MAR PLANO, AMOR LOUCO
As gentes de Olhão mostraram várias vezes ao longo da História que são gente valente. Os factos mais citados têm a ver com as acções de guerrilha que moveram contra os ocupantes franceses em toda a serra do Caldeirão. Expulsos os ocupantes, enviaram em 1808 ao Brasil um caíque, barco de dois mastros relativamente pequeno, com a notícia dessa expulsão assim dando a saber ao rei D. João VI que já podia regressar ao reino pois a população lhe defendera o trono.
Foi já D. Pedro IV que atribuiu a Olhão o complemento “da restauração”. Ficou a chamar-se – e disso ainda hoje muito se orgulha – Vila de Olhão da Restauração. A diferença está em que actualmente já é cidade e não mais vila.
Mas nem todos os actos heróicos têm a ver com guerras, invasões e momentos que a História Nacional registe. Sim, há os que não conduzirão os seus autores ao sossego do Panteão Nacional mas que, mesmo assim, são dignos de nota.
Foi o caso de um rapaz solteiro e duma jovem recém-casada, ambos naturais e residentes na Ilha da Culatra, nos idos de 50 do século passado. Bem solteiro e mal casada, davam-se de amores secretos e não hesitaram em ditar a vida pelas suas próprias vontades. Se na Culatra lhes proibiam o amor, então havia que encontrar sítio onde se pudessem amar…
E foi pela calada da noite de 1 de Outubro de 1958 que José Belchior e Felismina Inês zarparam da Culatra num barquito de 6,5 metros de comprimento e 2 de boca, o Natília Rosa, com destino … ao Brasil.
Cavalheiro, poupou a amada aos esforços físicos inerentes à tripulação de barco tão pequeno pelo que pediu ajuda a José Eduardo Guerreiro que o rendesse na árdua tarefa da navegação. Assim aportaram a Dakar onde ficaram durante 5 meses. Inebriado pela vida nocturna da capital da colónia francesa, o ajudante Guerreiro decidiu ficar-se por ali e foi rendido por outro aventureiro, o espanhol Adrián Léon Diaz.
Nos 99 dias que levaram de seguida para atravessar o Atlântico enfrentaram vagas de 10 metros, perderam a única panela que levavam da Culatra e passaram a cozinhar no bacio que Felismina usava até então. Quase morreram na praia de Alcobaça, na Bahia, mas finalmente chegaram a Porto Seguro no dia 29 de Junho do ano seguinte (1959) onde, exaustos, já entraram rebocados pelo faroleiro.
Passados dois meses nasceu Fátima, a primeira dos três filhos que tiveram. Dedicaram-se à agricultura e à pesca. Viveram. E passados 42 anos voltaram à Culatra. Rija festa lhes fez Olhão que em Junho de 2001 descerrou na Ilha uma lápide comemorativa do feito destes aventureiros para quem o mar foi plano porque o amor era louco.
Henrique Salles da Fonseca
(Nov14 - à entrada das grutas da Baía de Halong, Vietname)