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A bem da Nação

A SOCIEDADE DOS POVOS EM JOHN RAWLS – 2

 

3. Teoria Ideal, primeira parte (LP)

 

John Rawls 2.jpg Rawls, na primeira parte da teoria ideal, descreve a lei dos povos com o que designa de “utopia realista” acolhendo os ideais da paz perpétua defendida por Rousseau e Kant que, no séc. XVIII, imaginavam ser possível constatar um ambiente internacional de paz entre os Estados constituídos por uma confederação de repúblicas. Rawls, marcadamente um liberal, evoca, em vez das repúblicas, as democracias constitucionais liberais. Uma conceção política é considerada utópica desde que use ideais políticos morais e conceções que demarquem uma sociedade razoável e justa. “…a filosofia política é realisticamente utópica quando alarga o que são normalmente considerados os limites possíveis da prática política…” Pg.17, LP.

Rawls parte, assim, do princípio que uma sociedade liberal é uma sociedade constitucional democrática, razoavelmente justa, devendo assentar nas leis da natureza e leis civis constitucionais, praticáveis e aplicadas às normas políticas e sociais vigentes. Uma utopia realista carece que o político/cidadão possua todos os elementos fundamentais a uma conceção política de justiça. “Por exemplo, no liberalismo político as pessoas são vistas como cidadãos e uma conceção política de justiça é construída a partir de ideias políticas (morais) disponíveis na cultura política pública de um regime constitucional liberal”.Pg.19, LP.

No âmbito de um pluralismo que designa de razoável, devem existir instituições políticas e sociais que assegurem que os cidadãos alcancem um adequado sentido de justiça ao longo do seu desenvolvimento bem como o seu envolvimento na sociedade, agindo em conformidade com as circunstâncias que se lhe deparem, estando subjacente as indispensáveis virtudes, a cooperação política, tais como o sentido de equidade e tolerância.

A utopia realista não é uma ficção, segundo Rawls, na medida em que acredita e defende a viabilidade, futura, de uma estabilidade político-social no âmbito de uma justa democracia constitucional de um povo.

Rawls apresenta, na sua teoria, Povos e não Estados pois concebe os primeiros como tendo particularidades diferentes da dos Estados, estes com os seus poderes tradicionais de soberania.

Os Estados podem preconizar várias teorias de política internacional sobre, designadamente, causas de guerra e da defesa da paz, preocupados com o seu poder ao nível militar, económico, diplomático etc. Dessa forma, no plano internacional, os Estados lutam entre si por poder, glória e honra, tentando garantir cada qual uma posição superior à do outro. O que talvez seja preocupante é o fato de Rawls considerar que as relações internacionais não mudaram ao longo do tempo, tendo as mesmas características que na época de Tucídides, quando as cidades-Estado gregas já lutavam por poder e riqueza.

Os Povos têm subentendidas as caraterísticas dos povos liberais e dos povos decentes. Ao contrário dos Estados, cuja primordial preocupação é o poder, os povos justos estão preparados para atribuir o mesmo respeito a outros povos, reconhecendo e aceitando a diversidade cultural e oferecendo termos justos de cooperação social e política: “ a diferença entre os povos liberais e os estados é que os povos liberais justos limitam os seus interesses básicos a um nível razoável. Em contraste, o conteúdo do interesse dos estados não lhes permite a estabilidade pelas razões correctas:”pg.36, LP.

Para uma justa Sociedade dos Povos, Rawls indica seis condições:

1ª- A justa Sociedade dos Povos bem-ordenados é realista, nos mesmos modelos que uma sociedade decente nacional. É funcional e pode ser aplicada a acordos políticos de cooperação, expressando-se nos termos familiares de liberdade e igualdade entre povos, o que inclui abundantes ideias, jurisprudências e políticas (morais).

2ª- A justa Sociedade dos Povos é utópica, porque usa ideias políticas morais, princípios e conceitos para descrever os corretos preparativos político-sociais para a Sociedade dos Povos. ”No caso nacional, as conceções liberais de justiça distinguem entre razoável e racional e situam-se entre altruísmo, por um lado, e egoísmo, por outro. A Lei dos Povos duplica essas caraterísticas.” Pg.24, LP. Permite que as relações entre povos se possam manter justas e firmes ao longo do tempo. Rawls considera que as pessoas racionais compreendem ser irrazoável o uso do poder (político) para reprimir outras doutrinas racionais, mesmo que diferentes das suas.

3ª- A justa Sociedade dos Povos preconiza que todos os elementos fundamentais de uma conceção política de justiça estejam confinados na categoria do político (as doutrinas religiosas, filosóficas etc, estarão fora desse limite), condição esta que será concretizada pela Lei dos Povos na medida em que se amplifica a conceção política liberal de uma democracia constitucional às relações entre povos.

4ª- No seio de uma Sociedade dos Povos bem ordenada o processo institucional permite aos seus membros desenvolver o seu sentido de justiça; o pluralismo é mais manifesto do que num povo singular e a lealdade reciproca terá que ser a satisfatória (não necessariamente forte).

Uma razoável Sociedade de Povos não necessita de unidade religiosa.

6ª- A tolerância, tal como nos cidadãos racionais, mantém-se na Sociedade dos Povos, permitindo alargar uma conceção de justiça liberal, sendo que, se os membros dos diferentes povos utilizarem a razão pública nos contactos uns com outros, a tolerância emerge. Essa tolerância visa o sentido do respeito na medida em que povos liberais devem tolerar/respeitar/aceitar povos não liberais desde que estes cumpram com princípios de uma política razoável de justiça.

A ideia de uma sociedade razoavelmente justa de povos bem-ordenados não terá um lugar importante numa teoria de política internacional até que tais povos existam e tenham aprendido a coordenar as acções dos seus governos em formas mais alargadas de cooperação política, económica e social. Pg. 26,LP

Em Rawls, uma Sociedade dos Povos é composta, como se referiu, por sociedades bem ordenadas o que inclui, para além das sociedades democráticas liberais, os povos decentes. O termo decente é utilizado para se referir às sociedades não liberais que honrem os critérios de justiça e de política das sociedades democráticas liberais.

(continua)

Benilde Tomaz Fonseca.jpg

Benilde Ferreira Tomaz da Fonseca

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