço de teatro que fez em meu nome! Foi um imenso sucesso!

 

E conseguiu um efeito especial do Castelo da Almada a arder dentro do teatro!

 

Exclamou Manuel de Sousa Coutinho.

 

- Sabem onde me inspirei? Numa barraca de marionetes na Póvoa de Varzim! E que bela obra também a tua Frei Luis de Sousa, sobre o grande arcebispo Dom Frei Bertalomeu!

 

A reunião estava animada, a noite virava e ainda duraria muitas horas.

 

A continuar...

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Francisco Gomes de Amorim

RETRO 2016 - 2

 

América do Sul

 

Esqueci do Peru! – E logo na época do Natal!

 

Falar na América do Sul e esquecer um pirú, aliás o Peru, é pecado grave.

 

Talvez porque comemos um dia 24 de Dezembro.

 

Há uns anos era um de 10 ou 12 quilos, depois com 9 ou 10, e este ano a inflação comeu metade e foi um só com 6 quilos. Mas ninguém ficou com fome – e há tantos que a têm – e pudemos agradecer ao Senhor ainda nos ter dado este! (Aliás... comprado)

 

Mais ainda quando eu sou um declarado admirador, e saudoso, deste país. Mas tenho alguma desculpa.

 

Em 2002 andei por lá (hiii... já lá vão 15 anos!) voltei encantado e escrevi quatro artigos sobre aquela terra que estou à espera que me caia uma grana dos céus para poder voltar.

 

Quem não leu, pode ir a este link http://fgamorim.blogspot.com.br/2009_09_01_archive.html, e ficar a saber TUDO (?!) sobre aquele país andino, e penso que assim me perdoarão a falta.

 

De lambuja levam aqui uma pequena aguarela que fiz nessa viagem e que era a vista do nosso quarto no hotel ao lado do célebre Machu Pichu. 

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Como é evidente, lá... é outra coisa! Tudo rodeado de montanhas, uma atmosfera limpa, por muito ateu ou descrente que se seja, respira-se algo de místico, uma visita imperdível e se... a repetir.

 

Daqui a dias escreverei sobre outras místicas.

 

Dia de Magos, 2017

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Francisco Gomes de Amorim

RETRO 2016

 

América do Sul

 

Um retrato pseudo estatístico-intelectual

 

 

Pequena “viagem” pela América do Sul, a olhar para o que passou. Visão... dantesca.

 

À frente do alfabeto vem a Argentina que ganha do Brasil por 2 a 1. Duas madamas presidentas, qual delas a mais pior má, contra uma que... empata com elas. Em corrupção, em desorganização, em favoritismos, parecendo que a única diferença seria que as duas argentinas, segundo as boas línguas, receberiam alguns favores, enfim secretos, enquanto à brasileira nem o diabo lhe quis aparecer. Coisas!

 

2016 trouxe um novo presidente, macro, super aplaudido no início e super xingado ao fim de alguns meses!

 

Mas o que não se pode negar é que a Argentina tem a melhor carne do planeta, magníficos vinhos, uma Patagónia espectacular e a cidade mais austral do dito planeta onde se podem comer brilhantes santolas – centolla – e uma merluza negra ou o cordero fueguino, huummm, madre mia!

 

A seguir o B.

 

A Bolívia em vez duma eva tem um evo! Está no terceiro mandato, e quer mais uma vez alterar a constituição para se quadri-eleger. O povo já votou NÃO, mas o evinho, ou evito, que gostou do poder, vai fazer novo referendum e já se imagina que o “povo” vai dizer sim, mesmo antes de votar. Mas, vá lá, o país vem crescendo cerca de 5% ao ano apesar de cerca de 50% da população viver abaixo da linha de pobreza.

 

O tal evo roubou a refinaria ao Brasil, e depois o sapo barbudo decidiu que ficava tudo por isso mesmo, não valia a pena chatear o compañero... porque sempre pode escorrer algum por fora. E nisso os esquerdistas são muy amigos.

 

Tem coisas maravilhosas para se visitar, como o lago Titicaca, mas já está poluído por falta de ordenação e excesso de turismo! É!!!

 

Na sequência alfabética aparece a Colômbia. O governo fez um acordo de paz com as FARC, mas o povo não gostou! Parece que por toda a parte as gentes procuram a paz menos 51% dos colombianos. Talvez tenham assim mais dificuldade em mandar a coca para o EUA que, além de serem os principais consumidores, são os grandes fornecedores da química para transformar a pasta de coca em cocaína.

 

Boa parte da Amazónia colombiana, cheia de petróleo, tem milhares de quilómetros quadrados onde nada o petróleo, tudo pela ganância. Uma delícia para o ambiente.

 

Ainda no B, como todos sabem (só alguns, infelizmente) o Brasil nada tem a ver com a Venezuela, salvo a sua grande fronteira comum. Primeiro porque Brasil se escreve com um “B” e Venezuela... não.

 

Depois porque a Venezuela nem papel higiénico tem para a população se higienizar, apesar do presidente estar podre de maduro e de estupidez, enquanto os brasileiros podem, sem que alguém tenha alguma coisa a ver com isso, limpar o que quiserem, excepto os políticos. Para esses não há papel que chegue, nem cartão, nem sentenças judiciais... quando as há! O resto, segundo estatísticas, parece que anda limpinho.

 

No Brasil o sapo barbudo, dilmissimamente mancomunado, conseguiu destruir uma economia que, malgré toda essa ladroagem, campeã mundial em meter a mão na cumbuca pública, continua a crescer, porque segundo Caminha, aqui em se plantando tudo dá.

 

Agora está lá um pobre diabo, que não é de temer, porque quer dar-se bem com a esquerda, com a direita, com Deus e o Demo, e não tarda a levar um chuto no lugar certo. Quanto aos demais, os chamados “lá de cima”, parece haver uma disputa para ver quem ganha o maior número de processos nos tribunais, o que parece lhes dá mais prestígio e força política. E olhem que a tabela de classificações, além de ser enorme, tem caras muito bem classificados. Até dá gosto ver o fenomenal desempenho de alguns – qualquer coisa como mais de um milhar deles – e, sobretudo tentar compreender como se consegue roubar tanto sem ficar saciado, e ficar a rir dos juízes. É o jeito!

 

FGA-primeira missa no Brasil.jpg

 

Bem, o Brasil tem praias, caipirinha, lindas mulheres e muitos assassinatos. Só uns 55 a 60 mil por ano.

 

Estreámos o ano com 60 assassinatos numa cadeia (com requintes de decapitação e esquartejamento) o tal inter-temer (inter, de interino) até hoje parece não ter tomado conhecimento porque nada disse, e, estamos no dia 5 e só no Rio já assassinaram 5 policiais. Boa média.

 

O C. Quem quiser visitar a Colômbia, tem que ir a Cartagena de Las Indias, que foi o grande centro de distribuição de escravos para todo o Caribe e Estados Unidos. Cidade muito bonita, a parte histórica, mas com história um quanto feia.

 

Também pode ir a Medellin ou Cali e tentar a sorte associando-se a algum narcotraficante, já que foram (ou ainda serão?) os maiores polos de produção e distribuição de narcóticos.

 

Esta não faz parte dos meus planos turísticos.

 

Chegamos ao Equador. Presidenciado por um amigo da turma sinistra, como o sapo barbudo, maduro de podre, evito de la coca, o ex fidelíssimo e outros quejandos – seguia com a economia em razoável situação até que o preço do petróleo caiu. Além disso como há uns anos adoptou o dólar como moeda, com a alta do dólar... agora está um bocado... à rasca.

 

Por enquanto no aspecto de turismo tem muita coisa para ver. Segundo os Caras, os mais antigos da região foram os Quitos. Descobriram tudo porque tudo estava por descobrir, incluindo o rio das esmeraldas, que... não tinham a quem vender!

 

Depois vieram os Incas e por fim os castelhanos que os lixaram a todos. Podem pôr na lista de viagem que não se arrependem.

 

O Chile está pela segunda vez com a mesma madama, que no primeiro mandato combateu a esquerda e agora combate a direita. É de supor que a dona micheleta bachelle faz muito bem porque isso de não variar torna o governo chato. O póbrema é se ela se lembra de allendear o país e destruir o que de bom entretanto o Chile já conseguiu. Apesar de tudo continua a ter vinhos excelentes, cuja exportação vai aumentando, mas o cobre...ai! o cobre ainda representa 50% das exportações (o primeiro exportador de Cu do mundo), o que deixa o país vulnerável às variações de cotações internacionais.

 

Mas o turismo cresce e eu, se pudesse, voltaria lá. Beber o vinho, comer frutos do mar e ir lá... ao Sul, e passear na Estreito do Magellan! É uma beleza.

 

Das três guianas não há muito que se diga, a não ser os nomes delas:

 

- a francesa continua a ser uma colónia de França de onde os ditos/as lançam foguetes, e pouco mais produz do que ouro. Tem um lugar “magnífico”, a Ilha do Diabo, a daquele “hotel de luxo” de onde, em 1935, fugiu o famoso Papillon (de seu nome, Henri Charrière) e que faz parte das chamadas Ilhas da Salvação. Salvou-se... um!

 

- a holandesa, desde 1975 independente com o nome de Suriname tem ouro e bauxita e... que mais tem?

 

- e a terceira Guiana tout court, era inglesa, em 1970 perdeu este british complemento, é o país mais pobre do continente e a Venezuela ainda lhe quer mamar mais de 60% do território, porque diz que o bolivarzinho... de modo que tem sempre questões fronteiriças.

 

Do Paraguay também não há muito que se diga. Teve um presidente, depois de vários frutos, que era bispo, deixou de o ser, fez imensas burradas e uma porção de filhos nas suas devotas seguidoras, e mostrou ao Brasil o caminho do impeachment, levando um chuto nos fundilhos. Hoje em dia quem dá as cartas é o cartes. Vive principalmente da energia elétrica que o Brasil consome na barragem bi-nacional de Itaipu, da agricultura e do contrabando, contrabando de tudo, para o Brasil!

 

Para finalizar o tour sul-americano chegamos às ex Províncias Cisplatinas, o Uruguay. Paisinho tranquilo, óptimo para vacaciones, casino, praias e um governo de esquerda-direita-esquerda que se democratizou desde 1985 e se porta razoavelmente bem, com 50% da população vivendo na capital.

Como os vizinhos, têm óptimo comida, algum vinho... razoável, muito boi e carneiro, soja, etc.

 

Até o Carlos Gardel disse que era uruguaio – era francês! – para não servir no exército na II Guerra Mundial.

 

O nosso filho Luis também sonha em se matricular no Uruguay. Sonhar é barato.

 

Turismo recomendado.

 

05/01/2017

 

Francisco Gomes de Amorim, 2016

Francisco Gomes de Amorim

O MEU RETRATO

Francisco Gomes de Amorim, 1954

 

Que tal me apresentar, agora, que finda o 2016?

Depois de ultimamente ter escrito algumas passagens da minha vida, sobretudo dos primeiros anos – aliás já escrevi inúmeras de outras épocas e idades – uma jornalista quis fazer-me uma entrevista “relâmpago”, moderna, tipo “pergunta / resposta” (quem, ou qual ou o que mais gosta ou admira), que até foi divertida!

Depois de tudo coligido mandou-me o resultado, e creio que jamais tal “brilhante entrevista” foi ou será publicada. Vai agora para quem quiser ler.

Saiu assim:

P: - Família?

R: - É algo sagrado. Mas não gosto de falar nisso porque tenho vivido muitos momentos muito difíceis e dolorosos.

P: – Leitura?

R: - História, geografia política, etnografia, sociologia, alguns romances.

P: – Autores?

R: - Desde os antigos aos modernos honestos (raros!) para a história. Romances: Camilo Castelo Branco, João Guimarães Rosa, Gilberto Freire, Mia Couto, Ariano Suassuna, Óscar Ribas, Antero de Quental, Wenceslau de Morais.

P: – Poetas?

R: - Se não citar Camões e Fernando Pessoa vão me jogar no lixo! Mas não esqueço João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade. Aliás não sou de ler muita poesia.

P: - Música?

R: - Clássica e alguma moderna.

P: – Quem ou qual?

R: - Vivaldi, Corelli, Albinoni, Pachebel, Paganini, e tantos outros do Barroco, Mozart, Beethoven, Liszt, Rossini, Bach, Joaquin Rodrigo, Flamenco, tango, fado, chorinho, samba canção, morna de cabo verde e coladeira, bandas militares escocesas, toques militares de clarim, rebita de Angola e... outras!

P: - Intérpretes?

R: - Rubinstein, Yehudi Menuhim, Paco de Lucia, Mercedes Sosa, Amália Rodrigues, Vinicius de Morais, Maria Callas e...

P: – Desportos?

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R: - Como todo o garoto joguei futebol. Depois brinquei de toureiro e levei muita marrada, mas sobretudo ténis, um pouco de golfe e vela. E gostava muito de atletismo. Nunca ganhei um campeonato, mas joguei muito.

P: – Automóvel?

R: - Os melhores, hoje, são os mais confortáveis. Dantes... isso já lá vai.

P: – Moto?

R: - Também tive durante uns anos, mas quando vi que estava na idade de me quebrar todo se caísse, desisti!

P: – Comida?

R: - A boa. Nada dessas modernices que levam um feijão, uma folhinha de salsa e um molho colorido para fazer bonito. Gosto do cozido à portuguesa ou minêra, bacalhau, marisco e frutos do mar, peixe e carne, enfim, gosto de tudo que tenha o que comer e seja bom! E adoro fruta.

P: – E doces e guloseimas?

R: - Não sou muito de doces, mas sempre como um pedacinho se não for muito doce.

P: – Bebidas?

R: - A água, pura, é a rainha das bebidas, mas eu bebo pouquíssima, porque normalmente não presta. Nem a engarrafada. Bebida numa fonte pura, fresquinha é inigualável. O rei das bebidas é o vinho tinto, seguido do branco, depois vem a cerveja e, vez por outra, raro, um Porto, Ginginha, Gin, Cointreau ou Whisky.

FGA

P: – Moda?

R: - Uma piada, normalmente de mau gosto, ou péssimo. Há anos aboli a gravata porque acho uma mariquice que para nada serve. Tenho roupa comprada há mais de trinta anos que continuo a usar.

E como os meus pés têm tendência a inchar e dar uma incómoda sensação de calor, também há anos que adoptei sandálias, que uso mesmo quando sou convidado para festas elegantes, como casamentos.

A moda das mulheres hoje é feita para as desnudarem. Elegância houve talvez... quando?

P: – Jogo?

R: - Detesto casinos. Aquilo é um antro de perdidos. Mas há mais de 20 anos que jogo o mesmo número na lotaria e nunca ganhei um centavo!

P: – Hobby?

R: - Além de algumas escritas em que vou exercitando a memória e ocupando o maldito tempo livre, gosto de bricolagem. Até gostaria de ter sido marceneiro!

P: – Mulheres?

R: - Além das filhas e netas só houve, e só há, uma. Claro que gosto de ver uma mulher bonita e por vezes ainda deixo os olhos percorrerem todo aquele “proibido”! Está no meu DNA machista!

P: – Qual o seu tipo de mulher?

R: - De físico, a Vénus de Milo. De espírito, inteligente, mãe, simples, batalhadora.

P: – E de homem?

R: - O mais belo físico de homem, também grego, é o Discóbolo. E tem que ser inteligente, valente e humilde.

P: - Que mulheres mais admira?

R: - D. Zilda Arns que criou a Pastoral da Criança, a Irmã Quitéria Paciência da Casa do Gaiato de Moçambique, Irena Sendler que salvou milhares de crianças judias, a minha mãe que enviuvou com 34 anos e sete filhos e teve uma vida difícil, e minha mulher que começou com oito filhos e hoje só tem seis.

P: - E homens?

R: - Francisco de Assis, Angelo Roncali o grande Papa João XXIII, o padre José Maria da Casa do Gaiato, Don Vitoriano Aristi com a sua Fé contagiante, o meu pai, e um homem que muito ajudou a moldar a minha personalidade, o engenheiro Augusto Matos Rosa.

P:– Se fosse um animal, qual gostaria de ser?

R: - Bom, animal já sou, mas se não fosse um homo sapiens, preferia ser um burro, um jegue.

P: – Porque?

R: - É um animal maravilhoso: forte, trabalhador, dócil, humilde. E quando se zanga dá uns coices lindos!

Francisco G. Amorim-IRA.bmp

P: – Já falou várias vezes em humildade. Porque?

R: - Porque é dos humildes o Reino dos Céus, e só com humildade poderemos viver em Paz neste mundo.

P: – Gosta que lhe dêem presentes?

R: - Não. Acho que não mereço e há gente, muita, que precisa mais do que eu.

P: – Amigos?

R: - São uma bênção, e nesse aspecto fui abençoado. Tenho muitos, infelizmente a imensa maioria a viver muito longe, e face à idade também uma grande quantidade deles, como irmãos, já nos deixaram.

P: – O que mais deseja para os seus filhos, familiares e amigos?

R: - Paz e que se amem sempre uns aos outros. E a todos os outros.

P: – Que mensagem deixaria para os jovens?

R: - Nunca percam o entusiasmo e a generosidade da juventude mesmo que cheguem aos 100 anos, nem aceitem como verdade tudo aquilo que vos querem meter na cabeça. E, para variar, não deixem, nunca, de ser simples, humildes e valentes.

- Obrigado

- Obrigado, eu.

N.- Agora que já me conhecem não esqueçam de me desejar um 2017... em Paz!

26/12/2016

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Francisco Gomes de Amorim

NATAL

N. Senhora e Jesus.jpg

 

 Época difícil, esta. Mexe com a consciência.

 

Por dever de etiqueta, as pessoas sentem-se obrigadas a mandar mensagens (dantes eram bilhetes postais) enfeitadas com estrelinhas, papais Noel ou pai Natal, árvores com presentes e bolinhas coloridas penduradas e outras alegorias próprias. Próprias?

 

Afinal o que é próprio do Natal?

 

Celebrar o nascimento do Menino que, feito Homem, nos veio dizer para nos amarmos uns aos outros, que cuidássemos dos desfavorecidos, dos doentes, dos idosos e que cuidássemos também da natureza para que pudéssemos viver mais felizes e a entregássemos pura aos vindouros.

 

E o que fazemos nós?

 

Alguns vão à Missa do Galo, a maioria procura juntar parte da família, quando possível, porque hoje as famílias estão dispersas pelo mundo e porque, apesar de muitos nascerem, outros já foram, e acabamos por contar mais aqueles que nos faltam do que os novos que vão chegando.

 

Enchemos a barriga de peru ou bacalhau, bebemos o que de melhor temos à mão e desejamos que o próximo ano nos traga a Fada Madrinha para resolver TODOS os problemas, que muitas das vezes nós vamos adiando à espera... à espera de quê?

 

E ainda entregamos presentes uns aos outros, os ricos dão Ferrraris e os pobres uma lembrancinha do tamanho das suas posses, quando alguma têm.

 

Com esta análise simplista quer parecer que fazemos exactamente o oposto daquilo que, aparentemente, deveria ser o Espírito do Natal.

 

Numa mensagem de anos anteriores lembrava que o Natal é uma época dolorosa e que custa ver a “obrigação” de saudar os amigos que afinal estão, permanentemente, mesmo longe da vista, nos nossos corações.

 

Tenho saudades das ceias de Natal que passámos com os filhos ainda pequenos junto com os centos de garotos sem família na Casa dos Rapazes, em Luanda e depois na Casa do Gaiato em Lourenço Marques.

 

O Natal ali era sentido mais verdadeiro, porque mais simples, e porque a alegria reinava estampada nas caras daquela pequenada com a humilde festa que se fazia.

 

É evidente que a todos, amigos e até inimigos, se tiver, não vou desejar que tenham Boas Festas, mas sim um Natal Santo, que a Paz do Menino entre cada vez mais fundo no coração de todos.

 

E muito presente, sem sair do coração, penso nas crianças e adultos de Aleppo, das garotas roubadas na Nigéria, das famílias cristãs e não cristãs a serem dizimadas na Síria e Iraque, nos curdos até hoje humilhados pelas potências vizinhas e que lutam pelas suas vidas, cultura e dignidade, e por todos os que sofrem a injustiça e prepotência dos homens.

 

Não mandarei um abraço mais forte para os amigos. Estaria a desconsiderar os outros.

 

Nesta época é quando penso mais naqueles que, podendo, não são amigos.

 

Mas que todos recebam em seus espíritos o Abraço da Paz, e sobretudo que lutem muito para que esse abraço abrace o mundo.

 

15/dez/2016

FGA-2OUT15.jpg

Francisco Gomes de Amorim

O LIVRO DO TIAGO

O porquê deste livro

 

Finalmente o livro ficou pronto e começámos por fazer uma primeira apresentação em São Paulo, onde apareceram amigos do tempo em que lá vivemos, quando o Tiago tinha entre 11 e 18 anos.

 

Foi um encontro muito simpático, em que se repetiram histórias daquele tempo!

 

FGA-O LIVRO DO TIAGO.png

 

Um dos sobrinhos do coração que leu o livro quase no mesmo dia, escreveu-me depois a perguntar “o que realmente levou o Tio a fazer o livro ?”.

 

A minha resposta foi muito lacónica: Fica difícil explicar por que escrevi, mas no fundo foi tentar fazer um retrato de quem, com todas as suas maluquices, tinha uma personalidade muito especial.

 

E, evidente, deixou um vazio imenso.

 

Infelizmente não fui capaz de fazer melhor.

 

O livro tenta explicar melhor a razão de o ter escrito, mas a verdade é que, como pai, recebi deste filho grandes lições de alegria, de doação, de vontade de viver e achei que, através do livro, poderia mandar uma mensagem não só aos muitos amigos que ele fez ao longo da vida, mas também que servisse um pouco de estímulo para os irmãos e netos.

 

Não é uma biografia. Não se trata de uma pessoa que tenha feitos notáveis, como um chefe de guerra ou um estadista.

 

Trata-se de alguém que viveu a vida sempre a querer algo mais, diferente, e a rir mesmo dos insucessos e das maluquices, e dos muitos desastres que o marcaram tanto.

 

É um livro simples, e infelizmente a editora fez uma edição pobre. Mas o que vale é o conteúdo.

 

Quem o ler vai entender por que o escrevi.

 

07/Dez/2016

Francisco Gomes de Amorim, 2016

Francisco Gomes de Amorim

DE COMO NASCI E FUI CRESCENDO... – 2 –

 

No primeiro texto deixámos o Padre António Vieira e o Mestre Agostinho da Silva no seu eterno presente, mas nós vamos voltar um pouco ao que ainda lembramos: o passado.

 

O coitado daquele menino, com uns seis anos, continuava e ainda continuou por bons (?) anos, a sofrer, no tempo quente, daquelas mazelas nas pernas e braços. E o tratamento era com o tal pincel. Um dia, criança em cima de uma mesa e uma empregada (a Conceição, de má memória) pincelava as feridas. O pequeno chorava porque aquilo ardia. A megera, para o calar, de repente enfia-lhe o pincel na boca! A mãe estava em casa, estranhou qualquer anomalia no “tratamento”, entra na sala, vê a enormidade da besta, enfia-lhe dois bofetões no focinho e mandou-a porta fora! A minha mãe não era de levar desaforo, nem se amedrontava com ameaças. Que saudades de uma mãe!

 

Ali perto de onde morámos (sob influência do Pe. António Vieira!), na Rua Artilharia Um havia um colégio das Doroteias, para onde foi a irmã mais velha. Ao lado do antigo quartel do Regimento de Artilharia que deu nome à rua.

 

Com o irmão mais velho, o Luis, acompanhávamos a irmã Helena até ao colégio e daí seguíamos para o primeiro (conhecido) local onde funcionava o Colégio de Clenardo, na Rua Castilho, esquina para a Braancamp, onde há anos derrubaram a pequena casa e construíram um centro comercial.

 

E aqui começa um pouco a história-geográfica deste colégio.

 

Não tardou aí o colégio e mudou-se para o Lumiar, ao lado dos estúdios da Tobis Portuguesa, num belo palacete dos Marqueses de... (já não lembro de “quê”!).

 

Em frente ao Colégio das Doroteias aguardava uma “caminete” que nos levava para o Lumiar e, por impossível que pareça, ainda lembro que eu saía de casa com uma “carcaça” com marmelada, que me preparavam para o caso de eu ter fome, talvez a meio da manhã. Só sei que assim que entrava na dita “caminete” ia sentar-me no banco traseiro e a primeira coisa que fazia era comer a carcaça!

 

Não sei já quem era o professor do ensino primário, mas não esqueço também que, regressando de férias (quais e quando?) cheguei ao colégio com um dia e talvez uma hora de atraso. Só tinha lugar para me sentar numa das últimas carteiras e, com os coleguinhas todos de costas, não conseguia ver quais eram os meus conhecidos ou amigos. Quando descobri um deles devo ter feito qualquer manifestação de agrado e o tal professor, uma besta, veio lá da frente deu-me uma bofetada com tamanha força que eu caí da cadeira. Eu teria uns 7 ou 8 anos. O “valente” professor mostrava a sua força a criancinhas. Por isso jamais esqueci tamanha covardia.

 

Também pelo Lumiar o colégio não ficou muito tempo. Mudou-se definitivamente para a Rua do Salitre onde fiz a 4ª classe, em 1941/42. Aí tive muitos amigos que ficaram pela vida fora, a maioria deles já descansa.

 

Estávamos em meio à II Grande Guerra. A empresa onde o meu avô trabalhava, e sócio desde 1922, Estabelecimentos Herold, Ldª., era de origem alemã e quase todos os negócios internacionais eram feitos com a Alemanha. Daí, eu ser germanófilo! Como é evidente ninguém sabia nada de Hitler, judeus e outras barbaridades, mas a maioria dos colegas era anglófila. Um dia, numa acirrada discussão “política” os pró-britânicos decidiram derrotar o pró-germânia, e este, que escreve, levou uma bela surra. Mas de muitos, até desses, guardei amizade por longos anos!

 

Só um intervalo para dizer quem foi Clenardo: nasceu em 1495 no Ducado de Brabante, entre o que é hoje a Bélgica e Holanda, e morreu em Granada em 1542. Foi um autodidacta de grande formação intelectual, tentou a conversão dos muçulmanos através do diálogo sobre a sua cultura. Manteve um princípio próprio do que se pode chamar pedagogia moderna. Escreveu manuais de gramática grega e hebraica para simplificar o aprendizado dessas línguas. Um professor educador.

 

Voltemos ao colégio. Em 1939 a família, éramos cinco irmãos, mudou-se para a Estrela, Rua Almeida Brandão, um segundo andar com uma bela vista para o Tejo. Foi dali que assistimos, em 15 de Fevereiro de 1941, ao famigerado e de má memória ciclone que arrasou casas, milhares de árvores, deixou mais de cem mortos pelo país e até destruiu a bela Nau Portugal que tão bonita era!

 

FGA-nau Portugal depois do ciclone.png

A nau «Portugal» depois do ciclone

 

Entretanto, com a mudança para a Estrela, o irmão mais velho entra para o Liceu Pedro Nunes e eu, com duas irmãs, para o Colégio das Oblatas, na Rua dos Navegantes, onde fiz a terceira classe. Sexos separados, como era óbvio. Em dias de festa, que não lembro quais seriam, os meninos saíam todos muito arrumadinhos em formação para irem assistir à Missa e outras cerimónias no colégio das meninas, que era a uma ou duas centenas de metros. É fácil imaginar que nessa andança, “a malta” da rua vinha chamar-nos nomes simpáticos, tais como mariquinhas e outras amabilidades! E nós, com uma vontade danada de sair da formação e começar ali uma guerra! Era directora desse colégio uma famigerada Dona Georgina que ninguém gramava. Feia como só ela.

 

Em nossa casa, a mãe a passar por outra gravidez, que não vingou, mas a obrigava a repouso, contratou uma “mamósele”. Lembro de várias mas uma, coitada, sofreu um bocado comigo. Também o que ela fazia era sentar-se numa cadeira e olhar para nós como se a sua presença bastasse para nos manter ocupados ou distraídos. E lia o jornal. Uma das graças que lhe fazia era, “sem querer”, chutar uma bola directa ao jornal, que acabava na cara da dita senhora. Isto, vezes sem conto. Um dia ela pôs-me de castigo, à janela, com duas orelhas de burro na cabeça. Em vez de me achincalhar foi um pedaço bem divertido que vivi, porque quem passava na rua achava graça, pensavam que era brincadeira minha e ainda falavam comigo. Não durou muito esta senhora, lá em casa. Rapidinho se demitiu. A seguir veio outra, durona, a mamósele das pernas tortas, coitada da senhora, mas que se impunha e a nossa mãe pôde descansar um pouco mais. Talvez se chamasse Ludovina da Conceição... não sei o resto!

 

Os Verões, desde que me lembre, mesmo quando morávamos no Porto, eram passados na quinta dos avós, a Quinta das Rosas, em Sintra. Casa grande, lá cabíamos todos e mais os tios, casados e solteiros.

 

Foi aí que comecei a jogar o ténis, no court que havia lá na quinta. Um tanto curto nas cabeceiras mas servia perfeitamente.

 

Lembro que teria uns 10 anos, a minha querida prima Tereza Sabrosa deu-me a sua raquete de ténis! Raquete pequena e como ela tinha mais cinco anos do que eu, já não lhe servia. Joguei muitos anos com ela, perdia a maioria das partidas com os meus amigos, dos quais destaco, na adolescência, o Fernando Monteiro, e já em África sobretudo o Fernão Dornellas que me dava cada surra... Só deixei de jogar por causa de um dos joelhos que tinha sofrido rotura dos ligamentos, quando em 1953 um tractor me passou por cima das pernas (!). Fácil lembrar: talvez 1970. Um torneio inter-bancários em Luanda. Fomos à final, mas o meu joelho estava tão avariado que entrei em campo com a raquete numa mão e uma bengala na outra. Disse ao parceiro: vais ter que correr muito! Ao fim de dois ou três jogos, pedi desculpa e tivemos que desistir. Creio que o Fernão nunca me perdoou... bem! Nunca mais joguei!

 

Mas entretanto tinham nascido mais dois irmãos: a Luiza em 40 e o João em 42.

 

Voltando a 1942, Outubro, entrada para o Liceu Pedro Nunes.

 

Já contei que apanhei uns “caldos” à entrada, tarefa em que os garotinhos do 2º ano se exibiam como veteranos, mas não gostei muito daquela recepção e devolvi logo umas quantas chapadas aos “machos”!

 

Isso valeu-me a simpatia dos alunos já do 5º ano, com quem passei boa parte dos intervalos das aulas a saltar ao eixo! Não era bem saltar. Eu tentava voar para alcançar as “longas” distâncias até àqueles que se “amochavam”, e por diversas vezes fui apanhado no ar para não me estatelar no chão!

 

Fui estudando (não muito, mas... o suficiente) e em Abril de 43 mudámos para uma casa magnífica que o nosso pai tinha encontrado, meio abandonada, na rua das Trinas, onde fez imensas obras que lhe custaram muito dinheiro, que teve que pedir emprestado.

 

Trabalhava muito: chefe da Repartição de Arborização e Jardinagem da Câmara de Lisboa, administrava o departamento agrícola da Casa Herold e ainda projectava e executava jardins particulares; com isso tinha algum desafogo financeiro.

 

Não demorou muito a nossa felicidade nessa casa.

 

Em Novembro desse fatídico ano de 1943, o céu caiu-nos em cima de forma demasiado violenta.

 

A nossa vida nunca mais foi a mesma.

 

Começou a diáspora dos irmãos!

 

Mas disto não vou falar.

 

8/dez/2016

Francisco Gomes de Amorim, 1954

Francisco Gomes de Amorim

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