PERU – 9
COLCA
Penhascos literalmente andinos e abismos tipicamente dantescos, eis o cenário que nos é oferecido neste passeio que nos faz saudades das planuras de Vila Franca de Xira ou da Camargue onde o Ródano finalmente se banha no Mediterrâneo.
Colca é uma cidade, um rio e um vale. A cidade – a que por ali chamam Chivay - deveria ser apodada com diminutivo para corresponder à realidade; o rio – no troço que vimos – é um riacho; o vale é ubérrimo mas rapidamente se transforma num canhão só habitado pelos majestosos condores.
Apesar de se localizar no ponto mais fundo do vale agrícola, a cidade está a 3 650 metros de altitude, tem cerca de 5 mil habitantes, não tem desemprego e só lá se chega por estrada de montanha (bem asfaltada como todas as que usámos no Peru) mas não aconselhável a condutores com atracção do abismo. E sabendo que para de lá sair teríamos que regressar pela mesma estrada, perguntei onde o rio ia desaguar e se não havia estrada que o acompanhasse. Que desagua no Pacífico mas que o vale se transforma logo ali a seguir num canhão medonho a que só raros montanhistas se atrevem a aceder. Uma estrada por ali? Só se fosse toda ela em túnel numa das falésias. Não, é mais fácil a agradável «passear» pela estrada que já existe com belas vistas das montanhas.
O hotel em que ficámos é mesmo no último palmo de terra que o homem normal pisa antes de o vale se transformar no tal canhão medonho. E para tranquilidade dos temerosos, há por ali nascentes efervescentes a convidar ao banho que nos lembram o caracter sísmico de toda a região em que os tremores de terra são o pão deles de cada dia. E se um cataclismo nos fecha ali naquele buraco? Não aconteceu o pior e tudo se resolveu a bem. Até o caminhito de acesso ao hotel que o nosso autocarro percorreu a contar os centímetros que lhe sobravam até à parede abrupta de um dos lados e do abismo do outro nos mostrou que a tal estrada de montanha é uma brincalhotice de crianças de escola. E, no regresso, para facilitar tudo, tivemos que nos cruzar com uma carrinha que se agarrou à parede como uma lapa e nós, os do carrão grande, que nos despenhássemos por ali a baixo… Sim, a gestão de todo o processo circulatório no dito caminhito, passou a ser feito não mais em centímetros mas sim nas suas parcelas. E como prova este escrito, tudo acabou com a naturalidade requerida pelos espíritos eruditos e tranquilos.
Apesar de tudo, já eu conhecendo a estrada de entrada e saída do vale pela montanha abaixo e acima, decidi que no regresso haveria de me concentrar no lado da parede em vez de olhar para o vazio dos abismos. Assim fiz e evitei sufocos estrangulantes de paisagens imponentes mas depois destas visões dantescas, não tardará muito para que o turismo de maior altitude que me permitirei futuramente seja, no limite, ao nível do segundo piso da Torre de Belém.
Mas aquela é a verdadeira casa do condor e é por ali que ele sia e passa…
Outubro de 2017
Henrique Salles da Fonseca