JUÍZOS SOBRE A NOSSA DEMOCRACIA
Lendo o artigo em baixo, da autoria de João César das Neves, publicado no Diário de Notícias em 22 deste mês, apraz recortar duas possíveis conclusões que são antagónicas no seu sentido:
- A primeira é que já cá cantam 35 anos de democracia contínua e suficientemente estável. E ela não parece ter inimigos à vista, com os militares (actores históricos de golpes e revoluções) regressados de vez às casernas e com a tropa minguada como nunca antes se vira. E com os possíveis candidatos a ditador escondidos atrás de um qualquer biombo ou pregando no deserto ideologias mortas.
- A segunda é que, como diz João César das Neves, “os traços do carácter nacional são indisfarçáveis”. Isto é, nas nossas entranhas continuam intactos os embaraços que nos impedem de ir mais além, como insuficiente civismo, maledicência, inveja, mesquinhez, etc. No entanto, como diz César das Neves, “apesar dos defeitos, Sócrates, Leite, Louçã, Jerónimo e Portas nada têm a ver com Passos, Fontes, Hintze, Afonso Costa e Brito Camacho”. Caso para acrescentar que, se geneticamente possa haver alguma herança, esta porém não resiste à assepsia dos actuais laboratórios.
Seja como for, o país real já não é o mesmo de outrora, por mais que aleguem o contrário os profetas da desgraça e os vendedores de banha de cobra de tenda armada. E o regime vai-se aguentando firme sobre as pernas, por mais que alguns pseudo-moralistas lhe apontem entorses e sinais de degenerescência. Por mais que a imprensa dê primazia às nossas angústias quotidianas e por mais que opinadores de sofá nos confundam com a enovelada filigrana da sua inteligência.
Pois dá algum conforto saber que já cá cantam 35 anos de democracia contínua, após mais de um século de experiências malogradas. Até porque, como diz João César das Neves, se “persistem problemas evidentes, são semelhantes aos de Espanha, França e Itália, não aos horrores que nos assombraram o século XIX e primeiro quartel do XX”.
Adriano Miranda Lima