João César das Neves escreveu ontem (22OUT12) um artigo no Diário de Notícias em que proclamava a quase impossibilidade de conter a despesa pública em democracia. As crises do passado ensinam-nos alguma coisa sobre o assunto. Mas não é o passado que nos ajuda a compreender a democracia portuguesa na sua vocação para a barganha despesista. César das Neves explicava porquê: "o poder político dos grupos à volta do Estado é maior que o poder político dos contribuintes. Quem recebe está mais perto do que quem paga e isso faz toda a diferença".
Isto escandalizou algumas almas sensíveis que acusaram o homem de ser um teólogo do regresso à ditadura. Mas não se vê como. A ditadura é aqui um fantasma irrelevante. Queiramos ou não, estaremos sempre obrigados a reduzir a despesa por obrigação externa. Estamos ocupados. Não existe força pior e mais impositiva do que aquela que vem do exterior. Equivale a uma ocupação. Aquilo em que não nos pusemos de acordo é no tipo de despesa em que devemos cortar. Ou decidimos por nós, ou decidem por nós. Sobre isto, ainda reina o silêncio.
Mas o que isto também demonstra é que não sabemos muito sobre a nossa democracia. Continuamos a imaginar uma democracia ideal e intemporal em que todos podem votar, todos têm direito a direitos, todos participam e fazem ouvir a sua voz. Ora, César das Neves está a dizer uma coisa óbvia que muita gente anda a repetir há muito tempo. Essa democracia ideal é inseparável da forma como uma pletora de grupos sociais cimentou o seu poder de influência e protesto junto do Estado.
O verdadeiro poder que a democracia nos trouxe não foi o voto. Foi o poder bem distribuído, tanto em "cima" como em "baixo", de acesso ao Estado. Foi o poder de reivindicação. Acedemos ao Estado como consumidores de bens, como utentes, como clientes, como amigos políticos, como parceiros, como titulares de um poder mais formalizado ou mais difuso de reivindicação. É verdade para as empresas e para os trabalhadores. É verdade para quem pode, para quem se organiza, para quem tem meios de reivindicar.
É natural que a democracia gere despesa. Como é natural que a democracia dependa dessa despesa. Mas do que se trata aqui é que, na democracia real de um país chamado Portugal, a despesa torna-se quase inamovível porque o partido que exerce o seu poder reivindicativo no interior do Estado é mais forte do que o partido minoritário que não goza da mesma influência. O partido maioritário criou os seus próprios políticos, os seus órgãos de informação, os seus meios de combate; o partido minoritário não gerou nada disso.
Quando o PSD ganhou as eleições, lembro-me que um antigo membro do PCP escreveu nos jornais que a direita tinha agora uma maioria eleitoral, não uma maioria social. Na altura pareceu-me uma bizarra concepção da democracia. Agora vejo que ele tinha alguma razão. Porquê? Boa pergunta. Porque, no fundo, a direita não deixou de olhar para a política como administração do Estado e nunca deixou de se ver a si mesma como um interesse dependente dessa boa administração dos interesses que giram à voltam do Estado. Nunca foi para além disto. E o partido minoritário permaneceu minoritário, sem força, sem o poder democrático de reivindicar
Portugal entre o Colapso financeiro sem a Troika e a Ruína com ela
Estados fortes e Plutocracia contra Estados débeis e Pobres
“Temos uma mentira institucionalizada no país… que não deixa que as coisas tenham a pureza que deviam ter" ”, diz o general Pires Veloso.
Quando, os bem alimentados da nação, se atrevem já a falar assim é mesmo grave o estado da nação e justificada a insatisfação. O actual regime democrático, mais que fruto do desejo de liberdade e de bem comum, foi cinicamente construído amoralmente e baseado na manipulação ideológica que permitiu muitos “iluminados” arrogantes apoderarem-se do Estado, e manter o povo na submissão, já não sombria mas risonha. Pessoas corruptas, com o apoio militar, instauram um estado corrupto, sem razão crítica, sob o pretexto dos abrilistas serem os libertadores de Portugal. Sanearam Portugal à sua imagem e semelhança! O povo, atraiçoado pelas elites conservadoras e pelos oportunistas engravatados da ocasião, deixou-se enganar e agora acorda molhado. O maior roubo que se pode fazer a um país é tirar-lhe a esperança, a autoconfiança e a dignidade. Construímos uma democracia duvidosa em que políticos não são responsabilizados pelo seu mau comportamento mas o cidadão sim. As ideologias e os interesses pessoais e de coutos sobrepuseram-se aos de povo e nação.
Urge sanear o País desde o Estado à Constituição
A atitude do ministro Nuno Crato, mandando reavaliar todas as licenciaturas que foram atribuídas com recurso à creditação profissional, deveria ser um primeiro passo no saneamento do Estado no sentido de desinstitucionalizar a corrupção; deveria passar-se a rever também as medidas que possibilitam tal creditação. O trabalho seria colossal porque teria de chegar também aos diferentes órgãos de Estado e a uma revisão da constituição portuguesa, nascida sob auspícios ideológicos e partidários! O resto é só maculatura.
O saneamento da nação implicaria coragem e vontade para o abandono de regalias adquiridas na base de legislações nepóticas (favoritismo!) e de acções como as de forças de pressão orientadas apenas pela ganância à custa da destruição da economia nacional, tal como acontece com a greve dos maquinistas e outras. Um país que orienta a sua acção na base de aquisição de regalias mata de início a solidariedade e destrói-se a si mesmo impossibilitando a governação.
Há muitos portugueses que anseiam pela revolução, esperando que a rebelião comece em Espanha. Os alemães, os franceses e os Ingleses temem a instabilidade do Euro; mais que a desgraça da Grécia ou de Portugal, preocupa-os sobremaneira a insatisfação popular incontida duma Espanha ou duma Itália. As consequências para o projecto EU (Euro) seriam catastróficas. Por enquanto entretemo-nos com a periferia; com o tempo também a França passará a entrar na dança.
Uma Alemanha que exige contenção económica aos países menos fortes como Grécia, Portugal, Espanha e Itália, continua a endividar-se apesar duma economia florescente. Endividando-se aposta já na inflação que aos outros não é permitida devido a um Euro de várias velocidades! (A RFA, no seu orçamento federal para 2013 prevê, nos seus gastos totais, 33,3 bilhões com a dívida federal que ocupa o terceiro lugar, depois da defesa também com 33,3 bilhões e dos gastos no âmbito laboral e social com 118,7 bilhões). No que respeita a endividamento para empréstimo, o Estado alemão não tem dificuldade com isso, porque ganha com a diferença do crédito (pede dinheiro emprestado a 2% e empresta-o a 6% ou mais). Por outro lado o banco central europeu empresta dinheiro aos bancos a 1% em vez de o emprestar directamente aos Estados deficitários, favorecendo assim a usura dos bancos que depois concedem créditos a terceiros a preço especulativos. Não será que no caso duma reforma monetária quem mais sofrerá será quem mais poupou? O Japão e os USA não se encontram em melhor situação que a EU. Só que o dólar é suportado mundialmente, podendo os USA produzir bilhões de notas por mês sem que o mundo berre, ao contrário do que faz com a Europa. É que a Europa apesar das diferenças gritantes ainda reserva um bom óbolo para os desfavorecidos do sistema e da natureza e isso desagrada aos tubarões do mercado.
Povo vítima de Instituições corruptas e da própria Apatia
Os responsáveis pelo colapso económico não são chamados à responsabilidade pelo Estado português que, ao contrário do que acontece na Islândia, assalta a carteira do povo, poupando a dos que se encheram. Facto é que o povo português foi vítima dos governos de Portugal e da especulação financeira internacional. O apoio da EU (União Europeia) e a concessão de créditos aos países pobres parece ter sido para estes poderem fazer compras aos países ricos e ao mesmo tempo terem a oportunidade de beneficiarem as grandes empresas para a competição internacional da nova realidade global (turbo-capitalismo). “Confiaram” na capacidade política e financeira dos políticos estatais e agora vem a Troika, controlar a nação sem se interessar pelo Estado nem para onde foi o dinheiro. Como precisam dos seus mercenários governamentais para executarem as suas exigências não lhes tocam.
Os povos da periferia, com uma elite política não habituada a deitar contas à vida, deixaram-se iludir com promessas e histórias de paraísos turísticos, etc. Esta elite, “comprada”, com postos e ordenados especulativos internacionais, permitiu a destruição das pescas, agriculturas, têxteis e das pequenas e médias empresas da nação;pior ainda, concretizam, ainda hoje com zelo, medidas europeias tendentes a destruir as regiões e os seus produtos específicos em benefício das grandes multinacionais estrangeiras e de latifundiários. Agora que a periferia (Grécia, Espanha, Portugal, Itália, etc.) se encontra na dependura especula-se no centro da Europa, se não seria melhor estes Estados optarem pela antiga moeda para melhor regularem o próprio mercado, ou se não será melhor um euro “duro” e um euro “macio”! Tudo desculpa para manter o terreno conquistado!
As multinacionais receberam parte dos apoios da EU, destruíram as pequenas e médias empresas e foram-se embora deixando os consumidores dependentes da importação que essas mesmas firmas agora servem, a partir do estrangeiro. Um enredamento bem perpetrado! O chanceler Helmut Kohl preparou as grandes empresas para a concorrência internacional e o chanceler Schroeder açaimou o operariado para a concorrência com o operariado exterior...
As nações ricas, cada vez mais ricas ainda, criaram nelas também uma pobreza cada vez mais à medida da pobreza da periferia. A introdução do Euro correspondeu ao abandono da economia social tradicional em favor dum liberalismo económico americano (anglo-saxónico), tendente a criar os Estados Unidos da Europa à medida dos USA.
Porque há-de pagar a crise quem não tem dinheiro? Porque não se põem os mais ricos a contribuir para se resolver a crise? Estes já não trazem benefício para o Estado, numa fase em que o capitalismo comunista de Estado (China) tem poder económico e político para aniquilar o capitalismo de cunho privado (de multinacionais internacionais). Os magnates do dinheiro e as nações mais fortes têm-se permitido humilhar os povos da periferia porque ainda notam que estes se mantêm ordeiros. A situação está a tornar-se tão séria que só uma revolta popular séria poderá levar muitos representantes do povo (políticos mercenários) a arredar de caminho, porque a credibilidade internacional destes só vale na medida em que conseguem manter o próprio povo sem a revolta. A não ser que se aceite o surgir de grupos radicais no Ocidente à imagem dos grupos Al Qaida (sistema de guerrilha!).
Os que se assenhorearam do Estado português (revolução de Abril no seu aspecto de assalto às instituições) começaram por, da sua janela, anunciar o poder e a liberdade para o povo e por roubar-lho pela porta traseira! A fusão de interesses mafiosos entre políticos, instituições, administradores de empresas públicas e conluio com a justiça inviabiliza um Portugal honrado.
Chegou a hora da mudança (conversão) ou da revolução! Como podem ricos e políticos dormir, quando há já gente com fome! Será que a globalização, a EU terá de acontecer à custa da fome. A Europa conseguiu a paz acabando com a fome; agora, que a fome vem, prepara-se a guerra. O povo começa a perceber que os seus governos têm os seus interesses salvaguardados sob a capa dum Estado “padrasto”.
O problema não está tanto na escolha de alternativas mas na mudança de mentalidade das elites governamentais (partidárias) que nos têm governado e administrado e dum povo habituado a dançar ao ritmo duma música tocada por outros. Não tempos tido governos nem partidos com capacidade para administrar um Estado e menos ainda uma nação. Os mesmos parlamentos que levaram o país à ruina perderam a autoridade para governar Portugal e a Troika que o governa agora não está interessada nem no povo nem na nação.
Resta ao povo a metanoia, não comprar produtos estrangeiros e chamar o Estado e os gestores financeiros ao rego da nação. Estes porém sabem que o povo, como a criança, só berra e não actua. Daqui a falta de esperança com a agravante de que a reconciliação do povo com o seu Estado significaria mais uma vez abnegação. As pessoas sérias do Estado deveriam proceder a um saneamento do Estado e das leis que protegem os que vivem encostados a ele. Só assim poderiam os administradores da miséria readquirir a honra perdida para Portugal poder voltar a cantar “Heróis do mar” e da terra também!
Segundo nota de Nina Gazire (Revista Isto É- 24 de outubro de 2012) estarão expostos até 13 /01/13 no Museu de Arte de São Paulo (MASP) gravuras e desenhos do período renascentista alemão. Serão vistas 61 gravuras que vieram do Museu do Louvre e que perfazem a amostra “LUZES DO NORTE”, onde está em destaque “O RINOCERONTE”( 1515), do desenhista e gravador alemão Albrecht Dürer .
Excluindo as guerras bárbaras entre oriente e ocidente, onde se empregaram elefantes, é interessante notar que até o século XV somente Roma antiga e as cidades mediterrâneas haviam trazido animais exóticos da África para a Europa, para despertar a curiosidade da população. Após esse intermezzo, foram com os descobrimentos das grandes navegações marítimas dos séculos XV e XVI, intentadas, no inicio, pelos portugueses e espanhóis, que se expôs um novo mundo ao velho continente. Com eles vieram as radicais mudanças, geográficas, políticas, econômicas e artísticas antecessoras de um novo tempo.
As distancias e os relatos das descobertas despertavam o imaginário de homens comuns e artistas. Pintavam (flamengos), desenhavam (franceses), xilogravavam (alemães), aquilo que viam e o que não viam, baseados em desenhos de desconhecidos e revelações contadas e escritas pelos desassombrados navegantes. Assim é que plantas e animais exóticos, povos africanos e indianos, índios, utensílios de toda a espécie, foram levados pelos europeus descobridores principalmente para Lisboa, e de lá para o restante da Europa.Marcante em 1515 foi o caso do rinoceronte indiano, presente diplomático, com fins aliciantes, do rei português D. Manuel I, o Venturoso, ao Papa Leão X. Após enfrentar uma viagem de quatro meses, da Índia a Lisboa, passando pelos Açores, ao chegar à capital portuguesa foi visto e admirado por muita gente. Conta-se que nessa ocasião alguém, não bem identificado, fez um esboço artístico desse animal e enviou a Dürer, em Nuremberg, que o desenhou sem tê-lo visto com tal sucesso que, apesar das incorreções morfológicas, é considerado um dos trabalhos mais conhecidos da historiografia artística do Renascimento. O pobre animal na viagem de Lisboa à Itália morreu afogado (estava preso por correntes) no naufrágio provocado por uma tempestade. Seu corpo resgatado e empalhado em Lisboa chegou finalmente a Roma em 1516.
Hoje levei à minha amiga vários artigos que me deram no goto, por concordar, na sua essência, com as opiniões dos respectivos autores a respeito das figuras que descreveram.
Um deles, do “Comendador Marques de Correia”, não o da Revista mas do Primeiro Caderno do Expresso de 20 de Outubro, sobre Basílio Horta, em quem em tempos desancáramos, quando se passou para o PS e o ouvimos vomitar as grosserias habituais dos adeptos dos partidos contrários ao do Governo, mas nele acentuados com um calor de especial iracúndia, mais interessado em exibir os espasmos da sua demagogia altissonante do que em ponderar sobre a salvação do seu país.
Afinal, há quem o conheça melhor ainda do que nós, que o escutámos em diferentes posicionamentos discursivos, mais cordatos os primeiros, de uma exaltação disparatada e inesperada, os segundos.
Não resisto a transcrever-lhe o retrato, feito com a habitual ironia do “Comendador”, Henrique Monteiro de sua graça, que o intitula “Ditosos filhos que tal pátria têm”. Sim, a pátria somos nós todos, os da nação alfobre e jardim de tantos destes.
«Declinamos hoje um nome que, em coerência sempre serviu as mesmas ideias: as suas! Nunca se desviou da rota, e ainda que a outros o seu rumo pareça errante, tal deve-se ao facto de a linha mais curta entre dois pontos ser em ziguezague.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca é um jurista e político que nasceu em Lisboa a 16 de Novembro de 1943. Como político, foi sempre justo e como jurista foi sempre polido. Estão-lhe no sangue todas essas qualidades, embora seja um homem sem interesse nenhum, como se pode constatar no seu registo de interesses na Assembleia da República.
No entanto, o jovem Basílio foi reacionário até aos 62 anos, uma vez que até 2005 foi deputado eleito nas listas do CDS/PP. Desde 1976, foi eleito pelo mesmo partido sete vezes (quatro por Braga, duas pelo Porto e uma por Viseu, demonstrando predilecção por círculos à esquerda. Foi ainda quatro vezes ministro do Comércio e embaixador da OCDE.
Foi também do directório do CDS, em conjunto com Adriano Moreira e Manuel Monteiro, numa troika que ficaria imortalizada (embora de forma muito irreverente e pela qual, desde já, pedimos desculpa), com o epíteto da troika do velho, do rapaz e do… Basílio! Foi, ainda em tempos de juventude, candidato da direita às eleições presidenciais, em 1991, contra Mário Soares, de quem disse o que Maomé não disse do toucinho (e vice-versa), embora o tempo entretanto decorrido, esse malandro, faça com que ambos os socialistas estejam hoje de acordo na necessidade para superar as contradições e os males do mundo.
A sua adesão ao espírito do PS foi, mais ou menos, coetânea com a sua nomeação para o AICEP, agência de que foi presidente. Daí transitou para deputado socialista, desta vez pelo círculo de Leiria, aproximando-se finalmente do Sul e da sua terra, sendo agora, e depois de anos no engano da direita, o mais encarniçado defensor do socialismo democrático.
Homens como ele, fortes entroncados e seguros, dados à ondulação, já Camões cantou:
“Daqui fomos cortando muitos dias,
Entre tormentas tristes e bonanças, No largo mar fazendo novas vias,
Só conduzidos de árduas esperanças. Co mar um tempo andámos em porfias,
Que, como tudo nele são mudanças, Corrente nele achámos tão possante,
Que passar não deixava por diante».
Outro artigo foi o intitulado “História de uma pequena igreja” de Vasco Pulido Valente, do “Público” de 14/10. Foi sobre Jorge Sampaio, cuja aparência de rectidão e nobreza nos discursos de seriedade sempre me pareceram mistificatórios, o que comprovei com a deslealdade interesseira na deposição de Santana Lopes do cargo de primeiro ministro, em 2005, mas a minha amiga já sabia da sua presunção por intermédio de amigas suas que o conheciam, e frequentemente falávamos dele sem simpatia.
Este retrato de Pulido Valente prova que não nos enganávamos, descontada a subjectividade do seu autor em favor da análise de rigor histórico: mais um “ditoso filhode uma pátria” alfobre destes “talentos” já consignados na literatura queirosiana.
É sobre uma pesada biografia de 1007 páginas sobre Jorge Sampaio até ao momento da sua candidatura a presidente da Câmara de Lisboa, escrita por José Pedro Castanheira:
«… Mas, no fundo, José Pedro Castanheira acaba por fazer a história da geração de 62, mais precisamente da dúzia e meia de pessoas que se distinguiram na primeira grande guerra estudantil contra a Ditadura. E só por isso o esforço (da leitura) se recomenda, embora essa história seja desoladora e triste, sobretudo para mim, que assisti a parte dela e conheci quase toda a gente que nela entrou.
O grupo, muito “revolucionário”, que depressa se juntou à volta de Jorge Sampaio acreditou piamente em cada baboseira ideológica, que lhe vinha da França e também de Itália. Isto assentava, como se calculará, numa ignorância abissal – de história, de filosofia, de economia e do próprio Marx, que nunca se deram ao trabalho de atenuar. Iam saltando de um erro para o próximo, com a mesma convicção e o mesmo deleite. Hoje, Sampaio sacode essa persistente peregrinação pela asneira e pela pura idiotia (que durou quase vinte anos) como um efeito inócuo da imaturidade. Mas não fala da pressão do PC e da extrema esquerda, que ele queria reunir num “autêntico” partido socialista. De resto, os sampaístas foram sucessivamente conhecidos pelos caminhos que abandonaram e pelas derrotas que sofreram: ex-CDE, ex-MES, ex-GIS, ex-Secretariado ou qualquer outra coisa que lhes permitisse continuar à tona.
Amigo de alguns deles, detestando do coração a maioria, nunca me senti parte da família. Como no PC, viviam juntos, quase na promiscuidade. Nas férias, no trabalho, na política, ao almoço e ao jantar (tornaram célebre, por exemplo, o restaurante do Hotel Flórida). E José Pedro Castanheira, com uma paciência sobre-humana, descreve os milhares de vezes que se reuniram, em casa deste ou daquele, para discutir a intriga do dia ou futilidades sem nome e sem propósito. Eram uma igreja. Ambiciosa, ainda pior cima. Mas como Sampaio, num excepcional momento de franqueza explicou, 30 amigos certos valem bem três mil militantes na rua. E, nesse ponto, acertou: não mais do que 30 amigos conseguiram que ele finalmente chegasse a Belém, onde a vacuidade final do grupo se manifestou em todo o seu esplendor.»
É do jornalista Ferreira Fernandes , na coluna “Um ponto é tudo”, do DN de 23 de Outubro, que transcrevo o texto “Marcelo e o vídeo para alemão ver” sobre a observação de Marcelo Rebelo de Sousa acerca de um projecto de um vídeo para a Alemanha justificativo das nossas razões aqui, a merecerem a clemência deles lá, coisa que já discutíramos, a minha amiga e eu, como mais uma calamidade sobre a nossa insignificância exibicionista, a merecer o riso e o desprezo. Mas o texto de Ferreira Fernandes tem suficiente graça, embora não nos liberte da preocupação sobre um “dito e feito” piroso e humilhante de mais um “ditoso filho” da pátria humilhada, que vai sussurrando dados de intriga, como alcoviteira de olho aceso, a levantar o véu da sua fofoca malandra e tola:
No domingo, na TVI, Marcelo disse que queria fazer um vídeo para explicar Portugal aos alemães. Da última vez que vi Marcelo a explicar alguma coisa em vídeo era sobre o aborto e ele (Marcelo, não o aborto) tinha a voz parecida com a do Ricardo Araújo Pereira. Se querem que seja sincero, acho melhor não. Marcelo em vídeo é demasiado imaginativo, contraditório e brilhante para explicar alguma coisa a um povo quadrado. Já estou a vê-lo, mãos esvoaçantes ao sabor dos argumentos (quando os alemães gostam mais de mão hirta): “A austeridade é má para os portugueses? É! Mas eles não a merecem? Merecem! Uma coisa é a austeridade nos portugueses…Outra coisa é a auuuuutoridade dos alemães…” E assim por diante. Receio que os alemães, vendo um reputado professor universitário tão espalhafatoso, decretem: estes tipos não podem ser levados a sério. E nos apertem ainda mais a tarraxa. Os alemães adoram passar multas a professores que saiam da norma. Um vídeo bom para eles tinha de ter um professor de voz e de conclusões inexoráveis: é assim e aguentam. Olhem, o Vítor Gaspar explicava-nos bem aos alemães. Os alemães têm aquilo, a “Schadenfreude”, um motor de alma (é, eles não têm estados de alma) que os faz ter alegria com o mal dos outros. De um vídeo com Vítor Gaspar eles gostavam, riam muito e erguiam a caneca, limpavam a espuma com as costas da mão e mandavam-nos trabalhar.”
Três heróis nacionais, três ditosos de uma pátria que assim se retrata na mediocridade, apesar dos outros que não só souberam mostrar ao mundo novos mundos, mas que a dignificaram com a sua arte e o seu saber e a sua coragem, ou que vão demonstrando qualidades e comportamentos que nos permitem ainda a esperança.
Acabo de ver e ouvir o nosso Ministro das Finanças que por muito que haja de descontentes com a actual governação veio dar algumas notícias boas, que muitos talvez não esperassem e outras menos boas e até más ou mal explicadas que deixaram toda a gente pelo menos muito preocupada e até revoltada.
Quanto a esta revolta, por vezes legítima, muitas vezes porém é resultante de memória fraca, que como dizia um filósofo está frequentemente na origem de consciências tranquilas, pois quando por volta de 2005 e anos seguintes já eram claros os sinais do rumo catastrófico em que caminhava o mundo em geral e o nosso País em particular, não me recordo de ver aparecerem na rua a protestar contra os orçamentos do Estado, onde estavam patentes todos os desvios que foram os causadores da situação de quase bancarrota do ano passado, muitos dos que neste momento o fazem.
Com a agravante de naquela altura ter sido possível efectuar as correcções aos nossos erros estruturais, sem o sofrimento generalizado dos cidadãos e sem perder soberania, como está a suceder agora.
Convém recordar que esta crise é conjuntural e estrutural e esta última é a mais difícil de tratar pois implica reestruturar sistemas organizativos e principalmente atitudes e hábitos de toda a população principalmente da camada com mais responsabilidades políticas, corporativas, económicas e sociais.
Apenas como exemplo inicial temos logo a Presidência da República com o valor de 15 139 118 euros o que comparado com valores de outros países é cerca do dobro.
A Assembleia da República com o valor de 87 964 692 que poderá ser reduzido drasticamente se houver 180 deputados e forem adoptadas as mordomias, por exemplo do Parlamento sueco, e já agora normas de funcionamento que contribuam para maior eficiência legislativa e assim melhorar a nossa tão combalida competitividade, que nestas últimas décadas terá descido perto de vinte lugares no “ranking” internacional.
Daqui resultará fatalmente concluir-se a necessidade de se reduzir o número de funcionários públicos em cerca de 100 000, mas não os despedindo, pois deverão ser transferidos para actividades produtivas como por exemplo para a agricultura e para o turismo que têm capacidade de crescimento desde que se melhore substancialmente a sua gestão.
Ora para combater o desemprego só há uma solução, mesmo que isto pareça uma verdade de LaPalisse: é criar emprego produtivo e independente do Estado, que é a fonte indispensável para ter um Estado que possa cumprir os seus deveres de regulação e apoio, mas que seja eficiente de forma a não afogar os cidadãos com impostos que tanto limitam a sua competitividade.
Se olharmos para o nosso passado, digamos após 1974, é notória a existência de alguns preconceitos político-sociais que contribuíram fortemente não só para a situação de quase bancarrota em 2010 mas também dificultam agora a recuperação da nossa economia.
Com efeito achávamos que tudo o que o Estado fornece deve ser gratuito, que a Marinha era colonialista e a náutica de recreio era fascista, que o turismo era sol e praia, eliminámos algumas empresas grandes e na nossa Constituição está expressa a nossa “aversão” por este tipo de agente económico, esquecendo lamentavelmente que há várias actividades, como por exemplo ser armador da Marinha mercante, ser investidor em turismo de elevada qualidade, ou em produção de energia, ou na exploração de minérios, ou na exploração das riquezas do fundo do mar, que só empresas desta categoria as poderão exercer.
Áreas em que temos riquezas potenciais reais e importantes, mas que se não houver empresas portuguesas capacitadas para as aproveitar, isto será feito por empresas estrangeiras que extraem as riquezas aqui, mas vão ganhar o maior valor acrescentado nos seus países, ficando nós na posição de país colonizado, não por conquista do explorador mas por inépcia do conquistado.
Perante o que ouvimos ao Ministro das Finanças é urgente e forçoso ouvirmos agora o que têm para nos dizer os dois Ministros das pastas “produtivas” ainda por cima quando há projectos concretos de investimentos privados que esperam, alguns há vários anos, por uma resposta do Governo, que criariam não só milhares de postos de trabalho mas também uma mudança significativa no mercado internacional onde se verifica haver enormes dúvidas quanto à tomada de decisões indispensáveis à dinâmica empresarial.
E não menos importante uma esperança concreta nos cidadãos que assim poderão aceitar os enormes sacrifícios a que estão sujeitos temporariamente e que sem estas concretizações de desenvolvimento se tornam insuportáveis.
E ninguém venha argumentar com a necessidade de haver cautela com os assaltos possíveis de especuladores e intrujões, que é de facto essencial existir e ser aplicada com todo o rigor, porque os exemplos de projectos que foram autorizados nestes últimos 30 anos sem qualidade e que nunca deveriam tê-lo sido, chegam para que se não perca tempo, mas aconselham à revisão dos processos de decisão discricionários, escondidos e desviados que tão maus resultados têm produzido.
Lá onde é a Galiza, todos nós sabemos: Tuy, Santiago de Compostela, La Coruña e outros lugares lindos, e quanto à Ibéria nem se fala porque apanha a Espanha toda (incluindo os bascos e catalanes!) e Portugal.
Dunque, não há muito a dizer sobre isto. Mas...
Vive a gente um monte de anos, procura ler, mais por prazer do que por obrigação, aprendeu que Portugal se situava, e situa, na Península Ibérica, que confrontava ao Norte com a Galiza ou Galicia, que a língua portuguesa tem a sua origem lá atrás no latim, mais perto no galaico-português, e... pronto, já “sabemos tudo” antes do Afonso Henriques começar a correr com os sarraças ou os mouros até os expulsar de Portugal ou ter permitido que uns quantos aí permanecessem onde já se tinham fixado.
Mais tarde, com a confusão de gente que povoou a dita península tentei saber quem foram os sucessivos invasores. Parece que, e esse “que” ninguém sabe, os primitivos “conhecidos” teriam vindo da Fenícia, depois da mesma banda, via Cartago, e que se estabeleceram na costa mediterrânea.
Mas pré-históricos, os que deixaram os concheiros em Muge no tal Mesolítico, as gravuras do Coa no Paleolítivo e as maravilhas em Altamira ainda mais para trás, são totalmente desconhecidos.
Na historinha que nos contaram, e ainda hoje contam, porque nada mais se sabe, é que a seguir aos iberos terão chegado, pelo norte, os celtas. A arqueologia mostra inúmeros sítios com cemitérios celtas no norte da Península e dos iberos no sul, começando, mais tarde – o quando continua a não se saber – a encontrarem-se no centro da meseta.
Ora os celtas, há quem sustente que se formaram numa região hoje situada lá no noroeste da Ucrânia, na base norte dos montes Cárpatos. Mais ou menos por essas bandas, e daí, uma série de tribos a que se deu o nome genérico de celtas, começaram a expandir-se para o ocidente da Europa, ocupando a metade norte da hoje França, as Ilhas Britânicas e também a metade norte da Península Ibérica, fixando-se ainda através da costa atlântica de Portugal.
O curioso, a que também até hoje curiosos e estudiosos não conseguiram entender ou explicar, onde se encontram as fronteiras da Polónia, Ucrânia e Eslováquia, há uma pequena região que se chama... Galicia! E foi objecto de lutas seculares entre polacos, austríacos, germanos, etc. Todos queriam a tal Galicia, cujo nome subsiste até hoje!
E foi dali que terão saído os tais celtas – diversas tribos – uma das quais atingiu e fixou-se na Galiza!
Temos aqui alguma coisa interessante, que dá que pensar e que não há razão para não ser verdade! Muito pelo contrário.
Então os celtas fixaram-se no norte da Península, terras ricas, e hoje o DNA mais parecido com o dos “celtas” britânicos encontra-se exactamente naquelas terras!
Como já se abandonou, ou quase, a nomenclatura de definir os tipos humanos, por brancos, pretos, amarelos ou hindus, etc., os de origem europeia, são só chamados de caucasianos.
Foi nessa região do Cáucaso que os hindo-europeus passaram a ser os ditos caucasianos, e daí a expandirem-se para oeste, uns quantos contornando pelo leste o mar Negro, e outros descendo até ao Mediterrâneo... quem sabe se para a Fenícia, Turquia ou Grécia.
É bem possível, e lógico, que uns quantos desses se tenham instalado, como “primeiro pouso” na tal Galicia do centro europeu!
E a Ibéria?
A Ibéria é outra história, também igualmente curiosa e sem confirmação científica, na sua ligação com a Península, o que não faz a menor diferença.
A sul do Cáucaso, existiram, há uns 3.000 anos, onde é hoje a parte sul da Geórgia, e extremo nordeste da Turquia, alguns reinos como o de Colchis, e a sul deste outro chamado... Ibéria!
Parte, sul, deste reino da Ibéria terá sido conquistado pelo império persa cerca de 500 anos antes de Cristo, mas os povos daquela região, há vários séculos já eram conhecidos por proto-iberos.
Quanto à origem desta Ibéria, como palavra, parece terem sido os gregos que a difundiram Ἰβηρία, Ibiria, a partir do georgianoიბერია, também Ibéria.
Não custa nada pensar que parte dessa gente desceu ao Mediterrâneo, talvez à Fenícia, e daí, já sabemos o resto: os fenícios vieram mar fora e estabeleceram-se ao longo da costa mediterrânea, e uns quantos, desses nossos vóvós, deveriam ter vindo lá da tal Ibéria.
Porque não?
Desta forma pode até afirmar-se que todos os, hoje, ibéricos, são mesmo caucasianos, quer tenham vindo de Cartago, com algum sangue berbere nas veias, quer directamente do Cáucaso, ou via celtas que também deveriam ter saído do mesmo lugar.
Estes chegaram mais tarde à Península porque entretanto estiveram entretidos a espalhar-se pela Europa do Norte.
Portugal tem hoje 349 Institutos Públicos, dos quais 111 não pertencem ao sector da Educação. Se descontarmos também os sectores da Saúde e da Segurança Social, restam ainda 45 Institutos com as mais diversas funções.
Há ainda a contabilizar perto de 600 organismos públicos, incluindo Direcções Gerais e Regionais, Observatórios, Fundos diversos, Governos Civis, etc. cujas despesas podiam e deviam ser reduzidas, ou em alternativa – que parece ser mais sensato – os mesmos serem pura e simplesmente extintos.
Para se ter uma noção do despesismo do Estado, atentemos apenas nos supra-citados Institutos, com funções diversas, muitos dos quais nem se percebe bem para o que servem.
Veja-se então as transferências feitas em 2010 pelo governo socialista de Sócrates para estes organismos:
ORGANISMOS
DESPESA (em milhões de €)
Cinemateca Portuguesa
3,9
Instituto Português de Acreditação
4,0
Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos
6,4
Administração da Região Hidrográfica do Alentejo
7,2
Instituto de Infra Estruturas Rodoviárias
7,4
Instituto Português de Qualidade
7,7
Administração da Região Hidrográfica do Norte
8,6
Administração da Região Hidrográfica do Centro
9,4
Instituto Hidrográfico
10,1
Instituto do Vinho do Douro
10,3
Instituto da Vinha e do Vinho
11,5
Instituto Nacional da Administração
11,5
Alto Comissariado para o Diálogo Intercultural
12,3
Instituto da Construção e do Imobiliário
12,4
Instituto da Propriedade Industrial
14,0
Instituto de Cinema e Audiovisual
16,0
Instituto Financeiro para o Desenvolvimento Regional
18,4
Administração da Região Hidrográfica do Algarve
18,9
Fundo para as Relações Internacionais
21,0
Instituto de Gestão do Património Arquitectónico
21,9
Instituto dos Museus
22,7
Administração da Região Hidrográfica do Tejo
23,4
Instituto de Medicina Legal
27,5
Instituto de Conservação da Natureza
28,2
Laboratório Nacional de Energia e Geologia
28,4
Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu
28,6
Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público
32,2
Laboratório Militar de Produtos Farmacêuticos
32,2
Instituto de Informática
33,1
Instituto Nacional de Aviação Civil
44,4
Instituto Camões
45,7
Agência para a Modernização Administrativa
49,4
Instituto Nacional de Recursos Biológicos
50,7
Instituto Portuário e de Transportes Marítimos
65,5
Instituto de Desporto de Portugal
79,6
Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres
89,7
Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana
328,5
Instituto do Turismo de Portugal
340,6
Inst. Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação
589,6
Instituto de Gestão Financeira
804,9
Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas
920,6
Instituto de Emprego e Formação Profissional
1.119,9
TOTAL.........................
- Se se reduzissem em 20% as despesas com estes – e apenas estes – organismos, as poupanças rondariam os 1000 milhões de € e evitava-se a subida do IVA.
- Se fossem feitas fusões, extinções ou reduções mais drásticas a poupança seria da ordem dos 4000 milhões de € e não seriam necessários cortes nos salários.
- Se para além disso mais em outros tantos Institutos se procedesse de igual forma, o PEC 3 não teria sequer razão de existir.
Caminhada, derradeira exposição das principais ideias do autor sobre a Natureza, é um dos seus trabalhos seminais e o seu impacto é indissociável da sua enorme característica visionária. Nos primórdios da industrialização americana, Thoreau antevia o declínio civilizacional e os perigos da sociedade materialista: a distorção das necessidades básicas do homem e o alheamento do mundo natural e da sua espiritualidade. O percurso físico que advoga é uma viagem rumo a uma existência reduzida ao essencial e em liberdade para que o homem se mantenha dono e senhor de si, alheado das leis arbitrárias que o subjugam às «verdades» da maioria.
Extractos que me seduziram:
As mãos calejadas do homem do campo conhecem, melhor do que os dedos lânguidos de um ocioso, os requintados tecidos do amor-próprio e do heroísmo cujo toque arrebata o coração. É mero sentimentalismo o de quem dorme de dia e se pensa alvo e puro, avesso à experiência que tisna e caleja. (pág. 24)
Todos os crepúsculos que contemplo me inspiram o desejo de rumar para um oeste tão longínquo e resplandecente como aquele em que o Sol mergulha. (pág. 37)
A mitologia é a colheita do Novo Mundo antes de se ter exaurido o seu solo, antes de a fantasia e a imaginação serem afectadas por pragas (...); é a decadência de outras literaturas que forma o solo em que a literatura floresce. (...) Talvez, quando, no decurso das eras, a liberdade americana se tornar uma invenção do passado – tal como é de certa forma uma ficção do presente –, os poetas do mundo se inspirem na mitologia americana. (pág. 58 e seg.)
A perdiz adora ervilhas mas não aquelas com que há-de ir parar ao prato. (pág. 61)
(...) um índio não tem nome próprio, antes o ganha e o seu nome é a sua reputação. (...) É lamentável que um homem tenha um nome apenas por conveniência e não por o ter conquistado. (pág. 65)
Após longos anos de aturadas diligências e de leitura de jornais – porque o que são as bibliotecas científicas senão compilações de jornais? -, um homem reúne uma miríade de factos, arruma-os na memória e, depois, em alguma Primavera da sua vida, deambula pelos Grandes Campos do conhecimento, ou seja, começa a pastar como um cavalo e liberta-se de todos os arreios que repousam no estábulo. Daria por vezes o seguinte conselho à Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil: «Ide pastar na relva. Já comeram palha que bastasse». (pág. 69)
Há algo servil no hábito de invocar uma lei a que devemos obedecer. (...) uma vida proveitosa não conhece leis. (...) Vivei em liberdade, filhos da névoa – e no que diz respeito ao conhecimento, nós somos todos filhos da bruma. (pág. 71)
(...) não podemos dar-nos ao luxo de não viver no presente. (...) Há algo que sugere um testamento mais novo – o evangelho segundo o momento presente. (pág. 79 e seg.)
Henry David Thoreau (1817 — 1862) nasceu e morreu em Concord, Massachussets, foi escritor, poeta, naturalista, activista anti-impostos, crítico da ideia de desenvolvimento, historiador e filósofo, ficou conhecido sobretudo pela sua reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza e peladefesa da desobediência civil individual como forma de oposição legítima frente a um Estado injusto. É por vezes citado como anarquista individualista: "O melhor governo é aquele que não governa”.
Os livros, ensaios, artigos, jornais e poesias de Thoreau ultrapassam os 20 volumes sobre história natural e filosofia onde antecipou os métodos e preocupações da ecologia e do ambientalismo. O seu estilo literário intercala observações naturais, experiência pessoal e dados históricos evidenciando grande sensibilidade poética, austeridade e uma paixão pelo detalhe prático. Profundamente interessado na ideia de sobrevivência face a contextos hostis, mudança histórica e decadência natural, buscava abandonar o desperdício e a ilusão de forma a descobrir as verdadeiras necessidades essenciais da vida.
Abolicionista, realizou leituras públicas atacando as leis contra a fuga de escravos. A filosofia de Thoreau da desobediência civil influenciou o pensamento político e acções de personalidades notáveis que vieram depois dele, filósofos e activistas, tais como Tolstói, Gandhi e Luther King.
«A indignação é a mãe de todos os disparates». Este teorema simples foi formulado há dias pelo General Ramalho Eanes (Renascença, programa Terça à Noite, 9/Out). Trata-se de uma afirmação sábia de explicação evidente.
As pessoas indignam-se quando vêem sofrimento injusto. Alguém só se exaspera ao considerar injustificado o mal que sente. A indignação é dor, mas dor com incompreensão. Daí resulta irritação que se considera legítima, e normalmente é. O problema é que, por justificada que seja, a revolta tende a cegar. Ofendida e zangada, a pessoa perde condições para uma análise serena da situação. No entanto, essa cegueira não impede, antes potencia, juízos e condenações. Os quais, resultando de uma indignação justa, parecem igualmente sê-lo, embora raramente estejam em condições de o ser. Apesar disso são taxativos precisamente por serem indignados. Argumentar contra eles embate de frente com a justificação da ofensa original, a qual é indiscutível. A dedução é que não.
Tanto mais cegas quanto mais justificadas no seu legítimo repúdio, pessoas tranquilas e inteligentes são levadas a comportamentos desesperados pela indignação. Assim ela é mesmo a mãe dos disparates.
Do nazismo ao terrorismo, dos protestos sociais às zangas de adolescente, múltiplas situações de conflito incluem o tema comum da indignação, normalmente muito razoável. Isso leva pessoas a fazer o que elas mesmas, uma vez serenadas, consideram inaceitável. Daqui sai outro teorema: este tempo de crise e dificuldade gera muito disparate.