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A bem da Nação

Burricadas nº 14

Que saia mais um nobel cá para a rapaziada!

v      O pior pesadelo de qualquer Autoridade Monetária experiente são as crises bancárias: cenários em que os Bancos, uns após outros, ficam sem liquidez - e todo o sistema bancário entra em colapso.

v      A teoria e a prática identificaram, há muito, duas causas que convergem para que tal aconteça: (1) uma teia espessa de créditos recíprocos no mercado interbancário; (2) uma quebra de confiança da população em geral na solidez financeira dos Bancos a que usualmente recorrem.

v      Esta última causa, leva pessoas e empresas a retirarem os seus depósitos do Banco em crise, transferindo-os para Bancos que considerem mais seguros.

v      Aquela primeira, por seu turno, tem um efeito de contágio, quando o Banco que sofre a drenagem dos depósitos não tem fundos suficientes para cobrir as suas posições devedoras na compensação interbancária. Em tais circunstâncias, os Bancos que recebem os depósitos em fuga ficam com um passivo à vista (os depósitos), mas sem saldo junto do Banco Central que lhes permita responder por esse passivo – o que é dizer, passam a debater-se, eles também, com problemas de liquidez. Daí o contágio.

v      Quando a crise bancária não atinge o ponto em que os capitais começam a procurar refúgio no exterior, solucioná-la é relativamente simples: o Banco Central injecta liquidez no sistema bancário, já substituindo-se ao Banco em crise na liquidação das posições devedoras que este vá registando diariamente na compensação interbancária, já cedendo fundos directamente aos outros Bancos. É precisamente isto a que assistimos hoje por causa dos créditos hipotecários subprime.

v      Quando à crise bancária se junta a fuga generalizada de capitais para o exterior, o problema é bem mais difícil de resolver. Em qualquer caso, é sempre o contribuinte que terá de pagar a festa - através de impostos, desvalorização cambial, inflação e desemprego.

v      Vem isto a propósito da crise no BCP. Até ao momento, a ajuizar pelo que se ouve e lê, a credibilidade embaciada não é tanto a do Banco, como a daqueles que o têm dirigido (daí eu ter escrito “no BCP” em vez de “do BCP”). A liquidez do Banco não foi até ao momento posta em causa - e os clientes do Banco não parecem temer por aí além pelos seus depósitos.

v      Isto não significa que o episódio não tenha reflexos visíveis, uma vez que este Banco depende há muito dos fundos que capta nos mercados interbancários internacionais para poder sustentar as suas actividades.

v      É de prever mesmo que os Bancos no estrangeiro se mostrem, de ora em diante, mais cautelosos nas linhas de cedência de fundos que abriram a favor do BCP, quer agravando spreads, quer reduzindo os respectivos limites. Fundos mais caros (logo, menor competitividade) e, na pior das hipóteses, em menor volume - eis o que aguarda o BCP nos dias que aí vêm.

v      Dado que as posições dos maiores grupos bancários portugueses no mercado interbancário doméstico são pouco significativas, o efeito de contágio é, entre nós, praticamente nulo - apesar de o BdP não dispor já dos meios que lhe permitiriam suprir ocasionais falhas de liquidez (essa competência pertence agora por inteiro ao BCE - e é legítimo interrogarmo-nos sobre o empenho deste em apoiar um Banco de reduzida expressão à escala da zona euro que se encontre em dificuldades).

v      Ora, se os clientes do BCP não dão mostras de quebra de confiança e se o contágio via mercado interbancário doméstico nada mais é que uma possibilidade remota, estará definitivamente afastado o cenário de crise bancária?

v      Não. Não está - por algo que escapou de todo à atenção dos teóricos: a perda de credibilidade por parte da Autoridade que supervisiona um sistema bancário fortemente endividado junto de Bancos no exterior.

v      Na nova ordem financeira internacional, não são só os Bancos (e as Instituições de Serviços Financeiros, em geral) que ficam sujeitos ao escrutínio pelos pares. As Autoridades de Supervisão, garantes últimos da credibilidade e reputação dos respectivos sistemas bancários, também não escapam à disciplina do mercado (o 3º Pilar do Basileia II) – facto que nem todas gostam que se lhes recorde.

v      Bancos com sede em sistemas bancários deficientemente supervisionados são, fatalmente, penalizados nas suas actividades transfronteiriças - e surgem aos olhos de supervisores experientes como entidades causadoras de risco acrescido. Banco que queira expor-se a tais riscos terá de lhes afectar proporcionalmente mais Capitais Próprios – o que é penalizador.

v      No caso vertente, que o BCP experimente dificuldades na renovação (roll over) das linhas interbancárias de que dispõe, não deve causar surpresa. É uma realidade com a qual ele terá de conviver durante uns tempos – mas que, em circunstâncias normais, deixaria intacta a liquidez do sistema bancário português no seu todo (e com a apreciável vantagem “macro” de travar o financiamento dos deficits estonteantes da nossa BTC).

v      O que deveria ser evitado a todo o custo é que a crise no BCP viesse a prejudicar o acesso dos outros grupos bancários de raiz portuguesa (CGD, BES e BPI) aos mercados interbancários (e, a prazo mais dilatado, aos mercados de capitais) internacionais - de que todos eles, aliás, dependem estruturalmente.

v      Se tal acontecer teremos, então sim, uma crise bancária, e das grandes, entre mãos. Que fará do déficit orçamental excessivo uma brincadeira de meninos.

v      Para tanto, a reputação e a credibilidade internacionais do BdP, enquanto Autoridade de Supervisão, inevitavelmente abaladas num primeiro momento, terão que ser prontamente repostas: esse o objectivo de máxima prioridade.

v      Negar a evidência de que a supervisão prudencial falhou relativamente ao BCP (como falharam Auditores Externos, Agências de Rating e tutti quanti) é o pior que se pode fazer, na circunstância – pela simples razão de que traz à luz do dia a incapacidade de o BdP reconhecer e corrigir os seus próprios erros.

v      Para quem vê de fora, com uma supervisão assim, relutante a emendar-se, será que os outros Bancos portugueses não continuam a esconder também, lá no saguão deles, um BCP que têm conseguido até agora disfarçar?

v      Quando conseguimos transformar uma benção numa maldição (refiro-me da adesão à zona Euro), tornámo-nos sérios candidatos a um prémio Nobel. Hélàs! Foi para outros.

v      Agora, ao darmos ao mundo uma nova fonte de risco sistémico (a própria Autoridade de Supervisão), rasgamos novos e insuspeitados horizontes à teoria económica. Se, desta vez, não recebermos o Nobel é porque, de facto, a Academia Sueca não vai mesmo com a nossa cara - e tanta injustiça magoa.

Lisboa, Janeiro de 2008

 A.PALHINHA MACHADO

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