ÉTICA E INFINITO
ÉTICA E INFINITO, eis o título de um livrinho (uma escassa centena de páginas de texto propriamente dito) com os diálogos, gravados em Março de 1981, entre o entrevistador Philippe Nemo e o entrevistado Emmanuel Lévinas, publicado pelas «Edições 70» em Agosto de 2010.
Da Wikipédia, respigo alguma informação biográfica de Philippe Nemo:
- Francês, nascido em 1949, é filósofo e historiador;
- Professor de filosofia política e social, os seus estudos versam sobretudo o liberalismo, a história das ideias políticas, o conceito de Ocidente e o de República; tem-se também dedicado aos temas da educação e da pedagogia.
Para saber mais, ver em https://fr.wikipedia.org/wiki/Philippe_Nemo
Emmanuel Lévinas nasceu na Lituânia em 1906, fez os estudos secundários no seu próprio país e na Rússia mas estudou Filosofia em Estrasburgo de 1923 a 1930, nomeadamente com Husserl e Heidegger. Até que se naturalizou francês em 1930. Passou a ensinar Filosofia, foi director da Escola Normal Israelita Oriental e ensinou na Universidade de Poitiers, na de Paris-Nanterre e na Sorbonne. Morreu em Paris no dia de Natal de 1995.
Da contracapa do livrinho se extrai que o cerne da sua obra consiste na análise do laço indestrutível que existe entre a ética e o infinito, na oposição ao neutro, ao mero ser. Não percebi nada. Havia que ler o livrinho para tentar perceber qualquer coisa.
E lá fui eu…
… começando por rever as passagens que numa primeira leitura me chamaram a atenção e que assinalara (a lápis).
Logo na apresentação que Philippe Nemo faz, fiquei encantado com o parágrafo final que me parece digno de transcrição sem mais explicações: «Emmanuel Lévinas é o filósofo da ética, o único moralista do pensamento contemporâneo. Mas aos que o consideram especialista da ética como se a ética fosse uma especialidade, estas páginas darão a conhecer a tese essencial: que a ética é a filosofia primeira, aquela a partir da qual os outros ramos da metafísica adquirem sentido. A questão primeira - pela qual o ser se dilacera e o humano se instaura como “diversamente de ser” e transcendência relativamente ao mundo, aquela sem a qual, ao invés, qualquer outra interrogação do pensamento é apenas vaidade e corrida atrás do vento - é a questão da justiça.»
No tema «Bíblia e Filosofia», Nemo interroga Lévinas sobre a harmonização dos dois modos de pensamento, o bíblico e o filosófico. E a resposta, esperada, tem tudo a ver com a exegese tanto dos textos sagrados como dos filósofos clássicos: «Os textos dos grandes filósofos, com o lugar que a interpretação tem na sua leitura, parecem-me mais próximos da Bíblia do que opostos a ela, ainda que a concretização dos temas bíblicos não se refletisse imediatamente nas páginas filosóficas. Mas não tinha a impressão que a filosofia era essencialmente ateia. E se, em filosofia, o versículo não pode substituir a prova, o Deus do versículo pode permanecer a medida do Espírito para o filósofo.»
Sobre «Heidegger», retive duas ideias: a de que a angústia resulta do nihilismo, não de etapas teóricas de raciocínios mais ou menos sofisticados mas directa e exclusivamente do «nada»; a de que na hermenêutica heideggeriana sobre os filósofos clássicos «não se manipulam velharias mas, antes, se reconduz o impensado ao novo pensamento». Confesso que aqui me apeteceu aplicar a expressão popular «Toma e embrulha!»
Mais para diante, fui dar com algo que me fez recordar um pensamento que sempre tive e que desconhecia por completo que pudesse ter sido abordado com tanta elevação: a solidão do ser. «Ser é o que há de mais privado; a existência é a única coisa que não posso comunicar; posso contá-la mas não posso partilhá-la». E agora digo eu: o nascimento é um acontecimento partilhado com a mãe, a vida é convivida no sentido da simultaneidade, de um certo compromisso, mas a morte é um acontecimento completamente privado, não partilhável mesmo que ocorra simultaneamente com outras mortes – também cada uma delas em total isolamento, solidão, mesmo que cada um rodeado de vivos. E Lévinas conclui: «Tudo se pode trocar entre os seres, excepto o existir.»
Um dos livros mais importantes que Lévinas produziu parece ter sido «Totalidade e Infinito», publicado em 1961, que eu ainda não li. Mas Philippe Nemo leu-o e trouxe-o à colação num dos diálogos que constam deste livrinho. E a primeira pergunta é a de saber em que medida é que totalidade e infinito se relacionam. A resposta é hegeliana: «A filosofia pode interpretar-se como uma tentativa de síntese universal, uma redução de toda a experiência a uma totalidade em que a consciência abrange o mundo, não deixa nada de fora dela, tornando-se assim pensamento absoluto. A consciência de si ao mesmo tempo que consciência do todo.» E quanto ao infinito? Aí, Lévinas é certeiro: «O infinito é Deus.»
Então, se a Ética é a filosofia primeira da qual tudo deriva e se Deus é o infinito que tudo abarca, o título deste livrinho só poderia ser este: «Ética e Infinito»
Setembro de 2017
Henrique Salles da Fonseca