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A bem da Nação

Divagando pela utopia – 8ª parte


Resumo da 7ª parte: A “indústria” portuguesa do Turismo já tem um modelo de desenvolvimento globalizado e deve fazer o necessário para evitar que S. Tomé e Príncipe se perca pelos caminhos ínvios do narcotráfico. Os modelos de desenvolvimento sectorial têm que ser mutuamente independentes mas a intensificação das relações intersectoriais tem consequências directas no PIB.


Plausível – Ora muito bem, cá estamos de volta depois de um intervalo não tão longo como o anterior mas, mesmo assim, maior do que eu esperava.
Utópico – Oh! Meu caro, não posso esconder-lhe que, por muito prazer que eu tenha – e tenho – nestas conversas consigo, também tenho outras coisas para fazer . . .
Plausível – Mas não está reformado?
Utópico – Reformado não significa parado. Não tenho exactamente o perfil dos que vão para o jardim público jogar à batota e discutir futebol . . .
Plausível – E acha mal que eles façam isso?
Utópico – Mal, não acho; tenho pena.
Plausível – Pena? Mas não acha que os reformados devem fazer aquilo que lhes apetece?
Utópico – Ah! Sobre isso não tenho dúvidas nenhumas. Devem fazer isso mesmo: exclusivamente aquilo que lhes apetece. Pena é que o nível médio cultural desses reformados os limite à batota e ao futebol. Para centros de interesse, convenhamos que é muito pouco . . .
Plausível – E no seu caso, como preenche o tempo?
Utópico – Não se ofenda mas deixe-me rir com a sua pergunta. Como pessoa delicada Você pergunta como é que eu preencho o meu tempo mas se fosse rude havia de perguntar o mesmo de um modo mais directo: o que é que faz enquanto não morre?
Plausível – Que ideia mais absurda! Não era nada disso que eu queria perguntar.
Utópico – Eu pedi-lhe que não se ofendesse . . .
Plausível – Mas eu não o quero ver morto!
Utópico – Nem eu tenciono morrer tão de pressa mas repare que é esse o modo cru como o problema se deve actualmente colocar.
Plausível – Esse é o modo cruel.
Utópico – Sim, não deixo de reconhecer que se trata de uma crueldade mas que tem muito de verdade porque nós estamos num sistema de Segurança Social em regime simultâneo em vez de estarmos num de capitalização.
Plausível – E isso quer dizer que . . .
Utópico – A minha reforma está a ser paga pelos que estão hoje em actividade em vez de resultar da capitalização dos descontos que eu próprio fiz ao longo da minha vida produtiva. Portanto, numa sociedade em envelhecimento, o rácio entre o número de produtivos e o de pensionistas é muito importante. Se tivéssemos uma pirâmide etária jovem ou rejuvenescida, o problema não se colocava com a gravidade actual. Portanto, é natural que o jovem pergunte quando é que o velho morre para que reste alguma parte dos seus descontos e que esta sobra possa ser aplicada em capitalização da sua própria reforma quando for altura disso.
Plausível – Mas eu quero-o por cá durante muitos e bons e gostava de saber a que se dedica desde que deixou de trabalhar.
Utópico – Desde que deixei de fazer os tais descontos para a Segurança Social, quer Você dizer.
Plausível – Seja.
Utópico – Preparei as aulas de que fiquei encarregado em várias post-graduações numa Universidade, para voltar a descontar para a Segurança Social de modo a ir melhorando a minha pensão de reforma.
Plausível – Ah! Mas então está reformado e continua a trabalhar?
Utópico – Sim, isso é legal e vantajoso para o sistema global da Segurança Social pois não constituo apenas um encargo e, pelo contrário, continuo a minha carreira contributiva.
Plausível – Mas então saiu duma para se meter noutra . . .
Utópico – Dito dessa maneira até parece que andei a meter-me em encrencas.
Plausível – Saiu duma situação contributiva para outra situação contributiva.
Utópico – Exacto. Só que agora o ritmo é muito diferente: tenho tempo para estudar, para ler, para escrever e . . . para ir jogar à batota no jardim público e discutir futebol.
Plausível – Essa agora é que não percebi.
Utópico – Passei a praticar o meu desporto diariamente, de manhã cedo, em vez de o fazer só aos fins-de-semana como antigamente, porque a minha relação com a Universidade é ao final do dia e, mesmo assim, nem todos os dias tenho aulas. Para além disso, devo editar muito em breve o meu livro sobre o Padre António Vieira e tive que suspender a escrita de um outro livro que já estava a começar porque me foi sugerido fazer a história dos 95 anos do meu clube de modo a que seja publicado até final deste ano de 2005.
Plausível – E para além disso, tem o seu “blog” . . .
Utópico – . . . onde tenho reunido um conjunto de pessoas que não joga à batota nem discute futebol. Pena é que a figura geral do “blog” esteja tão degradada com exemplos do mais baixo nível a ditarem um estilo com o qual eu nada tenho a ver. E quando aviso certas pessoas de que há novidades no meu “blog” e as convido a fazerem uma visita, logo correm a dizer que as corte da lista de contactos porque têm medo que lhes entre alguma ordinarice pelo computador dentro. Espero que os cães ladrem, que a caravana passe, que os tais “blogs” das ordinarices desapareçam e que os sérios vinguem.
Plausível – Esperemos sentados.
Utópico – Se queremos viver na sociedade do conhecimento, temos que viver na da comunicação e “quem anda à chuva, molha-se”. Já vou conhecendo outros “blogs” que se dão ao respeito e espero que façamos Escola.
Plausível – Relativamente ao seu desporto e aos seus livros . . .
Utópico – . . . ficam para mais tarde, se não se importa. Agora acho que chegou o momento de cumprir a promessa feita imediatamente antes do intervalo: depois do Turismo, discorrer sobre o modelo de desenvolvimento da nossa Agricultura.
Plausível – Sim, claro. Acha que a Agricultura ainda existe em Portugal?
Utópico – Antes do mais, parece-me importante desmistificar uma parangona jornalística muito costumeira que diz que só produzimos metade do que comemos. Não é verdade! A preços correntes, o nosso défice alimentar é de cerca de 25% do consumo alimentar aparente. Ou seja, o problema real tem uma dimensão correspondente a cerca de metade daquilo que é costume dizer-se. Não é para embandeirarmos em arco, claro está, mas é menos grave do que se possa imaginar pela leitura dos jornais. Portanto, respondendo à sua pergunta, eu digo que ainda há Agricultura em Portugal. Assim como ainda há Pesca e ainda há Indústria Alimentar.
Plausível – Mas fala-se sempre da Agricultura como de um sector pobre e sem futuro.
Utópico – Ah! Diz-se tanta coisa . . .
Plausível – E não é verdade?
Utópico – Eu acho que está longe de ser verdade mas também acredito que há muita coisa que deve ser feita sem perda de tempo e antes que Você pergunte o quê, eu quero dizer-lhe que, na minha opinião, o problema agrícola português não se coloca a nível da produção mas sim da comercialização.
Plausível – Não há, portanto, um problema agrícola mas sim comercial.
Utópico – O problema é da Agricultura mas por razões comerciais. Desde sempre que os agricultores portugueses começam por produzir isto e aquilo e depois vão à feira à procura de comprador para a sua produção. É claro que estamos a falar de produtos maioritariamente perecíveis e que – se não forem rapidamente colocados – apodrecem no armazém do produtor. Este, prefere vender a qualquer preço do que perder tudo e o comerciante sabe disso e paga o que quer e não o que o produto possa efectivamente valer.
Plausível – E não é assim em todo o mundo?
Utópico – Não. No mundo moderno, os agricultores vão às Bolsas de Mercadorias averiguar os preços futuros para os vários produtos e só depois de encontrarem algo que os satisfaça é que fazem as sementeiras. Portanto, nos mercados agrícolas organizados trabalha-se com preços futuros e isso é completamente ignorado em Portugal.
Plausível – Porquê?
Utópico – Porque em Portugal sempre houve – desde os tempos do Doutor Salazar até depois do 25 de Abril com os célebres “cabazes de compras” – uma política manipuladora da formação de preços; sempre houve a preocupação de proteger o consumo. O mais grave é que essa política acabou quase sempre por proteger o intermediário em detrimento do produtor. E se isso sucedia antigamente por razões de filosofia política, hoje acontece porque se instalou um oligopsónio com base nas «grandes superfícies» sem que do lado da oferta tenha aparecido alguém com equivalente poder negocial. Mas mesmo que aparecesse, não faltaria esses grandes compradores “ameaçarem” com a importação em detrimento da produção nacional. Aliás, foi exactamente essa a política seguida pelo Doutor Cavaco Silva como forma de esmagamento da falsa inflação.
Plausível – Falsa inflação?
Utópico – Sim, falsa inflação. Como sabe, a inflação consiste no excesso de meios de pagamento em circulação relativamente ao volume da produção e tem como consequência o aumento de preços. Parabolizando, a inflação é a doença e o aumento dos preços é a febre. Os antipiréticos não tratam a doença e a doença portuguesa resulta da falta de produção em relação aos meios de pagamento em circulação. O que se tem feito não passa de manipulação de preços e não tem absolutamente nada a ver com a promoção da transparência dos mercados. Há excesso de procura, fundamentalmente.
Plausível – E como é que devia ter sido?
Utópico – Devia-se promover a organização dos mercados agrícolas com bolsas de mercadorias.
Plausível – E os mercados abastecedores e de origem?
Utópico – Isso são tudo instrumentos do comércio e não da produção.
Plausível – Mesmo os mercados de origem?
Utópico – Esses também. Não passam de pontos de concentração das produções locais de modo a poupar aos intermediários andarem em andas e bolandas. Não promovem a transparência dos mercados porque não reúnem um número de operadores económicos que seja suficiente para garantir o anonimato da formação de um preço que, ainda por cima, se limita a ser actual.
Plausível – E nas tais bolsas?
Utópico – Aí, só se trabalha em futuros e os contratos constituem títulos endossáveis e descontáveis de modo que atraem um número de operadores muito superior ao dos efectivamente interessados nos produtos agrícolas transaccionados. A verdadeira mercadoria transaccionada em bolsa de mercadorias é o título que, por acaso, refere um tipo de produto em vez de referir uma parte do capital de uma empresa.
Plausível – E o que se consegue com isso?
Utópico – A transparência dos mercados.
Plausível – E o que é isso?
Utópico – Diz-se que um mercado é transparente quando a toda a hora qualquer pessoa pode saber qual o preço do produto e quando a entrada e saída do mercado é completamente livre.
Plausível – Quer traduzir isso por miúdos?
Utópico – Sim, mas fica para a próxima pois agora proponho um intervalo e um voto de boa Páscoa.
Plausível – Muito bem, até logo e uma boa Páscoa para si e para todos os nossos leitores.


Lisboa, Março de 2005


Henrique Salles da Fonseca

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