DIZ-SE QUE HERR SCHÄUBLE É MAU!
Corria o ano de 2013 e dizia-se que «O ministro alemão das Finanças ignora de modo grotesco a crise social europeia»;
Herr Schäuble afirmava então: “Ignorem os profetas da desgraça. A Europa está a ser consertada.”
E mais se dizia que «O mundo, visto de Berlim, é quase perfeito: “A receita está a funcionar, para desgosto dos numerosos críticos nos media, nas universidades e nas organizações políticas internacionais. O ajustamento era ambicioso e, por vezes, doloroso, mas a sua implementação é flexível e adaptável. As redes de segurança europeias providenciaram uma mistura bem calibrada de incentivos e solidariedade para amortecer o sofrimento.”
O texto de Herr Schäuble é assustador porque é um dogma de fé. As “organizações internacionais” e as “universidades” bem podem produzir estudos – que, entretanto, se têm vindo a comprovar – sobre os riscos da política económica seguida pela Alemanha que, do alto do seu poder e da sua religiosidade intrínsecas, Schäuble ignora-os. A crise social nos países do Sul, os 27,8% da população grega sem emprego, os 16,5% de portugueses sem emprego, os 26,3% de espanhóis sem emprego e os 17,3% de cipriotas sem emprego não entram nas contas de Herr Schäuble.
O ministro alemão das Finanças ignora, de um modo grotesco, a mais grave crise social depois do fim da Segunda Guerra, afirmando que, “em apenas três anos, os custos unitários de trabalho e a competitividade estão rapidamente a ajustar-se (...) e os défices a desaparecerem”. A recessão na zona euro acabou.
O mais traumático no texto de Herr Schäuble, mesmo que tenha sido escrito na semana decisiva de uma campanha eleitoral onde o seu posto está a votos, é que ele despreza ostensivamente a realidade e, nomeadamente, os números. O final do texto é particularmente esclarecedor da arrepiante mistura de fé com bruxaria: “Os sistemas adaptam-se, as tendências mudam. Por outras palavras, o que foi partido pode ser reparado. A Europa de hoje é a prova.”
É extremamente grave o delírio de Herr Schäuble. Mas o mais grave ainda é que ele se pega.»
Assim dissertava Ana Sá Lopes no jornal «i» em 18 Set. 2013 – http://www.ionline.pt/iopiniao/herr-schauble-delirio-pega-se
E, contudo, sou da opinião de que Schäuble estava dentro da razão.
Porquê?
Porque:
- A Europa do Sul foi tomada por uma classe de políticos que não hesitou em «comprar» votos usando a demagogia paga com dinheiros públicos e daí surgiram os gigantescos défices;
- A Europa do Sul sempre gostou muito mais de folgar nas belas praias (o famoso licenciado em «5º ano de praia») do que estudar nos livros, daí a grande deficiência na instrução e formação e, daí, a pobreza estrutural dos PIB's com inerente dependência económica externa e consequentes dívidas privadas;
- Os políticos da Europa do Sul convenceram as suas populações de que é aos ricos que cumpre pagar a crise travestindo esse conceito marxista na famosa «solidariedade europeia»;
- A Europa do Sul contou com todos esses ovos na cloaca da galinha e agora diz que os culpados são os ricos que não querem pagar a factura dos seus dislates, da sua «dolce vita»;
- O escol de cada povo da Europa do Sul (não confundir com Governos nem com políticos demagogos) já percebeu que a mudança era inevitável e urgente;
- O escol de cada povo da Europa do Sul rapidamente se apercebeu de que ele próprio teria que ser o agente dessa mudança não esperando pelas medidas de política sempre emperradas por Tribunais Constitucionais e organizações quejandas;
- O escol de cada povo da Europa do Sul não perguntou aos Governos o que deveria fazer: fez!
Schäuble tinha razão quando proferiu aquelas afirmações: a Europa do Sul estava a safar-se, a modificar estruturalmente os «modelos de desenvolvimento» que a tinham atirado para o abismo, acabando com as actividades que se tinham revelado perniciosas e a desenvolver as que são efectivamente virtuosas, a substituir inaptos por gente profissionalmente competente, a exportar em vez de chorar sobre a ruína dos respectivos mercados domésticos.
Mas, entretanto, concertaram-se pérfidas «geringonças» e a evolução sã corre agora o risco de ruir. E depois dessa hecatombe virá por certo à tona o populismo de direita de que a «Alternative für Deutschland» e o «Front National» são meros exemplos.
O drama está em que, à falta de hábitos de estudo e da preferência pela «dolce vita», o escol de cada povo da Europa do Sul não conta com quaisquer ovos na cloaca das galinhas. E, se necessário, o populismo há-de inventar galinhas sem cloaca!
A demagogia tanto saúda de punho erguido como de braço estendido. É uma chatice!
Henrique Salles da Fonseca